Miguel
Guedes – Jornal de Notícias, opinião
Alexis
Tsipras sintetizou o que muitos pensam sobre a actual fase da (des)construção
europeia, apontando aos críticos do processo de renegociação da dívida grega. A
clareza de Tsipras relembra o "Por qué no te callas?" de Juan Carlos
para Hugo Chávez, sendo que o primeiro-ministro grego tem toneladas de razão
acrescida em relação ao (então) rei de Espanha: "Quem puder ajudar para o
sucesso das negociações que o faça agora. Quem não puder, que se cale". Ao
assegurar que a Grécia não recuará nas medidas que visam proteger os interesses
do desenvolvimento económico grego (não aumentando o IVA, protegendo o sistema
de pensões, não aprovando alterações às leis laborais), o Governo grego exige
respeito depois de ter feito concessões para alcançar um acordo aceitável com
os seus parceiros europeus.
Com
a noção de ter cumprido os trabalhos de casa, arrumando-a e não permitindo a
continuidade do saque, Tsipras sabe que é a altura da Europa fazer o seu
trabalho em nome da casa comum, do diálogo e da percepção da inevitabilidade da
mudança de políticas económicas (caso se pretenda verdadeiramente o sucesso de
um sistema de integração europeia). O ministro do interior grego, Nikos
Voutsis, reiterou que não serão pagos os 1600 milhões de euros relativos às
quatro prestações devidas ao FMI, traindo os ingénuos que pensavam que o
problema era pessoal e dava pelo nome de Yanis Varoufakis. O problema é
colectivo. O Governo grego prefere pagar pensões e salários aos gregos,
cumprindo as promessas eleitorais de quem o elegeu. A Europa sem rosto na cara
da moeda continua em velocidade de cruzeiro nos negócios e a sua porta
escancara-se para a saída grega. O primeiro a sair, sem que a Europa se
questione sobre a direcção e sobre o fim do caminho que continua a trilhar.
Os
cortes nas gorduras dos pensionistas, versão portuguesa. Plantada à beira-mar
neste cantinho de ajustamento contínuo à troika, a ministra das Finanças, Maria
Luísa Albuquerque, não abandona o trilho. Perante a Juventude Social-Democrata
de Aveiro e para "garantir a sustentabilidade da Segurança Social",
defende a redução das actuais pensões como um caminho viável no cenário de
vitória da coligação PSD/CDS-PP nas próximas eleições, permitindo uma poupança
de 600 milhões de euros. Há algo de verdadeiramente novo nas declarações da
ministra, talvez porque ainda não foi dado o tiro de partida para a campanha
eleitoral: é isto mesmo que acontecerá caso a Direita ganhe as próximas
legislativas. Ninguém a pode acusar de não estar a falar verdade e de que as
promessas eleitorais não se cumprem. Um Governo sem novidades nas políticas mas
com assinaláveis progressos no discurso. Aplaude-se a clareza.
A
transformação do discurso pode ser, porém, combinada com a transformação da
acção. O terramoto político espanhol sentiu mais um abalo para o acervo da
mudança e do fim do bipartidarismo. Com a Direita a perder três milhões de
votos nas eleições municipais e autonómicas espanholas, com o fim das maiorias
absolutas, com o Podemos de Pablo Iglesias a solidificar-se como força eleitoral,
com Barcelona no alinhamento tiki-taka da mudança através da vitória de Ada
Colau ("Barcelona en Común", apoiado pelo Podemos) num momento sem
precedentes na história política da Catalunha, com Madrid a elevar o Ahora
Madrid de Manuela Carmena (também apoiada pelo Podemos) como segunda força
política e à frente do PSOE (que, em muitas regiões, se transformou numa
espécie de PAOK em desmoronamento final), as razões crescem para que a Europa
olhe para a Espanha como o epicentro do sismo. Que sinta o abalo e que se
reconfigure, nem que para isso sinta o temor do tremor à luz das eleições
legislativas espanholas de 20 de Dezembro. As sondagens encurtaram as margens
mas continuam a fazer do Podemos o principal candidato à vitória. E mesmo que
os truques de ilusionismo ou chantagem europeia resultem, algo inabalável
abalou. Pode não ser exactamente a "revolução imparável" que Ada
Colau anunciava após a vitória na Catalunha. Mas algo de inabalável abalou. A
precariedade e os "sem voz" iluminaram Espanha de esperança pela
força de poderem e quererem falar. Às vezes, isso basta.
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