Rachel Costa, Londres – Opera Mundi
Enquanto
conservadores dominaram urnas na Inglaterra, independistas tiveram vitória
acachapante na Escócia; referendo sobre UE pode causar novo racha
“Uma
só nação, um só Reino Unido. É como espero governar se tiver o prazer de seguir
como primeiro ministro”. Foi essa a frase escrita pelo primeiro ministro
inglês, David Cameron, às 6h02 da sexta-feira (08/05), em sua conta na rede
social Twitter. As contagens ainda não haviam terminado, mas o resultado das
urnas, diferentemente do antevisto pelas pesquisas, já apontavam a vitória dos
conservadores por boa margem de votos à frente dos trabalhistas. Às 15h30, com
o anúncio oficial do resultado final, os conservadores comemoravam 331 assentos
e uma inesperada maioria no Parlamento.
Entretanto,
como denota a frase do próprio primeiro-ministro, a vitória traz junto um
desafio: administrar a grande votação do Partido Nacional Escocês (SNP, na
sigla em inglês), cuja principal bandeira é a independência da Escócia. Os
independentistas escoceses conquistaram 56 dos 59 assentos a que o país tem
direito, tornando-se a terceira maior força política no Parlamento britânico e
deixando a Cameron o desafio de conciliar os desejos dos ingleses (onde os
conservadores obtiveram a maioria) com o do restante do Reino Unido,
especialmente com o do país do norte.
O
desafio interno se soma a outro, externo: o de levar adiante a proposta de um
referendo sobre a União Europeia sem causar um isolamento ainda maior do Reino
Unido em relação aos pares europeus. “David Cameron hoje se apresentou como um
líder 'one nation' [uma nação], mas ele não fez uma campanha 'one nation'. Ele
fez uma campanha para assustar a população sobre a fragmentação do Reino Unido
e agora estamos mais próximos disso do que antes”, avalia Eunice Goes, da
Universidade de Richmond, em Londres.
Vitória
da austeridade
Com
27 deputados a mais que em seu último governo, Cameron se torna o primeiro
premiê a conseguir aumentar o número de parlamentares de seu partido para o
segundo mandato. O resultado vem a despeito dos severos cortes orçamentários
que marcaram o governo.
A
critica à austeridade era a grande esperança dos trabalhistas para ganhar
votos. Os 331 deputados conservadores eleitos, porém, mostram que aparentemente
o descontentamento com as políticas de austeridade não encontrou o eco esperado
no eleitorado.
“Foi
o triunfo do discurso da austeridade, de que o déficit é um problema muito
grave que só pode ser resolvido por meio de cortes drásticos da dívida pública.
Essa é uma ideia que o eleitor percebe por fazer uma analogia entre a situação
do país e a economia doméstica: se não temos dinheiro no banco, não podemos
gastar. O grande problema é que o Estado e os governos não são economias
domésticas”, diz Goes.
Aposta
errada
Desafios
terão os trabalhistas. Desde 1987, o partido, que perdeu 25 cadeiras em relação
às últimas eleições, não sofria uma derrota tão acachapante. O resultado
imediato das urnas foi a saída de Ed Miliband da liderança do partido.
Para
entender o que houve, é preciso olhar novamente para a Escócia, tradicional
reduto dos trabalhistas: dos 41 assentos conquistados no país em 2010, restou
apenas um. “É um fenômeno que está acontecendo há alguns anos. Muitos escoceses
acham que o partido não está dando o retorno necessário considerando-se todo o
apoio dado pela Escócia ao Labour durante tantos anos”, fala Stuart McAnulla,
professor de Política na Universidade de Leeds.
Um
referendo que gera outro referendo
Após
a vitória, uma das questões mais delicadas que os conservadores têm à frente é
levar a cabo o referendo sobre a permanência na União Europeia. A ideia é mal
vista por trabalhistas, independentistas escoceses, verdes e até mesmo pelos
ex-aliados de coalizão, os liberais-democratas. A consulta pode ser realizada
já no próximo ano, reduzindo o tempo para possíveis negociações com Bruxelas.
Atualmente,
o eleitorado britânico mostra-se contrário à saída do bloco europeu por uma
margem não tão grande de votos (45% contra, 35% a favor, segundo pesquisa do
YouGov). Essa frágil vantagem, porém pode ser revertida quando entrarem em cena
outras vozes, em especial a do Ukip, um apoiador incondicional da proposta.
As
consequências do chamado “Brexit” (saída do bloco europeu), porém, não estão
apenas além das fronteiras. A saída pode implicar uma cisão interna no Reino
Unido. “A posição do SNP é a de que, se as condições mudarem, eles tentarão um
novo referendo sobre a independência. Se o Reino Unido opta por deixar a União
Europeia e a Escócia não, teremos uma séria questão pela frente”, aponta Neil
McGarvey, da Universidade de Strathclyde, na Escócia.
Debandada
Além
da perda massiva de assentos na Escócia, a fragilidade da figura do ex-líder Ed
Miliband, frequente motivo de chacota na mídia britânica, também tem sido
apontada como um dos fatores para a quebra do partido, que tem agora o desafio
de se reerguer.
Miliband
não foi a única vítima das urnas. Entre o início do dia e o discurso da vitória
de Cameron, às 13 horas, Nick Clegg (líder dos liberal-democratas e ex-vice
primeiro ministro de Cameron) e Nigel Farage (líder do Ukip) também abandonaram
seus cargos de liderança. Clegg, cujo partido perdeu 48 assentos em relação às eleições
de 2010, descreveu a perda como o preço que os liberais-democratas pagaram por
ter formado um governo de coalisão com os conservadores em 2010. Com apenas
oito deputados eleitos, as apostas são de que o partido retome sua posição de
oposição aos conservadores.
Farage,
por sua vez, clamou por reformas no sistema eleitoral britânico, dizendo ser
inaceitável que o Ukip, com 3,8 milhões de votos (12,6% do total), tenha apenas
um deputado, enquanto o SNP, com 1,4 milhões de votos (4,7%), tenha faturado 56
cadeiras. Essa aritmética só é possível pelo sistema de first-past-the-post,
no qual vence o candidato que recebe mais votos em um distrito - mesmo que não
tenha a maioria dos votos. Em regra, à exceção do SNP, os partidos menores são
os principais prejudicados por esse modelo.
Essa
mesma conta permitiu aos conservadores conseguir 51% dos assentos no parlamento
tendo 37% dos votos. Mudanças, porém, são pouco prováveis. “Isso está fora da
agenda. O apoio do Ukip a essa ideia é ficcional”, considera Peter Lynch, do
departamento de política da universidade de Stirling, na Escócia, lembrando que
em 2011 os britânicos tiveram a oportunidade de votar pelo modelo eleitoral em
um referendo, mas recusaram a alternativa proposta ao first-past-the-post.
Foto
Efe
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