Beatriz
Gambôa, Díli
Timor-Leste
está ferido e sangra. Uma nova nação que durante o colonialismo de volta e meia
era sangrada por Portugal, tendo de intervalo a sangria causada pela invasão japonesa durante a II Guerra Mundial, de que já lá vão 70 anos agora assinalados. A acrescentar ao desaire
intermitente os 24 anos de ocupação indonésia que levaram mais de 200 mil
vítimas para valas comuns e não comuns cuja localização, na maior parte dos
casos são completamente desconhecidas. Carregados de traumas e cicatrizes de tudo isso nos libertámos e fundámos
uma nova nação. Com árdua luta e muito sofrimento. Perdemos muitos entes
queridos. Nova nação, que lindo e pequeno conjunto de palavras. Nova nação.
Pretendíamos
que fosse quase o Éden mas enquanto nação livre e independente pouco faltou
para descermos novamente ao inferno por condução negligente, até criminosa, de
um presidente da República que não hesitou em pôr em marcha um golpe de estado
e derrubar um governo legítimo. Xanana Gusmão, idolatrado mundialmente por via
de uma máquina de propaganda muito bem oleada, foi o presidente desse tal golpe
de estado em 2005 e agitação consequente até 2007. Novamente vidas se perderam.
Pelo menos meia centena. Também nesse período Timor-Leste sangrou.
Depois
implantaram a paz podre recheada de corrupção e de nepotismo. Ao longo dos
governos de Xanana Gusmão muito se gritou de várias formas que a corrupção
estava a dominar o país e a roubar os recursos destinados ao povo. De nada
serviu. O primeiro-ministro Xanana Gusmão dizia que não e maltratava ou demitia
(fazia com que se demitissem) os que mais próximos dele se atreviam a referir
publicamente que sim, que a corrupção progredia em ritmo galopante. Que não,
afirmava Xanana Gusmão. Tragam-me provas. Mas o quê? O medo não permitia
apontar. Também, as dificuldades em reunir essas provas eram evidentes. A
justiça não funcionava e ainda agora raramente funciona. Mas certo é que o
enriquecimento ilícito se passeia por Timor-Leste, mais por Díli e pelo estrangeiro.
Vimos num ápice políticos e seus familiares e amigos enriquecerem sem que a
lotaria os tivesse contemplado. Até Xanana Gusmão enriqueceu, pelo visto. Que
se saiba também não foi contemplado pela lotaria.
Contudo
os vencimentos dos ministros e afins não são proporcionais e propícios a tantos
sinais exteriores de enriquecimento. Xanana Gusmão sempre se apercebeu disso.
Que os que o rodeavam enriqueciam a olhos vistos. Vistos pelos timorenses e
pelos estrangeiros. As suas vidas faustosas assim determinavam. Que fez Xanana?
Nada. Ou tudo pelo seu vértice de interesses. Familiares dele também estão na
lista dos que foram contemplados com grandes recursos financeiros, exibidos e evidentes
a olho nu. Não pela sorte na lotaria.
A
corrupção é a nova sangria de Timor-Leste. Urge meter o dedo na ferida,
desinfetar para que sare. Timor-Leste sangra. Sangra por o seu suposto grande
irmão e herói nacional se incluir naqueles que obstruíram a justiça para que
atos ilícitos investigados e a investigar não fossem mais além. Investigações
onde ele também estava incluído. Para isso cortou o mal pela raiz, como se sabe.
Expulsou todos aqueles que estavam a ter a ousadia de investigar os seus pares
no governo e a ele próprio. Os juízes e outros elementos judiciários foram
expulsos de Timor-Leste. A maior parte portugueses. Teve a sorte de deparar em
Portugal com um governo que pôs o país à venda e que nem por isso defendeu a
dignidade dos seus compatriotas e profissionais de justiça. Por aí não
aconteceu mal ou resistência alguma que pusesse em causa a falta de decência e lisura
de Xanana. O que não aconteceria com um governo português patriótico, democrático
e honesto.
Entretanto
o mal estava feito. Talvez tenha sido pior a emenda que o soneto, como em
Portugal se diz (e eu, além de timorense, também sou portuguesa). A reação
descabida de Xanana Gusmão ao expulsar os juízes potenciou a sua culpabilidade
nos eventuais crimes de que um dia se verá acusado se existir um pingo de
justiça e coragem em
Timor-Leste. Quem não deve não teme. Também se diz em Portugal. A reação de
Xanana foi a de quem deve e por isso temeu. Usou o poder absoluto e
inconstitucional enquanto primeiro-ministro para aniquilar as investigações e
respetivos processos que certamente os levariam a tribunal. Talvez à cadeia.
Timor
sangra. Por muito que seja doloroso temos de pôr o dedo na ferida. Para os
timorenses o ocorrido ao longo de todos estes anos de governação de Xanana, no
que diz respeito à corrupção e nepotismo, é uma ferida. Timor-Leste sangra e a causa
do ferimento provém de um filho de Timor que perdeu a dignidade e tem vindo a
fazer sangrar um país inteiro. Em variados aspetos.
Para
travar o ímpeto da contestação Xanana procurou antecipar-se. E antecipou-se.
Negociou e saltou do governo que sempre dirigiu e onde se alojou a corrupção. E
assim, sem eleições, um novo governo tomou posse, com Xanana Gusmão a dirigi-lo
apesar de não ser primeiro-ministro. O ministro Xanana terá sempre a última
palavra sobre o rumo do governo. Certamente que também com as previsiveis
interferências no poder judicial e no estancar das averiguações e processos que
lhe possam ser instruídos por eventuais crimes cometidos.
Deixemos
de sofismas. Xanana Gusmão é o primeiro-ministro de Timor-Leste. Rui Araújo faz
apenas de conta que o é. Estranhamente a negociação de Xanana Gusmão com altos
responsáveis da Fretilin permitiu que por agora Xanana Gusmão se salvasse e
construísse este volte-face. Rui Araújo é uma pessoa excecional e muito
estimado, honesto. Araújo é objeto de surpresa ao ter aceite parecer que é quem
não é. Ou não se apercebeu ainda disso. Se assim é o que fará Araújo quando de
tal se aperceber? Como poderá ser explicado que afinal o primeiro-ministro de
Timor-Leste é Gusmão?
Em
Timor-Leste só ignora a realidade quem se esforça muito por isso ou, então, por
ingenuamente não compreender que o que se está a passar no país é a governação
de um governo ilegítimo. A falta de cultura democrática que existe entre as
populações ajuda bastante os que avançaram com o projeto e consequente o empossar
deste governo.
O
primeiro-ministro, Gusmão, continua no governo para manter a sua imunidade
ativa com a proteção da maioria de deputados que tem no parlamento. Entretanto,
mais de dois anos vão passar até às próximas eleições e ele acabará por sair
impune de imensas ilegalidades cometidas em benefício de amigos e familiares,
há indícios que até dele próprio – como foi afirmado pelas vítimas de expulsão
que estavam dentro dos meandros de algumas das ilegalidades cometidas.
Urge
pôr o dedo na ferida. Por muito doloroso que é, apesar disso, temos de pôr o
dedo na ferida, estancar o sangue, tratar e esperar que sare. Os timorenses e
os milhares de amigos estrangeiros que contribuíram para a libertação e formação
da nova nação têm todo o direito de exigir que seja construído um Timor-Leste
com cicatrizes mas saudável. Democrático na realidade do nosso quotidiano. Sem
que nos cruzemos com desonestos de alto gabarito. Muito menos que sejamos de
algum modo governados, dirigidos ou explorados por eles.
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