Raphael
Tsavkko Garcia, Bilbao – Opera Mundi, opinião
Líderes
espanhóis querem punir clubes por vaias de torcedores bascos e catalães contra
hino espanhol tocado na final da Copa do Rei
A
final da Copa do Rei 2015 jogada entre Athletic Club de Bilbao e Barcelona,
partida vencida pelo segundo por 3 a 1 e um show de Lionel Messi, esteve
envolta em polêmicas fora do campo antes mesmo de começar.
Athletic
e Barça são dois clubes com amplo histórico nacionalista, representam
respectivamente o País Basco e a Catalunha (ou ao menos passam esta imagem para
quem vê de fora de suas respectivas regiões, dado que não são os únicos clubes
relevantes locais, pese serem os mais famosos e mais bem sucedidos) e chegam a
representar mesmo a identidade de suas nações.
O
Athletic é famoso por só aceitar jogadores nascidos no País Basco ou
descendentes que tenham treinado em categorias de base de clubes da região, o
que já chegou a lhes valer acusações injustas até de racismo. Dizia-se que não
aceitavam jogadores negros, porém hoje um dos titulares do time é Iñaki
Williams, uma das grandes promessas do clube, jogador basco filho de um ganês e
uma liberiana.
Ambos
os clubes pediram à Federação Espanhola de Futebol para não usar nas mangas de
seus uniformes a bandeira espanhola e sim a imagem da taça pela qual competiam
e sabendo da contrariedade dos torcedores de ambos os clubes pelos símbolos
espanhóis, o presidente do PNV (Partido Nacionalista Basco, atualmente no poder
na região) chegou a pedir que os hinos basco e catalão fossem também tocados no
estádio da final, o Camp Nou, do Barcelona. A organização do torneio não
atendeu a solicitação, buscando baixar um pouco a tensão contra o hino
espanhol.
Diversas
organizações nacionalistas convocaram uma vaia contra o hino espanhol e tudo
que ele representa para as minorias nacionais na Espanha: opressão. Entre 10 e
15 mil apitos foram distribuídos por estas organizações para a torcida que,
além de apitar, gritou e vaiou o hino, tornando impossível que este fosse
escutado. Enquanto isso, a rede de TV que transmitia o evento tentava
disfarçar o ocorrido, cortando rapidamente para os comerciais e dando a
impressão de que reduzia artificialmente o som da torcida e elevava o do hino.
Na
área VIP, fotos de um Rei Felipe contrariado, de cara fechada, circulavam pela
internet ao lado da imagem de um contido, mas divertido sorriso de Artur Mas,
presidente nacionalista da Generalitat, o governo catalão.
Quase
100 mil torcedores formaram um mosaico com as cores do Barcelona e da Catalunha
por um lado, e com as cores do Athletic e uma Ikurriña (bandeira basca) gigante
do outro. Novamente foi exibida uma imensa faixa com o escudo do Athletic, um
leão (seu mascote) e a frase em euskera "Jo Ta Ke Irabazi Arte", que
em português seria algo como "Sem parar, até a vitória", mas que
calha ser, também, um grito de guerra do movimento nacionalista de esquerda
quando este toma as ruas em seus imensos protestos.
Em
linhas gerais, uma coincidência: apesar de ser usado por grupos políticos que a
Espanha acusa de ter ligações com o ETA, a frase é um grito relativamente comum
na língua dos bascos.
Logo,
porém, a mídia - especialmente a de extrema-direita, como o periódico ABC -
começou com provocações, ilações e acusações de uma suposta ligação da torcida
do Athletic com o "terrorismo".
Imediatamente
começaram as piadas, os memes, provocações e lembranças de que, mesmo com mais
de 100 mil corpos em valas comuns e sem identificação pós-Guerra Civil e
Franquismo, a imprensa espanhola se preocupa com o que grita uma torcida de
futebol ou com um hino. Imprensa que, no caso do ABC e de outras, manteve
fortes ligações com o Franquismo e mantém com o PP, hoje no poder, partido que
é herdeiro de Franco e de seus aliados.
O
vice-secretário-geral do PP, Vicente Floriano, chegou a declarar que "a
liberdade de expressão não pode permitir ataques a símbolos nacionais",
deixando claro que "democracia" é realmente incompreensível para
franquistas e simpatizantes.
Nas
redes sociais milhares de mensagens de ódio contra bascos e catalães foram
enviadas, tuidadas e postadas, algumas inclusive com ameaças de cunho
terrorista. Estes ataques dificilmente serão investigados, já que no raciocínio
torpe das autoridades espanholas, só há violência se for cometida pelo
oprimido, jamais pelo opressor.
Na
Espanha, vaiar o hino é um "ataque à democracia", ainda que isto
signifique duas nações sob controle, torturando cidadãos, censurando e fechando
jornais e mídias, ilegalizando partidos e enviando políticos e ativistas para a
cadeia por divergir e lutar, criando um clima de terror permanente.
Líderes
espanhóis querem punir os dois clubes, além de buscar bodes expiatórios entre a
torcida e movimentos que ajudaram a organizar as vaias, em clara demonstração
de que ainda não conseguiram se acostumar com o conceito de democracia após
décadas de cruel ditadura.
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