José
Eduardo Agualusa – Rede Angola, opinião
Enquanto
escrevo esta crónica, prosseguem na África do Sul os ataques contra imigrantes
africanos. Estes ataques não constituem, infelizmente, algo novo na história do
país. Todos recordamos ainda os terríveis eventos de 2008, quando multidões em
fúria expulsaram de suas casas, nos subúrbios pobres de Joanesburgo e de outras
cidades sul-africanas, mais de 25 mil imigrantes, na sua maioria congoleses. 42
foram assassinados.
O
que se está a passar envergonha a África do Sul. Envergonha África. Envergonha
a humanidade inteira.
Por
incrível que pareça o actual surto de xenofobia vem sendo encorajado por
importantes dirigentes políticos. O rei zulo, Goodwill Zwelithini aconselhou os
imigrantes a fazerem as malas. Edward Zuma, filho do presidente sul-africano,
Jacob Zuma, acusou os estrangeiros de se estarem a preparar para tomar o
controlo do país. Uma acusação absurda, que levantou um coro de protestos.
Zuma, porém, insistiu na sua posição.
Muitos
analistas atribuem os actuais levantamentos xenófobos à elevada taxa de
desemprego, que aflige quase um quarto da população activa, bem como ao facto
do comércio informal e do pequeno comércio empregarem cada vez mais
estrangeiros, criando a percepção de que estes estariam a “roubar” emprego aos
cidadãos nacionais. A verdade é que a maioria dos estrangeiros trabalham para
sul-africanos, ganhando salários que nenhum cidadão nacional aceita receber. O
trabalho dos imigrantes enriquece muitos sul-africanos, fortalece empresas, e,
deste modo, multipica empregos. A imigração tende, portanto, a criar mais
empregos, não a acabar com eles.
É
um paradoxo cruel que um país que permaneceu durante décadas sequestrado do
resto de África pelo estúpido regime do apartheid, expulse violentamente
essa mesma África depois de retornar a ela. A situação torna-se ainda mais
estranha, e mais inaceitável, se pensarmos que a África do Sul tem vindo a
ser governada, desde 1994, por um movimento, o ANC, que teve centenas dos
seus dirigentes exilados em países africanos.
O
aumento da xenofobia tem na África do Sul, como em toda a parte, uma relação
directa com o apelo nacionalista. O destino do nacionalismo é a xenofobia. O
nacionalismo começa por ser um erguer de muros, uma exaltação do próprio por
oposição ao outro, uma euforia de autocontemplação e autocomprazimento, e vai
depois crescendo e degradando-se até se transformar em xenofobia. No
princípio somos nós por oposição aos outros. No fim somos nós contra os outros.
A
cura para a xenofobia passa por resgatar os velhos ideais do panafricanismo,
defendidos por homens com a estatura de um Amílcar Cabral ou de um Mário Pinto
de Andrade, que sendo angolano foi Ministro da Cultura da Guiné-Bissau. Temos
de pensar (e de nos pensar) primeiro como africanos e só depois como angolanos.
Não faz sentido que protestemos contra a eventual perseguição a cidadãos angolanos,
na África do Sul, e depois nos regozijemos com a expulsão de pobres imigrantes
congoleses ou malianos de Angola. Eu sonho com uma África sem fronteiras.
Sem comentários:
Enviar um comentário