O
processo de requalificação é um despedimento coletivo de dimensões brutais
Estamos
a assistir ao princípio da enxurrada que será o maior despedimento coletivo da
história da Administração Pública. E tudo por um preconceito contra o que é
público, contra o que é de todos, contra o que é do nosso povo.
Mariana Aiveca – Esquerda.net,
opinião
“Uma
mentira muitas vezes repetida não passa a ser verdade”. Esta foi a frase que o
Ministro da Segurança Social Pedro Mota Soares mais repetiu ao longo dos
últimos meses. Foi assim que respondeu sempre que foi confrontado com a sua
decisão de despedir centenas de trabalhadores na Segurança Social através do
chamado processo de requalificação.
Desde
agosto, quando se tornou conhecida a decisão de enviar quase 700 trabalhadores
para a requalificação, o Ministro repetiu sempre a mesma cassete gasta: “Vamos
garantir que absolutamente ninguém será despedido na Segurança Social. Esse é o
ponto essencial” dizia o Ministro em Novembro do ano passado. “Absolutamente
ninguém será despedido”, “o mecanismo de requalificação não é um despedimento”,
foi repetindo várias vezes.
A
20 de Novembro, o secretário de Estado da Administração Pública foi ao
Parlamento dizer o mesmo: que o processo de requalificação "não envolve qualquer despedimento" e que “a
equiparação a desemprego é abusiva". A 26 de Novembro, Agostinho
Branquinho, secretário de Estado da Segurança Social, também no Parlamento,
disse mais uma vez em jeito de obediência ao Ministro: "absolutamente
ninguém vai ser despedido". Ainda na semana passada, Pedro Mota Soares
garantiu aos deputados tratar-se de uma “reorganização de serviços” e não de
“despedimentos”.
Mas
o Sr. Ministro tem razão, uma mentira muitas vezes repetida não passa a ser
verdade. Quando decidiu enviar 700 trabalhadores da Segurança Social para o
regime da requalificação, o Ministro Mota Soares, aliás como todo o Governo,
sabia exatamente o que estava a fazer. O Sr. Ministro não é tão incompetente
que não conheça a Lei, e a lei é clara.
Os
trabalhadores colocados em requalificação passam por uma primeira fase em que
recebem 60% do salário e o seu vinculo é mantido. Na segunda fase de
requalificação os trabalhadores recebem 40% do salário. Mas só acedem a esta
segunda fase os trabalhadores com vínculo de nomeação ou que transitaram
administrativamente para o regime do contrato de trabalho em funções públicas.
Os outros trabalhadores, mesmo os que entraram para o Estado antes de 2009, que
sempre estiveram a contrato são despedidos ao fim de um ano e recebem as
compensações previstas no Código do Trabalho.
E
se isto não for suficientemente claro para o Sr. Ministro da Segurança Social,
talvez possamos simplificar as coisas da seguinte forma: “As regras são absolutamente
claras. Sabemos quais as pessoas em que o vínculo não permite despedimento e
sabemos que há outras que, por causa do tipo de contrato, podem ser
despedidas”. Estas palavras não são minhas, são da Ministra das Finanças.
Estará
a Sra. Ministra das Finanças a repetir mentiras ou poderemos finalmente
concluir que é verdade aquilo que sempre dissemos: o processo de requalificação
é, de facto, um despedimento coletivo de dimensões brutais e aquilo que o
Ministro Mota Soares repetiu vezes sem conta não passou de uma “mistificação”,
numa expressão também da autoria da Sra. Ministra da Finanças.
Aquilo
que a Ministra da Finanças admitiu ontem foi que o Ministro da Segurança Social
Luís Pedro Mota Soares tentou enganar os deputados, o parlamento, os trabalhadores
e tentou enganar o país. E fê-lo porque não quer dar a cara, porque sabe que em
muitos casos a situação da requalificação é pior do que o regime do desemprego,
porque sabe que está a encostar à parede e chantagear centenas de pessoas para
que peçam rescisão, porque sabe que vai mandar para rua muitos deles.
O
problema é que na aldrabice do Sr. Ministro estão a as vidas de centenas de
pessoas que trabalham na Segurança Social há décadas e que agora ficam sem
rede, de um momento para o outro, expostas ao desemprego e à pobreza. E na vida
que estas pessoas deram ao seu trabalho, todos os dias, está a Segurança Social
solidária, pública e universal que este Governo quer destruir.
Estes
trabalhadores que agora saem são educadoras de infância, técnicos de
diagnóstico e terapêutica, motoristas, administrativas, técnicas de equipas
multidisciplinares que acompanham crianças e famílias em risco, que trabalham
com as CPCJs e com os Tribunais, que acompanham casos de pobreza e de exclusão
social.
São
trabalhadores com funções que não deixam lugares vagos. Por isso os serviços já
estão a substituir muitos deles, porque estes trabalhadores têm trabalho, têm
processos, têm valor e têm qualificações para os lugares que ocupam, mesmo que
não estejam enquadrados nas carreiras revistas.
Agora
que a Sra. Ministra das Finanças destapou a ponta do véu, é tempo de acabar com
todas as mistificações que foram utilizadas para tentar justificar este processo.
Os argumentos apresentados pelo Governo e pelo Ministro da Segurança Social não
colhem.
O
Provedor de Justiça já veio afirmar que o estudo que alegadamente está base
desta decisão “é omisso no que respeita aos critérios e procedimentos adotados
para determinar o número concreto dos postos de trabalho necessários” e que
“”tal estudo não constitui fundamento bastante para a colocação de
trabalhadores em situação de requalificação”.
Entre
a garantia do Ministro Mota Soares de que “absolutamente ninguém será
despedido” e a realidade estão 12 mil trabalhadores. Doze mil é o número de
trabalhadores da Administração Pública que este Governo já disse que vai
colocar na requalificação durante 2015, mesmo depois de já ter reduzido mais do
dobro do numero de funcionários públicos acordado com a Troika.
Estamos
a assistir ao princípio da enxurrada que será o maior despedimento coletivo da
história da Administração Pública. E tudo por um preconceito contra o que é
público, contra o que é de todos, contra o que é do nosso povo.
A
Segurança Social é património de todos nós e da solidariedade que une gerações
de trabalhadores.
Uma
mentira não se torna verdade por muito que seja repetida. Este Governo enganou
o país demasiadas vezes e nem por isso o país está melhor, como o Governo
apregoa. Deve ser, ele sim, alvo de um despedimento coletivo.
Declaração
política na Assembleia da República em 22 de Janeiro de 2015 - Deputada,
dirigente do Bloco de Esquerda, funcionária pública.
*Título PG
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