Uma
delegação chefiada pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Rui
Mangueira, e abençoada pelo “escolhido de Deus” (José Eduardo dos Santos),
apresentou em Paris, em Fevereiro de 2014, ao Grupo de Acção Financeira
Internacional (GAFI) o pacote legislativo relativo ao branqueamento de capitais
aprovado a 28 de Janeiro pela Assembleia Nacional.
Orlando
Castro
Escreveu-se
mais uma brilhante página do anedotário nacional, com tradução em diversas
línguas.
A
delegação angolana era de peso: vice-governador do Banco Nacional de Angola,
Ricardo Viegas de Abreu, directora da Unidade de Informação Financeira,
Francisca Brito, o Director Nacional de Política de Justiça do Ministério da
Justiça e dos Direitos Humanos, Itiandro Simões. Todos juntos e a uma só voz
garantiram, para gáudio do humor internacional, que a lavagem de dinheiro tem
os dias contados.
Dando
prova da razoabilidade das suas acções, o GAFI avaliou com a parcimónia peculiar
às regras de bem receber convidados a Lei da Criminalização das Infracções
Subjacentes ao Branqueamento de Capitais e a Lei Reguladora das Revistas,
Buscas e Apreensões.
“Após
ter sido realizada a última avaliação do Grupo de Acção Financeira Internacional,
no passado mês de Outubro, no âmbito do Programa de Acção Relativo ao
Branqueamento de Capitais, Angola comprometeu-se em aprovar também a Lei da
Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais e a Lei
Reguladora das Revistas, Buscas e Apreensões”, revelou o comunicado do
Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos.
E
se o governo se comprometeu… cumpriu. Ou seja, já temos lei. Não é uma lei para
ser cumprida, mas é uma lei. Dessa forma sempre se pode dizer que o país tem,
de jure, uma lei. De facto não a vai cumprir, mas isso é uma questão marginal.
Além do mais, ter este tipo de leis dá ao regime um ar sério e um vislumbre de
democracia e Estado de Direito que é muito considerado nos areópagos
internacionais.
Criado
em 1999, o GAFI é um organismo intergovernamental que tem por objectivo
conceber e promover, ao nível nacional e internacional, estratégias contra o
branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, sendo reconhecido
internacionalmente como a entidade que define os padrões nesta matéria.
É
claro que, mesmo que sejam remotas as hipóteses de acabar com o branqueamento
de capitais, a lei não terá efeitos retroactivos. Será que os investimentos que
têm sido feitos em Portugal, sobretudo pela família presidencial, Manuel
Vicente, general Kopelipa etc. configuram actos de branqueamento de capitais
porque os seus titulares não podem e não têm como explicar os biliões de
dólares que ali são investidos? De maneira alguma. Desde logo porque há
excepções à lei que são determinadas por quem pode, José Eduardo dos Santos.
A
metodologia do regime angolano, embora mais sofisticada e pessoal, tem a sua
génese nos mestres portugueses. Basta recordar que o Estado português (seja lá
o que isso for), pela via dos seus escravos, assumiu as fraudes e crimes
contíguos de banqueiros e outros políticos no caso BPN e, depois de uma vasta
operação de branqueamento, voltou a vendê-lo aos privados amigos que,
provavelmente, o compraram com o dinheiro roubado ao… BPN. Tudo em família, portanto.
Por
outras palavras, Portugal nacionalizou os prejuízos e privatizou os lucros. E
para isso, reconheça-se, não é preciso andar três anos a tirar uma
licenciatura. Basta ser vigarista.
“A
corrupção nos países em desenvolvimento entrava tudo, cria pobreza, cria
miséria, impede as leis de concorrência de mercado, prejudica as empresas,
aumenta os custos das empresas e os bens e serviços tornam-se mais caros”,
afirma a procuradora portuguesa Maria José Morgado, defendendo que “o Estado
tem que ter mecanismos dissuasores, mas não pode ser um Estado polícia nem
totalitário, as instituições é que têm que funcionar, nomeadamente na
prioridade das prioridades que é o combate à fraude fiscal associada à
corrupção e ao branqueamento de capitais. E isso tem de funcionar
sistematicamente, de forma a produzir resultados”.
A
ser verdade esta tese que, contudo, não é aplicada em Portugal, alguém está a
ver funcionar na prática no nosso país? É claro que não. As leis podem ser
transpostas para o nosso ordenamento jurídico, mas daí até serem postas em
prática vai uma distância abissal.
Por
cá existe e continuará a existir uma total irresponsabilidade dos eleitos face
aos eleitores, e as promessas de combate à corrupção são contornadas pelo poder
de um clã que permite o branqueamento de capitais e por declarações de
rendimentos e de interesses que não existem.
Para
acabar com esta realidade, admitindo numa mera discussão académica que somos um
Estado de Direito e uma democracia, deveria exigir-se uma fiscalização da parte
do Parlamento (também ele, infelizmente, alfobre da corrupção) aos registos de
interesses de deputados, membros do Governo, chefes das Forças Armadas,
dignitários de altos cargos públicos e Presidente da República.
Os
angolanos são, na generalidade e em teoria, contra a corrupção e gangrenas
adjacentes e contíguas. Mas, bem vistas as coisas, como é que se pode ser
contra algo que, em sentido lato, já é uma “instituição” secular?
Ao
nível simbólico, abstracto, teórico, efémero, toda a gente condena a corrupção.
Mas será corrupção o facto de quando alguém se candidata a um emprego lhe
perguntarem pelo cartão do MPLA? E quando dizem que “se fosse filiada no MPLA
teria mais possibilidades”? Ou quando se abrem concursos para cumprir a lei e
já se sabe à partida quem vai ocupar o lugar?
A
nossa actual estrutura de poder é, basicamente, a estrutura de poder colonial.
Ou seja, existem leis que só obrigam os pilha-galinhas mas mantém incólumes os
donos do aviário. Basta ver os exemplos da actual Constituição da República,
assim como as leis da probidade pública, património público, branqueamento de
capitais ou o decreto presidencial do investimento público.
“O
sentimento que nos fica é o de estarmos a ser cercados pelo selvajaria, pela
ausência de escrúpulos dos que enriquecem à custa de tudo e de todos. Dos que
acumulam fortunas à custa da droga, do roubo, do branqueamento de dinheiro e do
tráfico de armas. E o fazem, tantas vezes, sob o olhar passivo de quem devia
garantir a ordem e punir a barbárie”, disse Mia Couto na cerimónia fúnebre em
Honra do Jornalista moçambicano Carlos Cardoso. O sentimento, a realidade,
aplicam-se que nem uma luva ao nosso país. Infelizmente.
Folha
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