segunda-feira, 18 de maio de 2015

AFROCAPITALISMO, DESENVOLVIMENTO E LUTA DE CLASSES EM ÁFRICA (Parte 1)



Rui Peralta, Luanda

Bancos africanos: a expansão

Em África o sector bancário está em ebulição. Assiste-se a uma fulgurante expansão de grupos financeiros africanos, em concorrência aberta com os bancos europeus implantados, desde longa data, no continente. O sector bancário será (e já é, em alguns mercados) um dos mais potentes motores auxiliares do desenvolvimento no continente africano.

África é uma das regiões mais "bancarizadas" da economia-mundo com aproximadamente 20% da população do continente a dispor de serviços bancários. O sector bancário africano adquiriu robustez nos últimos dez anos, atingindo uma taxa de crescimento anual de 12%, alicerçado nas camadas mais abastadas da população (burguesias nacionais e camadas derivadas das burocracias africanas "lançadas" no mercado), grandes empresas e Estados.

Para continuar a crescer há, no entanto, que explorar outros nichos de mercado, servir mais clientes, produzir produtos e serviços para as classes médias, para os sectores produtivos (agricultura e industria), PME, emigrantes (captando poupanças em divisas) e imigrantes (aproveitando as necessidades de consumo dos residentes estrangeiros e prestando-lhes serviços que os levem a preferir os bancos locais em detrimento dos bancos de origem). Nos próximos 5 anos estima-se a duplicação dos retornos, cuja causa principal será o acréscimo de 15 a 20 milhões de euros provocada por estes nichos de mercado. Que outro sector apresenta estas cifras? Além do mais os bancos africanos possuem uma vantagem estratégica: agilidade.

Os bancos europeus não são ágeis nos movediços mercados africanos. Apresentam dificuldades diversas ao nível das suas estruturas enormes e "pesadas" e ao nível da tipologia de clientes. As especificidades dos mercados africanos são difíceis, para os bancos europeus, de absorver e de identificar. Observe-se a situação na África francófona. A Societé General (SG), bem implantada na região, estabeleceu o objectivo de abrir entre 50 a 75 novas agências até 2020. Outro grupo francês, o BPCE, afirmou recentemente a intenção de realizar aquisições na região e o BNP-Paribas - discreto na sua estratégia para o continente - procede á restruturação do seu estado-maior para o continente, ao mesmo que anuncia (sem quantificar) a abertura de novas agências "durante os próximos anos".

Agora, na mesma região, observe-se o comportamento e a "performance" dos bancos africanos: 3 bancos marroquinos (Attijariwaffa, BMCE e BCPM) substituem, aos poucos, os bancos franceses. Detêm cerca de 30% das agências na região enquanto a SG e o Paribas apenas 15%. Entre 2007 e 2014 os marroquinos passaram de actores secundários a líderes das operações na Africa francófona. Esta expansão deve-se às aquisições efectuadas pelo Attijariwaffa, que adquiriu o Crédite Agricole, ou do BMCE que assumiu posição maioritária no Bank of Africa, ou ainda do BCPM que ultrapassou a posição do francês BPCE no Banque Atlantique. A politica de expansão dos bancos marroquinos (o principal deles é o Attijariwaffa, nascido de uma fusão em 2004, o banco com maior numero de agencias na Africa francófona) é agressiva e a sua dinâmica deixa para trás os bancos franceses na região.

Na África Oriental, onde o britânico Barclays e o sul-africano Standard Bank partilham o mercado, os nigerianos da UBA e o pan-africano Ecobanc - criado no Togo - apresentam-se como novidades tentadoras no mercado. O Ecobank tornou-se o principal acionista de um banco do Qatar, em 2007, passando de 400 agências para mais de 1200, na Africa Oriental e península arábica. Entre 2007 e 2014 o seu lucro líquido passou de 65 milhões de euros a mais de 400 milhões.

Nos próximos 5 anos assistiremos a uma consolidação de posições dos bancos africanos em todo o continente. Na região da Africa francófona (um dos mais promissores, em função das rotas comerciais históricas que ligavam o Oriente ao Atlântico e ao centro do continente através das caravanas) os novos bancos africanos possuirão 3/4 das agências. Ter em atenção que esta expansão é feita em detrimento da rentabilidade, o que implicará, no curto-prazo, criar um modelo operacional eficaz que faça prevalecer as margens.

Mas para que a actuação dos bancos africanos concretize a sua função motora é necessária (e vital) a integração do mercado africano, ou seja, uma África sem fronteiras internas...

RMB: Uma nova moeda-padrão para África?

