Marta
Cerqueira – jornal i
É
certo que estamos mais deprimidos, mas não é só isso que nos molda. A juntar
aos traços negativos há algo de bom.
Somos
mais de 10 milhões, temos mais idosos que jovens, mais mulheres que homens,
estamos mais concentrados nas cidades e a maioria é católica. Assim seria
Portugal se um país se fizesse só de percentagens e estatísticas. Ir mais longe
é desvendar segredos, conhecer a intimidade e fazer diagnósticos.
Por
querermos saber mais sobre Portugal e os portugueses é que decidimos levar o
país ao psicólogo. Ao fim de algumas sessões descobrimos que no sexo somos
conservadores e preconceituosos e no amor damos pouco espaço à individualidade.
As nossas famílias estão mais unidas e dão mais importância aos afectos, mas
temos também pais cada vez mais protectores, que educam filhos inseguros e
imaturos.
Ao
juntar as análises feitas pelos profissionais das diferentes áreas numa lista
só, a conclusão podia dar azo a um diagnóstico de bipolaridade. Mas não é essa
a opinião do bastonário da Ordem dos Psicólogos, que acumula a experiência de
psicólogo clínico e de psicoterapeuta. “Se Portugal fosse ao psicólogo, seria
por uma geral falta de esperança no futuro.”
Telmo
Mourinho Baptista resume o Portugal de hoje em duas palavras: deprimido e
stressado: “Não se pode pedir a uma pessoa sem trabalho ou então frustrada no
trabalho que chegue a casa e tenha uma vida familiar saudável. Isso é
impossível.” Apesar de o prognóstico estar longe do ideal, o bastonário
acrescenta um traço optimista que é consequência dos novos tempos: a mudança de
mentalidades que faz com que a procura de ajuda profissional já não seja um
estigma: “As pessoas vão mais ao psicólogo e além disso falam sobre o assunto,
já não é algo que tenham de esconder.”
Embora
sem dados estatísticos que o sustentem, Telmo Baptista pensa que os psicólogos
continuam a ser mais procurados por mulheres, apoiando-se na ideia de que
tradicionalmente elas têm mais cuidado com a sua saúde. “São uma espécie de
ministério da saúde da família, são as que governam a sua e a de todos”,
ironiza.
Se
a vergonha de ir ao psicólogo se perdeu pelo caminho, ganharam-se, por outro
lado, alguns entraves, “essencialmente económicos”, conta o bastonário. “Para
os governos e para as pessoas, a saúde mental sempre foi vista como o parente
pobre da medicina”, lamenta, lembrando que muito mais se podia fazer na
prevenção para evitar os custos com tratamentos.
Telmo
Baptista aproveitou para defender que os problemas de saúde psicológica no
trabalho, por exemplo, custam às empresas portuguesas mais de 300 milhões de
euros anuais.
A
história que nos molda Conhecer os problemas é importante, mas voltemos ao
essencial. Ao longo das páginas seguintes, deitamos Portugal em vários divãs
dos psicólogos. De uma forma esquemática, este é o resultado: o bastonário está
convencido de que o país está deprimido; a sexóloga Vânia Beliz defende que os
portugueses são pouco exigentes e preconceituosos na cama; a terapeuta familiar
Cláudia Morais julga que estamos mais afectuosos e com famílias mais unidas;
Tiago Lopes Lino acrescenta que nas relações amorosas damos pouco espaço à
individualidade.
Continuando
a terapia pelas escolas, o psicólogo clínico conclui que as crianças têm
dificuldade em cumprir regras e em lidar com o abstracto, mas no trabalho são
adultos responsáveis e competentes. Perante a justiça, o psicólogo forense Rui
Abrunhosa Gonçalves vê os portugueses como um povo pacato e lembra que as taxas
de criminalidade são mais baixas que a média europeia.
Feito
o diagnóstico, pedimos a quem conhece e estuda a história que explique os
porquês de sermos como somos. Irene Pimentel acredita existirem factos históricos
que moldaram os portugueses, dando-lhes características que sobreviveram até
hoje. “Quarenta e um anos de ditadura deixaram-nos apáticos e com medo”, diz a
historiadora. O medo, esse, já não da PIDE. É, por exemplo, de perder o
emprego. E a apatia vê-se no individualismo que nos impede de agir em grupo.
Mas é um erro continuar a justificar o que somos com uma ditadura, sobretudo quando a democracia já a igualou no tempo: “Saímos à rua em duas grandes manifestações mas depois deixamo-nos ficar por ali”, lembra, lamentando a “atitude crédula e pouco crítica” dos portugueses, que os levaram a acreditar ser possível viver acima das possibilidades. “A propaganda do governo funciona bem connosco”, conclui.
Como
nem tudo pode ser negativo, a historiadora prefere pensar que a tendência
portuguesa de “usar a emigração como arma”, revela um “espírito aventureiro”,
mais do que representar “uma fuga ao problema”. É exactamente à emigração, “que
nos está intrinsecamente associada”, que o sociólogo Manuel Villaverde Cabral
recorre para contrariar as vozes que associam Portugal ao conservadorismo:
“Ninguém é mais aventureiro que o emigrante. Sempre procurámos o desconhecido e
soluções para os nossos problemas, mesmo que isso signifique sair do país.”
Foto
Getty Images
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