terça-feira, 12 de maio de 2015

A DANÇA DOS CANIBAIS



José Eduardo Agualusa – Rede Angola, opinião

O músico Edilson França, que usa o nome artístico Nosso Avô, afirmou recentemente numa entrevista que nós, angolanos, não estamos a ser governados e sim canibalizados. É uma imagem forte, mas que parece fazer todo o sentido quando lemos os jornais e nos confrontamos com as notícias sobre a crise e as dificuldades em que vive a larga maioria da população, por um lado, e, por outro, com os escandalosos actos de esbanjamento dos nossos governantes – ou canibalizantes. O caso mais recente é a anunciada compra de um avião de luxo, que custa 62 milhões de dólares, transporta apenas doze passageiros, e nem sequer se sabe bem para que fim se destina. Uma coisa me parece evidente: um avião de luxo, que transporta apenas doze passageiros, não se destina a servir os interesses do povo mais sofrido de Angola. Entretando espera-se, a qualquer hora, que o preço dos candongueiros suba, acompanhando o aumento do preço dos combustíveis – cem por cento em apenas sete meses.

Estou aqui sentado diante do écran de um computador, a fazer um enorme esforço para compreender as razões dos senhores que nos governam. E se, ao contrário do que escrevi antes, esta compra for urgente? E se for realmente necessária? Vejamos, pode ser que os nossos governantes tenham decidido comprar um jatinho de 62 milhões de dólares para socorrer as populações mais necessitadas. A Mamã Alice, lá no Catambor, está com um parto difícil? Os senhores que nos governam mandam-na de urgência a Londres no jatinho de 62 milhões de dólares; de quebra ainda levam tambem o kota António que pisou uma mina enquanto plantava milho e em Angola não há médico que lhe possa salvar a perna. Pode ser. Mas não seria melhor construir um bom hospital com esses 62 milhões de dólares? Ou talvez dois hospitais razoáveis por 31 milhões cada um? Digamos, quatro boas clínicas em bairros de baixa renda?

Não. A utilização a dar ao jatinho de 62 milhões de dólares há-de ser outra, mais sensata, mais prosaica, mais decente. E se os senhores que nos governam não nos dão a saber as razões porque compraram um jatinho de 62 milhões de dólares será, talvez, por as considerarem óbvias. Será porque não nos querem maçar com ninharias. Será porque têm mais assuntos em que pensar.

Ou então, ocorre-me agora, talvez para os nossos governantes 62 milhões de dólares não seja sequer um valor que necessite de justificações públicas. Caramba, trata-se apenas de um jatinho de 62 milhões de dólares. O que é isso para um país rico como Angola? Angola, meus cambas, não é a Suécia. Na Suécia, o Rei Carlos Gustavo enfrentaria grandes problemas, enormes problemas, se comprasse um jatinho de 62 milhões de dólares. Acontece que na Suécia, como na Noruega, como na Holanda, países pobres, países miseráveis, os ministros andam de metro. Há alguns, inclusive, que vão de bicicleta para o emprego. Não queremos que Angola seja a Suécia. Queremos que os nossos governantes possam ir tomar um café a Paris, depois do almoço, comodamente instalados. Já basta que tantos milhares de angolanos não consigam sequer dinheiro para o candongueiro, sobretudo agora que os preços vão aumentar, e tenham de ir para o emprego a pé. Pelo menos irão reconfortados, felizes, sabendo que os senhores que nos governam viajam num jatinho de 62 milhões de dólares.

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