quinta-feira, 28 de maio de 2015

ABALAR PARA ESPANHA


Miguel Guedes – Jornal de Notícias, opinião

Alexis Tsipras sintetizou o que muitos pensam sobre a actual fase da (des)construção europeia, apontando aos críticos do processo de renegociação da dívida grega. A clareza de Tsipras relembra o "Por qué no te callas?" de Juan Carlos para Hugo Chávez, sendo que o primeiro-ministro grego tem toneladas de razão acrescida em relação ao (então) rei de Espanha: "Quem puder ajudar para o sucesso das negociações que o faça agora. Quem não puder, que se cale". Ao assegurar que a Grécia não recuará nas medidas que visam proteger os interesses do desenvolvimento económico grego (não aumentando o IVA, protegendo o sistema de pensões, não aprovando alterações às leis laborais), o Governo grego exige respeito depois de ter feito concessões para alcançar um acordo aceitável com os seus parceiros europeus.

Com a noção de ter cumprido os trabalhos de casa, arrumando-a e não permitindo a continuidade do saque, Tsipras sabe que é a altura da Europa fazer o seu trabalho em nome da casa comum, do diálogo e da percepção da inevitabilidade da mudança de políticas económicas (caso se pretenda verdadeiramente o sucesso de um sistema de integração europeia). O ministro do interior grego, Nikos Voutsis, reiterou que não serão pagos os 1600 milhões de euros relativos às quatro prestações devidas ao FMI, traindo os ingénuos que pensavam que o problema era pessoal e dava pelo nome de Yanis Varoufakis. O problema é colectivo. O Governo grego prefere pagar pensões e salários aos gregos, cumprindo as promessas eleitorais de quem o elegeu. A Europa sem rosto na cara da moeda continua em velocidade de cruzeiro nos negócios e a sua porta escancara-se para a saída grega. O primeiro a sair, sem que a Europa se questione sobre a direcção e sobre o fim do caminho que continua a trilhar.

Os cortes nas gorduras dos pensionistas, versão portuguesa. Plantada à beira-mar neste cantinho de ajustamento contínuo à troika, a ministra das Finanças, Maria Luísa Albuquerque, não abandona o trilho. Perante a Juventude Social-Democrata de Aveiro e para "garantir a sustentabilidade da Segurança Social", defende a redução das actuais pensões como um caminho viável no cenário de vitória da coligação PSD/CDS-PP nas próximas eleições, permitindo uma poupança de 600 milhões de euros. Há algo de verdadeiramente novo nas declarações da ministra, talvez porque ainda não foi dado o tiro de partida para a campanha eleitoral: é isto mesmo que acontecerá caso a Direita ganhe as próximas legislativas. Ninguém a pode acusar de não estar a falar verdade e de que as promessas eleitorais não se cumprem. Um Governo sem novidades nas políticas mas com assinaláveis progressos no discurso. Aplaude-se a clareza.

A transformação do discurso pode ser, porém, combinada com a transformação da acção. O terramoto político espanhol sentiu mais um abalo para o acervo da mudança e do fim do bipartidarismo. Com a Direita a perder três milhões de votos nas eleições municipais e autonómicas espanholas, com o fim das maiorias absolutas, com o Podemos de Pablo Iglesias a solidificar-se como força eleitoral, com Barcelona no alinhamento tiki-taka da mudança através da vitória de Ada Colau ("Barcelona en Común", apoiado pelo Podemos) num momento sem precedentes na história política da Catalunha, com Madrid a elevar o Ahora Madrid de Manuela Carmena (também apoiada pelo Podemos) como segunda força política e à frente do PSOE (que, em muitas regiões, se transformou numa espécie de PAOK em desmoronamento final), as razões crescem para que a Europa olhe para a Espanha como o epicentro do sismo. Que sinta o abalo e que se reconfigure, nem que para isso sinta o temor do tremor à luz das eleições legislativas espanholas de 20 de Dezembro. As sondagens encurtaram as margens mas continuam a fazer do Podemos o principal candidato à vitória. E mesmo que os truques de ilusionismo ou chantagem europeia resultem, algo inabalável abalou. Pode não ser exactamente a "revolução imparável" que Ada Colau anunciava após a vitória na Catalunha. Mas algo de inabalável abalou. A precariedade e os "sem voz" iluminaram Espanha de esperança pela força de poderem e quererem falar. Às vezes, isso basta.

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