terça-feira, 2 de junho de 2015

Bilbao e Barcelona, entre a opressão espanhola e o direito de protestar



Raphael Tsavkko Garcia, Bilbao – Opera Mundi, opinião

Líderes espanhóis querem punir clubes por vaias de torcedores bascos e catalães contra hino espanhol tocado na final da Copa do Rei

A final da Copa do Rei 2015 jogada entre Athletic Club de Bilbao e Barcelona, partida vencida pelo segundo por 3 a 1 e um show de Lionel Messi, esteve envolta em polêmicas fora do campo antes mesmo de começar.

Athletic e Barça são dois clubes com amplo histórico nacionalista, representam respectivamente o País Basco e a Catalunha (ou ao menos passam esta imagem para quem vê de fora de suas respectivas regiões, dado que não são os únicos clubes relevantes locais, pese serem os mais famosos e mais bem sucedidos) e chegam a representar mesmo a identidade de suas nações.

O Athletic é famoso por só aceitar jogadores nascidos no País Basco ou descendentes que tenham treinado em categorias de base de clubes da região, o que já chegou a lhes valer acusações injustas até de racismo. Dizia-se que não aceitavam jogadores negros, porém hoje um dos titulares do time é Iñaki Williams, uma das grandes promessas do clube, jogador basco filho de um ganês e uma liberiana.

Ambos os clubes pediram à Federação Espanhola de Futebol para não usar nas mangas de seus uniformes a bandeira espanhola e sim a imagem da taça pela qual competiam e sabendo da contrariedade dos torcedores de ambos os clubes pelos símbolos espanhóis, o presidente do PNV (Partido Nacionalista Basco, atualmente no poder na região) chegou a pedir que os hinos basco e catalão fossem também tocados no estádio da final, o Camp Nou, do Barcelona. A organização do torneio não atendeu a solicitação, buscando baixar um pouco a tensão contra o hino espanhol.

Diversas organizações nacionalistas convocaram uma vaia contra o hino espanhol e tudo que ele representa para as minorias nacionais na Espanha: opressão. Entre 10 e 15 mil apitos foram distribuídos por estas organizações para a torcida que, além de apitar, gritou e vaiou o hino, tornando impossível que este fosse escutado.  Enquanto isso, a rede de TV que transmitia o evento tentava disfarçar o ocorrido, cortando rapidamente para os comerciais e dando a impressão de que reduzia artificialmente o som da torcida e elevava o do hino.

Na área VIP, fotos de um Rei Felipe contrariado, de cara fechada, circulavam pela internet ao lado da imagem de um contido, mas divertido sorriso de Artur Mas, presidente nacionalista da Generalitat, o governo catalão.

Quase 100 mil torcedores formaram um mosaico com as cores do Barcelona e da Catalunha por um lado, e com as cores do Athletic e uma Ikurriña (bandeira basca) gigante do outro. Novamente foi exibida uma imensa faixa com o escudo do Athletic, um leão (seu mascote) e a frase em euskera "Jo Ta Ke Irabazi Arte", que em português seria algo como "Sem parar, até a vitória", mas que calha ser, também, um grito de guerra do movimento nacionalista de esquerda quando este toma as ruas em seus imensos protestos.

Em linhas gerais, uma coincidência: apesar de ser usado por grupos políticos que a Espanha acusa de ter ligações com o ETA, a frase é um grito relativamente comum na língua dos bascos.

Logo, porém, a mídia - especialmente a de extrema-direita, como o periódico ABC - começou com provocações, ilações e acusações de uma suposta ligação da torcida do Athletic com o "terrorismo".

Imediatamente começaram as piadas, os memes, provocações e lembranças de que, mesmo com mais de 100 mil corpos em valas comuns e sem identificação pós-Guerra Civil e Franquismo, a imprensa espanhola se preocupa com o que grita uma torcida de futebol ou com um hino. Imprensa que, no caso do ABC e de outras, manteve fortes ligações com o Franquismo e mantém com o PP, hoje no poder, partido que é herdeiro de Franco e de seus aliados.

O vice-secretário-geral do PP, Vicente Floriano, chegou a declarar que "a liberdade de expressão não pode permitir ataques a símbolos nacionais", deixando claro que "democracia" é realmente incompreensível para franquistas e simpatizantes.

Nas redes sociais milhares de mensagens de ódio contra bascos e catalães foram enviadas, tuidadas e postadas, algumas inclusive com ameaças de cunho terrorista. Estes ataques dificilmente serão investigados, já que no raciocínio torpe das autoridades espanholas, só há violência se for cometida pelo oprimido, jamais pelo opressor.

Na Espanha, vaiar o hino é um "ataque à democracia", ainda que isto signifique duas nações sob controle, torturando cidadãos, censurando e fechando jornais e mídias, ilegalizando partidos e enviando políticos e ativistas para a cadeia por divergir e lutar, criando um clima de terror permanente.

Líderes espanhóis querem punir os dois clubes, além de buscar bodes expiatórios entre a torcida e movimentos que ajudaram a organizar as vaias, em clara demonstração de que ainda não conseguiram se acostumar com o conceito de democracia após décadas de cruel ditadura.

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