segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

BANCO DE CABO VERDE, COOPERAÇÃO OU SUBMISSÃO?



Expresso das Ilhas , editorial

O Banco de Cabo Verde reuniu-se com os bancos comerciais no dia 6 de Fevereiro e uma semana depois adoptou um conjunto de medidas viradas para o aumento da liquidez do sistema bancário. O objectivo declarado foi de aumentar a capacidade dos bancos em conceder crédito ao sector privado. Supostamente a melhoria da situação líquida dos bancos com a redução das várias taxas, em particular, a taxa de disponibilidades de caixa e a taxa de redesconto irá traduzir-se em mais crédito para o sector privado. A realidade é que actualmente os bancos não têm problema de liquidez e mesmo assim não facilitam o crédito. Justificam com os riscos macrofinanceiros do país a que não está alheio à dívida externa que já ultrapassa os 100 por cento do PIB e a persistência de défices orçamentais numa economia com anos sucessivos de crescimento anémico.

O BCV sabe perfeitamente que anteriores tentativas de transmissão monetária com vista ao aumento de liquidez, designadamente a redução da taxa de concessão de liquidez de Setembro de 2013 não resultaram em mais crédito para a economia. Basicamente o seu único efeito foi baixar a taxa de juros paga nos Bilhetes de Tesouro a 180 dias que o Estado emite para se financiar. O BCV ao repetir a manobra de baixa das taxas, agora alargada às outras taxas directoras, não pode desconhecer que provavelmente as suas acções estão condenadas ao fracasso. Nada mudou significativamente: nem o quadro de referência dos operadores e investidores privados no que respeita nomeadamente ao ambiente de negócios, à competitividade da economia e às relações laborais, nem tão pouco a percepção pelos bancos dos riscos existentes e do crédito malparado que vêm acumulando com as crescentes dificuldades das empresas e das famílias.

É evidente que com as novas medidas do BCV a atenção vai virar-se para os bancos. Todos quererão saber se se verificarão aumentos no crédito à economia e baixas nas taxas de juro. Se mudanças significativas não aconteceram, considerando que não houve alterações significativas no ambiente de negócios, será mais fácil apontar o dedo ao sistema financeiro. Aliás a narrativa oficial já vinha culpando os bancos pelo aperto no crédito aos privados em contraposição com a sua pronta disponibilidade em comprar dívidas do Estado. Com esta iniciativa do BCV não fica margem para dúvidas quem deve ser responsabilizado em caso de falhas em se obter crédito e subsequentemente não haver crescimento e não se criarem mais empregos.  

 Esta parece ser a nova era de cooperação entre o Governo e o BCV em que o Primeiro Ministro e a Ministra das Finanças vêm insistindo nos últimos seis meses. A “novela” do ano passado que foi a nomeação do governador do BCV compreende-se que tinha como objectivo encontrar as pessoas certas e forçar uma convergência. O problema nestes arranjos é quando a realidade provoca perda de sintonias e força cada um a seguir caminho diverso daquele que a sua missão lhe obrigaria. 

 É o que aconteceu em Dezembro de 2011. O BCV aumentou as taxas de referência quando se tornou evidente que o governo iria continuar a sua política orçamental expansionista. Sentia-se na época a tensão entre a ministra das Finanças e o governador do BCV. As medidas do BCV de então tiveram o lado negativo de induzir uma contracção na procura interna com efeito no PIB que em 2012 foi de 1,2 por cento e em 2013 não passou de 0,5 por cento e um lado positivo de ajudar na recuperação das reservas externas. Em 2013 as reservas ultrapassaram os quatro meses de importações. O BCV realizava o que no seu último comunicado de 13 de Fevereiro relembrou a todos: “A manutenção de reservas externas em níveis que permitem sustentar a credibilidade do regime cambial afigura-se como objectivo estratégico da política monetária do Banco de Cabo Verde”.

Hoje o BCV com o nível de reservas externas existentes está na posição de abrir caminho para uma maior facilidade de crédito. A questão que se põe é se vai realmente acontecer, em que condições, e com que impacto nas reservas externas. Se for só crédito para consumo ou para investimento na produção de bens e serviços não transaccionáveis tensões poderão voltar a ser sentidas ao nível das reservas externas, forçando medidas de contenção. O ideal seria a aposta nas exportações de bens e serviços mas aqui a falta de competitividade do país não ajuda. Faltam mercados e é essencial o investimento directo estrangeiro.

Neste último ano dos quinze anos de governação do PAICV paira no ar a sensação de que muita coisa ficou por fazer e parte do que se fez poderá não ter a sustentabilidade esperada. Aos problemas de crescimento económico e de falta de emprego já conhecidos juntam-se de forma cada vez mais aguda os problemas de segurança e de justiça. Outros problemas como por exemplo no sector da educação e na saúde ameaçam a todo momento mostrar a sua real dimensão. Neste ambiente de incertezas é fundamental que instituições como o BCV se mantenham fiéis à sua missão mesmo que isso em certos momentos crie tensões com quem governa. Não dá é para alimentar ilusões ou participar na gestão de imagem de quem, tendo os recursos e o mandato para fazer as reformas que se impõem, desresponsabiliza-se quando o país arrasta-se anos a fio com crescimento raso e com desemprego excessivo.

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