António
Galamba* - jornal i, opinião
Há
um dia em que sabemos que o valor facial da ilusão nada tem a ver com o valor
real. Esse dia tem sido sempre tarde demais
Não
é da magia do grande ilusionista Harry Houdini que falamos, mas da deriva
ilusionista de Pedro Passos Coelho, de Paulo Portas e da ainda maioria PSD/CDS.
Ao longo dos últimos quatro anos, a maioria PSD/CDS alimentou a ilusão da
austeridade com resultados, por contraste com o que designaram de "ilusão
do despesismo, do viver acima das possibilidades".
O
problema é que, na política como na vida, há um momento em que a realidade se
sobrepõe à ilusão. E por maior Houdini que Pedro Passos Coelho julgue poder
ser, os factos estão aí a sublinhar que a narrativa do governo tem pés de
barro, tal é a sua fragilidade.
Na
Constituição, o governo é responsável pela "política geral do país"
que, para a maioria PSD/CDS, se resume à administração da austeridade, à gestão
corrente das oportunidades que lhe vão surgindo no caminho e ao mascarar da
falta de alma, da débil coesão da coligação alavancada em agendas pessoais e da
ausência de comando no governo. Enquanto esteve focado no programa de
empobrecimento do país, no guião que a troika lhe conferia, era inquestionável
aquele brilhozinho nos olhos, misto de obrigação e de sonho; agora limita-se a
gerir o esforço pré-eleitoral, sem alma. E, no entanto, desdobra-se pelo país a
sustentar a ilusão com a apresentação de powerpoints de propaganda, enquanto
desespera pelo oxigénio de eventuais folgas das políticas europeias e pelo maná
de optimismo que os fundos comunitários podem injectar na economia.
Mas
a realidade não dá descanso aos ilusionistas do governo e da maioria.
Criaram
a ilusão da despartidarização das chefias na administração pública através de
alegados concursos públicos e de uma suposta entidade independente de
recrutamento, a CRESAP, mas, em 90% dos casos, o dirigente em funções é um dos
três finalistas apresentados ao ministro da tutela. Na segurança social, 14 dos
18 nomeados para as direcções dos centros distritais são militantes do PSD e do
CDS. É claro que, para iludir, há sempre um socialista para colocar na lapela
da excepção à regra.
Depois
de terem falado em "milagre económico" e nas exportações como "o
porta-aviões do crescimento económico", em 2014, a balança comercial teve
o pior registo desde 2009; as exportações aumentaram 1,9% (têm aumentado sempre
desde 2009), mas desaceleraram face ao aumento de 2013 (4,5%), e o PIB aumentou
0,7%, abaixo da previsão do governo, que era de 1%. Em 2014, a dívida pública
portuguesa terá superado as previsões do governo (127,2%), situando-se entre os
127,9% e os 128,7% do PIB. A mesma UTAO duvida que, em 2014, o combate à fraude
tenha rendido os 747 milhões de euros enunciados na narrativa governamental.
Além
da ilusão da narrativa do aluno cábula bem-comportado em que o governo
português transformou a participação de Portugal na União Europeia, por
oposição aos insurrectos gregos, são várias as contradições entre o governo e a
realidade.
Em
29 de Julho de 2014, o PS defendeu a troca de dívida do FMI por dívida do
mercado. O governo "não via ganhos" nessa solução, mas agora, nos
cálculos da Comissão Europeia, poupará 500 milhões de euros e ajudará à
sustentabilidade da dívida pública.
Desde
2011, enquanto aumentava o desemprego e o risco de pobreza e se multiplicavam
as dificuldades das famílias, os apoios sociais às crianças, aos desempregados
e aos idosos foram diminuindo. E, no entanto, proliferou no país a lógica
caritativa das cantinas sociais em detrimento dos direitos sociais. Um casal
com dois filhos recebe, no máximo, 374,1 euros de rendimento social de
inserção, mas uma IPSS pode receber até 600 euros por mês para fornecer almoço
e jantar a essa família e ainda cobrar um euro por refeição.
O
drama das ilusões, mesmo com o grande Houdini, é que há um dia em que correm
mal. Apesar da protecção dos tutores da austeridade, a ilusão da consolidação
orçamental alcançada e das alegadas reformas realizadas e a fragilidade das
melhorias antecipam esse dia. O dia em que sabemos que o valor facial da ilusão
nada tem a ver com o valor real. Esse dia tem sido sempre tarde demais,
pós-eleitoral. Pode ser que, em 2015, os portugueses não embarquem em mais
ilusões. Os Houdinis já tiveram o seu tempo, não é o nosso.
*Membro
da Comissão Política Nacional do PS. Escreve à quinta-feira
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