Na África do Sul - a primeira parceira comercial africana da China - por ocasião da visita do ministro chinês dos Negócios Estrangeiros em Março/Abril, foi assinado um acordo para a criação de uma plataforma de trocas entre as moedas dos dois países, que facilita as transações Rand/RMB. Quatro motivos levaram os dois países a liberalizarem as suas trocas monetárias: 1) ambos pertencem ao BRICS, no seio do qual existem diversos acordos que permitirão às respectivas moedas circularem livremente no espaço BRICS; 2) A importância, para a China, da parceria estratégica com a maior e mais evoluída economia (e sociedade) africana e para a economia sul-africana a importância decisiva do relacionamento económico com a economia de maior crescimento no mundo e com a sociedade que maiores transformações sofre na actualidade; 3) a criação do Banco Asiático de Investimento para as Infraestruturas (AIIB), liderado por Pequim e onde a Africa do Sul e o Egipto são dois importantes associados africanos; 4) O rápido processo de internacionalização do RMB.

E é este último factor que para África é motivo de febril agitação nos mercados financeiros. O RMB corre no Ghana, na Nigéria, nas Maurícias e recentemente até no auto-empobrecido  Zimbabwe, que juntou o RMB ao dólar australiano (parece que Mugabe não prescinde da moeda dos "ladrões de cavalos" como denominou os australianos no tempo em que foi assolado pela "febre racista" encapotada de "reforma agrária". Hoje o dólar australiano é imprescindível para os "black farmers" - uns híbridos tipo "empresários patriotas" - e para a “escloserada” mão estendida de Mugabe e sua pandilha), ao yen japonês á rupia indiana, ao dólar namibiano e ao rand sul-africano, as principais moedas transacionadas no mercado zimbabweno.

Evidente que os 50 mil milhões de USD em moeda chinesa que Pequim colocou no AIIB têm um grande peso na internacionalização do RMB. 57 países são sócios fundadores do AIIB e todos eles reconhecem a função de liderança da China na instituição, logo todos eles (com a UE em primeiro plano) são "pró-RMB", agilizando a internacionalização desta moeda. Por outro lado os chineses parecem preocupados com as flutuações do USD e com o comportamento do Euro (ambas as moedas principais das enormes reservas em divisas da China) preferindo financiar directamente os projectos com a sua moeda.

Mas a integração do RMB nos mercados internacionais assume especial importância para África em função do volume das trocas comerciais com a China, que após o ano 2000 multiplicou-se por 20, atingindo os 200 mil milhões de USD, mais do dobro do volume de trocas com os USA. Para a China estas trocas comerciais com África geram imensas mais-valias financeiras, uma vez que o RMB no continente africano é operado pelo Exim Bank, um banco chinês de import-export que actua de forma predatória nas "deslumbradas” e incautas economias africanas mais débeis, que vêm as suas reservas em dólares e euros serem sugadas para alimento das reservas chinesas (cerca de mil bancos em 85 países utilizam o RMB nas suas transferências. O sul-africano Standard Bank, que tem no chinês ICBC um dos principais acionistas, gere contratos comerciais em RMB em 6 países africanos e prepara-se para "assaltar" o RMB que será utilizado em metade das trocas China/África, no curto-prazo.

O elevado montante do investimento chinês na economia-mundo - nomeadamente em África - é factor-chave da internacionalização da moeda chinesa (até aqui acantonada nas fronteiras chinesas) embora o RMB seja ainda a quinta moeda mais utilizada nos câmbios internacionais (muito longe do USD que mantem a predominância). No entanto ao financiar directamente os investimentos internacionais na sua moeda a China reforça o RMB a curto-prazo. Após 2009 África é uma peça fundamental na geoeconomia chinesa e no segmento monetário o continente desempenha um papel importante para o RMB (No passado recente o Zimbabwe ponderou a possibilidade de utilizar o RMB como moeda nacional, o que não constitui novidade: na década de 80 Israel ponderou a possibilidade de adoptar o USD, por exemplo).

Numerosos bancos centrais africanos, como o nigeriano, possuem o equivalente a 10% das suas reservas de divisas niveladas ao RMB e esta prática acabará por ser generalizada em todo o continente devido ao crescendo das trocas África/China e o RMB é já quotidianamente utilizado nas transações em África. Mas atenção! Afastem essa ideia do RMB (assim como do USD, ou qualquer outro) moeda-padrão. Pensem, por breves momentos no padrão-ouro...

