Pedro
Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião
Nunca
imaginei que entre o humorista Ricardo Araújo Pereira e o ministro da Saúde,
Paulo Macedo, pudesse haver tantas semelhanças. Disse, há dias, o primeiro,
numa rábula radiofónica, a propósito das mortes nas urgências hospitalares:
"As pessoas têm de adoecer com método, estas coisas têm de ser
pensadas". Disse o segundo, ontem, durante uma visita a um hospital:
"Há uma alteração de hábitos culturais"; "há mais pessoas que
vão falecer hoje em dia aos hospitais, não é só uma questão dos cuidados de
saúde serem melhores e haver uma maior oferta".
O
ministro da Saúde pode deitar a água na fervura que quiser, pode repetir à
exaustão que no resto do Mundo também se morre muito nas urgências, mas não
pode sugerir que os portugueses recorrem às urgências por "hábito
cultural". Não é exatamente como aprender a pôr o cinto de segurança do
carro e entranhar o conceito de que as priscas não devem ser atiradas para o
chão. Em princípio, as pessoas recorrem às urgências dos hospitais porque
precisam. E porque confiam no Serviço Nacional de Saúde.
Paulo
Macedo não se comove com as 700 mortes nas urgências registadas nos primeiros
20 dias do ano. Desdramatiza quando ouve falar em médicos e camas a menos.
Parece, enfim, responder a tudo com a calma sibilina do violinista que se
afunda com o "Titanic".
Morrer
nas urgências é normal, acontece a muitos portugueses no inverno e no verão.
Morrer nas urgências sem ser atendido, depois de nove horas de espera, não é
normal, é desumano. Em particular, porque se trata, na esmagadora maioria dos
casos, de portugueses de idade avançada, sem grande poder aquisitivo e, não
raro, sem uma necessária retaguarda familiar.
Os
responsáveis do Ministério da Saúde continuam a confundir (deliberadamente)
estes conceitos: ninguém os culpa por haver portugueses que morrem nas
urgências. Mas ninguém os pode ilibar da responsabilidade de haver portugueses
que morrem nas urgências à espera de cuidados.
É
um ciclo perigoso, este: o Estado corta nas reformas aos idosos, deixa-os mais
suscetíveis aos caprichos da velhice e, na hora de os tratar, abandona-os,
doentes, sem sequer lhes perguntar de que se queixam. Quer dizer, perguntar até
pergunta, mas apenas para achar a cor certa da pulseira com que se vai esquecer
deles passados cinco minutos.
Sem comentários:
Enviar um comentário