domingo, 10 de maio de 2015

Reeleito, Cameron terá que conciliar interesses de ingleses e da nova força escocesa



Rachel Costa, Londres – Opera Mundi

Enquanto conservadores dominaram urnas na Inglaterra, independistas tiveram vitória acachapante na Escócia; referendo sobre UE pode causar novo racha

“Uma só nação, um só Reino Unido. É como espero governar se tiver o prazer de seguir como primeiro ministro”. Foi essa a frase escrita pelo primeiro ministro inglês, David Cameron, às 6h02 da sexta-feira (08/05), em sua conta na rede social Twitter. As contagens ainda não haviam terminado, mas o resultado das urnas, diferentemente do antevisto pelas pesquisas, já apontavam a vitória dos conservadores por boa margem de votos à frente dos trabalhistas. Às 15h30, com o anúncio oficial do resultado final, os conservadores comemoravam 331 assentos e uma inesperada maioria no Parlamento.

Entretanto, como denota a frase do próprio primeiro-ministro, a vitória traz junto um desafio: administrar a grande votação do Partido Nacional Escocês (SNP, na sigla em inglês), cuja principal bandeira é a independência da Escócia. Os independentistas escoceses conquistaram 56 dos 59 assentos a que o país tem direito, tornando-se a terceira maior força política no Parlamento britânico e deixando a Cameron o desafio de conciliar os desejos dos ingleses (onde os conservadores obtiveram a maioria) com o do restante do Reino Unido, especialmente com o do país do norte.

O desafio interno se soma a outro, externo: o de levar adiante a proposta de um referendo sobre a União Europeia sem causar um isolamento ainda maior do Reino Unido em relação aos pares europeus. “David Cameron hoje se apresentou como um líder 'one nation' [uma nação], mas ele não fez uma campanha 'one nation'. Ele fez uma campanha para assustar a população sobre a fragmentação do Reino Unido e agora estamos mais próximos disso do que antes”, avalia Eunice Goes, da Universidade de Richmond, em Londres.

Vitória da austeridade

Com 27 deputados a mais que em seu último governo, Cameron se torna o primeiro premiê a conseguir aumentar o número de parlamentares de seu partido para o segundo mandato. O resultado vem a despeito dos severos cortes orçamentários que marcaram o governo.

A critica à austeridade era a grande esperança dos trabalhistas para ganhar votos. Os 331 deputados conservadores eleitos, porém, mostram que aparentemente o descontentamento com as políticas de austeridade não encontrou o eco esperado no eleitorado.

“Foi o triunfo do discurso da austeridade, de que o déficit é um problema muito grave que só pode ser resolvido por meio de cortes drásticos da dívida pública. Essa é uma ideia que o eleitor percebe por fazer uma analogia entre a situação do país e a economia doméstica: se não temos dinheiro no banco, não podemos gastar. O grande problema é que o Estado e os governos não são economias domésticas”, diz Goes.

Aposta errada

Desafios terão os trabalhistas. Desde 1987, o partido, que perdeu 25 cadeiras em relação às últimas eleições, não sofria uma derrota tão acachapante. O resultado imediato das urnas foi a saída de Ed Miliband da liderança do partido.

Para entender o que houve, é preciso olhar novamente para a Escócia, tradicional reduto dos trabalhistas: dos 41 assentos conquistados no país em 2010, restou apenas um. “É um fenômeno que está acontecendo há alguns anos. Muitos escoceses acham que o partido não está dando o retorno necessário considerando-se todo o apoio dado pela Escócia ao Labour durante tantos anos”, fala Stuart McAnulla, professor de Política na Universidade de Leeds.

Um referendo que gera outro referendo

Após a vitória, uma das questões mais delicadas que os conservadores têm à frente é levar a cabo o referendo sobre a permanência na União Europeia. A ideia é mal vista por trabalhistas, independentistas escoceses, verdes e até mesmo pelos ex-aliados de coalizão, os liberais-democratas. A consulta pode ser realizada já no próximo ano, reduzindo o tempo para possíveis negociações com Bruxelas.

Atualmente, o eleitorado britânico mostra-se contrário à saída do bloco europeu por uma margem não tão grande de votos (45% contra, 35% a favor, segundo pesquisa do YouGov). Essa frágil vantagem, porém pode ser revertida quando entrarem em cena outras vozes, em especial a do Ukip, um apoiador incondicional da proposta.

As consequências do chamado “Brexit” (saída do bloco europeu), porém, não estão apenas além das fronteiras. A saída pode implicar uma cisão interna no Reino Unido. “A posição do SNP é a de que, se as condições mudarem, eles tentarão um novo referendo sobre a independência. Se o Reino Unido opta por deixar a União Europeia e a Escócia não, teremos uma séria questão pela frente”, aponta Neil McGarvey, da Universidade de Strathclyde, na Escócia.

Debandada

Além da perda massiva de assentos na Escócia, a fragilidade da figura do ex-líder Ed Miliband, frequente motivo de chacota na mídia britânica, também tem sido apontada como um dos fatores para a quebra do partido, que tem agora o desafio de se reerguer.

Miliband não foi a única vítima das urnas. Entre o início do dia e o discurso da vitória de Cameron, às 13 horas, Nick Clegg (líder dos liberal-democratas e ex-vice primeiro ministro de Cameron) e Nigel Farage (líder do Ukip) também abandonaram seus cargos de liderança. Clegg, cujo partido perdeu 48 assentos em relação às eleições de 2010, descreveu a perda como o preço que os liberais-democratas pagaram por ter formado um governo de coalisão com os conservadores em 2010. Com apenas oito deputados eleitos, as apostas são de que o partido retome sua posição de oposição aos conservadores.

Farage, por sua vez, clamou por reformas no sistema eleitoral britânico, dizendo ser inaceitável que o Ukip, com 3,8 milhões de votos (12,6% do total), tenha apenas um deputado, enquanto o SNP, com 1,4 milhões de votos (4,7%), tenha faturado 56 cadeiras. Essa aritmética só é possível pelo sistema de first-past-the-post, no qual vence o candidato que recebe mais votos em um distrito - mesmo que não tenha a maioria dos votos. Em regra, à exceção do SNP, os partidos menores são os principais prejudicados por esse modelo.

Essa mesma conta permitiu aos conservadores conseguir 51% dos assentos no parlamento tendo 37% dos votos. Mudanças, porém, são pouco prováveis. “Isso está fora da agenda. O apoio do Ukip a essa ideia é ficcional”, considera Peter Lynch, do departamento de política da universidade de Stirling, na Escócia, lembrando que em 2011 os britânicos tiveram a oportunidade de votar pelo modelo eleitoral em um referendo, mas recusaram a alternativa proposta ao first-past-the-post.

Foto Efe

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