Bandung: Capitais asiáticos "para África, em força"

Nos dias 22 e 23 do passado mês de Abril realizou-se em Jakarta, Indonésia a Cimeira Ásia - África, que celebrou o 60° aniversário da Conferência de Bandung, que no ano de 1955 proclamou os 10 Princípios de Bandung: 1. Respeito pelos Direitos Humanos e pelos princípios e fins da Carta das Nações Unidas; 2. Respeito pela soberania e integridade de todas as nações; 3. Reconhecimento da igualdade de todas as raças e de todas as nações; 4. Abstenção de intervenções ou interferências nos assuntos internos de outros países; 5. Respeito pelo direito de toda a nação defender-se por si ou em colaboração com outros Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas; 6.a) Abstenção de participar em acordos de Defesa colectiva com o fim de favorecerem interesses particulares de uma das grandes potências; b) Abstenção por parte de todos os países a exercer pressão sobre outros países; 7. Abstenção de actos de ameaça, de agressão e do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer país; 8. Composição de todas as vertentes internas com meios pacíficos, como tratados, conciliações, arbitragem ou composição judicial, assim como também com outros meios pacíficos, segundo a livre selecção das partes, em conformidade com a Carta das Nações Unidas; 9. Promoção da cooperação reciproca; 10. Respeito pela justiça e pelas obrigações internacionais.

O objectivo da Conferência de Bandung de 1955 foi o de estabelecer consensos e estratégias para o combate ao colonialismo e ao neocolonialismo. Em simultâneo (resultante dos consensos estratégicos e das estratégias consensuais) iniciou-se a cooperação com a URSS e com o espaço do COMECON. Os consensos e estratégias conduziram ao Movimento dos Não-Alinhados, fundado na I Conferência de Belgrado, no ano de 1961, na qual participaram 28 países (na actualidade este bloco é formado por 120 Estados).

Após a implosão da URSS e do desmoronamento das "conquistas irreversíveis" do "socialismo real" os USA erguem o "anúncio luminoso" de uma eventual Nova Ordem Mundial, alicerçada na hegemonia norte-americana, nos princípios económicos neoliberais e na mitologia do "fim da História", período a que corresponde um enfraquecimento do Movimento dos Não-Alinhados e á paralisia da cooperação afro-asiática. A situação começou a alterar-se quando ficou patente aos olhos de todos que a campanha publicitária da Nova Ordem Mundial norte-americana não passava de um embuste, de um "bluff" típico dos jogadores de Poker e que afinal a economia-mundo estava perante uma "Caótica Desordem Global", geradora de resultados negativos no médio e longo- prazo. O crescimento económico chinês e a "ressurreição" da Rússia em 2000 trouxeram ventos favoráveis á cooperação Asia-África e em 2005, na Indonésia, o 50° aniversário da Conferência de Bandung foi comemorado com uma Cimeira Ásia-África que produziu a declaração da Nova Aliança Estratégica Asiático-Africana, assente na solidariedade politica, cooperação económica e relações socioculturais, assinada por 106 Estados (54 da Ásia e 52 de África). Na Cimeira foram, ainda, discutidos e aprovados mecanismos de acompanhamento e aprofundamento da institucionalização da nova organização que realiza uma conferência empresarial de 4 em 4 anos e uma conferência ministerial de 2 em 2 anos.

O comércio entre Ásia e África baseia-se nas matérias-primas exportadas por África (petróleo, cobre, cobalto, cadmio, ferro, platina, ouro e diamantes). É, sem dúvida, um comércio importante para África, mas a continuidade e o aprofundamento vantajoso destas relações comerciais dependem da resolução das contradições e assimetrias existentes entre o mercado africano e asiático, principalmente de dois desses factores: 1) a integração. O mercado asiático encontra-se num avançado estádio de integração, o que não acontece com o mercado africano (um débil complexo de mercados nacionais, maioritariamente neocolonizados); 2) os níveis de desenvolvimento. Na Ásia encontram-se mercados de primeiro-mundo, segundo-mundo (maioria) e terceiro-mundo. Existem, ainda, muitos nichos de quarto-mundo. Mas em África a situação é inversa. Não existem mercados de 1° mundo, apenas alguns nichos, poucos mercados de 2° mundo (Africa do Sul é a única economia em vias de tornar-se um mercado de 1° mundo, os restantes mercados de 2° mundo em estágio avançado - mas ainda com caminho a percorrer e reformas a efectuar são Egipto, Nigéria, Marrocos e Botswana), muitos mercados de terceiro-mundo e alguns mercados de quarto-mundo. É um continente ultraperiférico, que necessita de resolver com urgência as problemáticas do seu desenvolvimento e de remover os obstáculos á sua integração.

(continua) 

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