Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Se
é verdade que estamos sempre a tempo de mudar, também é um facto que há
situações em que os seres humanos, individual e coletivamente considerados,
apesar de sentirem que prosseguindo no caminho em que se encontram desembocarão
no precipício, não conseguem parar e muito menos mudar de rumo.
Face
ao que observamos, neste início de 2015, a marcar o quotidiano das nossas
vidas, é imperioso interrogar: para onde caminhamos?
Sentimo-nos
horrorizados pela violência das expressões de loucura e atrocidade presentes
nos repugnantes assassinatos cometidos no ataque ao jornal "Charlie
Hebdo". No plano mundial, assistimos a um recrudescimento de tensões e
instabilizações nas relações internacionais. Na União Europeia (UE) constatamos
o reforço de posições xenófobas e racistas, integrando dinâmicas fascistas mais
profundas, enquanto os governantes receitam políticas neoliberais retrógradas
que destroem solidariedades e esvaziam a democracia. No país começamos a
deparar-nos com os efeitos duros da destruição do sistema público de saúde, e a
sentir, de forma gritante, que fomos enganados e roubados por uns quantos
privilegiados, detentores de poderes desmedidos e corruptos, e por políticas
mentirosas que se instituíram como inevitáveis.
Na
análise aos dolorosos acontecimentos vividos em França, fala-se de "nova
estirpe" de terrorismo, alerta-se para uma escalada de formas de expressão
de violência que parece não parar, diz-se, também, que é "apenas a ponta
do iceberg de um contexto internacional explosivo". Na resposta a este
acontecimento trágico, fazem-se apelos à unidade, à ação determinada e exemplar
para que atos destes não se repitam e aprovam-se justas manifestações de repulsa,
ao mesmo tempo que se expressa solidariedade com quem está mais de perto a
sofrer.
Mas
muitos porquês precisam de resposta. Haverá coragem, vontade e capacidade de
"parar" para um exercício que nos coloque em rumos mais sensatos?
Encontrar bodes expiatórios diretos, ou menos diretos, de pouco servirá.
Estamos perante novas formas de terrorismo, ou estes atos situam-se além do que
até hoje se definiu como terrorismo? Compreendemos, realmente, em que condições
se desenvolve o terrorismo, dentro e fora das "nossas" fronteiras? E
pode acantonar-se, no plano religioso, o que se vai definindo como islamismo
radical? Como se podem combater e evitar estes atos ignóbeis se não analisarmos
os campos em que se desenvolvem?
Tem
havido, em particular ao longo da última década e meia, políticas de
dilaceramento das sociedades. Milhões de crianças, jovens, pessoas em idade
ativa e idosos são empurrados para becos que enlouquecem. E, os atos de
"louco" não são interpretáveis a partir dos padrões e valores que
harmonizam o funcionamento da sociedade.
O
Mundo e os países não podem continuar a ser governados com a mentira como
instrumento estratégico e contínuo de políticas. A quebra de solidariedades, o
não respeito pelo outro, a imposição de políticas injustas e violentas por
poderes não legitimados, a subserviência dos políticos a meros interesses
particulares, gananciosos e imorais de acumulação de riqueza e poder,
desestruturam e tornam disfuncionais as sociedades.
Muitos
dos apelos, à partida justos, feitos por dirigentes políticos na reação
imediata a este ato bárbaro em França, como em relação a outros, são
inevitavelmente fragilizados porque partem de quem, em muitos casos, é
responsável ou corresponsável por hediondos crimes contra milhões de seres
humanos.
Não
são apenas estes os gravíssimos problemas que nos obrigam a dizer: pare-se
enquanto é tempo. O rumo da UE é cada vez mais preocupante. A Alemanha insiste
em salvar o euro essencialmente à custa do brutal sacrifício dos povos do Sul.
O povo grego vem sendo insultado e provocado face ao "atrevimento" de
dizer que têm direito a definir o seu futuro. Estas políticas acumulam
problemas.
No
plano nacional os números do desemprego mostram que a fraude e a batota
estatísticas têm limites. É preciso travar o desemprego e a redução dos
salários e combater a pobreza. É repugnante termos mortes porque, para
"poupar", se eliminam as capacidades do serviço de saúde.
Já
ontem era tarde para parar e mudar de rumo.
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