terça-feira, 2 de junho de 2015

Sete pontos para entender o que está acontecendo nas relações entre Cuba e EUA



Sergio Alejandro Gómez – Granma, Washington – Opera Mundi

Após restabelecimento de relações, “desafio maior é construir convivência civilizada baseada no respeito às profundas diferenças”, diz jornalista

Passaram-se cinco meses desde que os presidentes Barack Obama e Raúl Castro anunciaram, no último 17 de dezembro, sua intenção de abrir um novo capítulo de relações entre Estados Unidos e Cuba.

Depois de um encontro histórico entre os dois governantes na VII Cúpula das Américas, começou em Washington a terceira rodada de debates de funcionários para avançar no restabelecimento de relações diplomáticas e na reabertura de embaixadas.

Içar as bandeiras das missões de Washington e Havana já seria um marco entre as duas nações vizinhas que careceram de laços formais durante mais de meio século. No entanto, constituiria somente o início de uma etapa muito maior e complexa.

Os mal-entendidos e também as manipulações intencionadas têm acompanhado esse processo desde o início. O Granma compartilha com seus leitores sete pontos para ajudar a entender a dimensão do que está acontecendo entre Havana e Washington e a etapa que vem pela frente:

1. Os presidentes tomaram uma decisão, o que falta é colocá-la em prática

No dia 17 de dezembro, entre outras notícias importantes para os dois povos, Raúl Castro e Barack Obama anunciaram simultaneamente que decidiram restabelecer relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, rompidas há mais de meio século.

Agora, a vontade dos presidentes deve passar pelos canais oficiais de cada país para materializar esse passo.

As delegações que se reuniram em Havana e Washington em várias rodadas de debates e encontros técnicos, estão levando esse processo adiante.

A importância dessas reuniões é que estabelecerão as bases sobre as quais vão funcionar os elos diplomáticos, para que não se volte a cometer erros do passado.

2. Nenhuma das partes condicionou o restabelecimento de relações

Uma das principais linhas de ataque midiático contra os debates tem sido falar de “condições” entre as partes.

Tanto os diplomatas cubanos, como os estadunidenses, têm sido claros sobre o fato de o ambiente de trabalho ser de respeito e profissionalismo, em um clima de reciprocidade e sem interferências.

O que Cuba fez desde o começo foi apontar aspectos que precisariam ser solucionados antes de dar um passo: o final de sua injusta inclusão na lista de países terroristas, que ocorreu na última semana, e a situação de sua missão em Washington, que não tem serviços bancários há mais de um ano.

Entretanto, os funcionários estadunidenses têm falado sobre a mobilidade de seus representantes na futura embaixada de Havana (a dos diplomatas cubanos também está limitada a Washington), assim como o acesso dos cubanos às suas instalações.

A esse respeito, Cuba insistiu na importância de cumprir com as convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e Consulares, que estabelecem a importância de cumprir as leis do país anfitrião e não se intrometer em assuntos internos.

Uma missão deve poder se relacionar com as pessoas do país anfitrião, mas respeitando preceitos e normas, explicou recentemente um diplomata cubano.

3. O restabelecimento de relações não é o mesmo que a normalização de relações

Confundir o processo de restabelecimento dos elos diplomáticos, que é muito maior e mais complexo, com o de normalização de relações, é outro erro comum.

Depois de contar com embaixadas em ambas as capitais, se abriria a etapa da busca completa de “normalidade” entre os dois países, que compartilham uma turbulenta história bilateral.

As autoridades cubanas apontaram várias questões que consideram indispensáveis para falar de uma normalização: a suspensão do bloqueio, a devolução do território da base naval de Guantánamo, o fim das transmissões ilegais de rádio e televisão, o cancelamento dos planos de mudança de regime e a compensação pelos danos causados ao povo cubano durante mais de meio século de agressões, entre outros.

Nunca se disse que esses pontos precisam ser solucionados para que as embaixadas fossem abertas, como alguns meios de comunicação têm tentado fazer crer.

Até as autoridades estadunidenses reconheceram a posição cubana.

“Relações completamente normais não incluem um embargo econômico, não incluem sanções econômicas”, disse recentemente uma funcionária do Departamento de Estados dos Estados Unidos, que pediu anonimato.

Sem dúvida, esta nova etapa inclui a discussão de outros assuntos de interesse para ambas as nações. Mas Cuba tem sido clara sobre não ser possível pedir que se “dê algo em troca”. Nosso país não aplica essas medidas aos Estados Unidos, nem tem bases militares em território norte-americano, nem promove [nos EUA] uma mudança de regime.

Da mesma forma, Cuba disse que não se pode exigir que tenha de renunciar a seus ideais de independência e justiça social, nem afrouxar nenhum de seus princípios, nem ceder um milímetro na defesa da soberania nacional.

4. A mudança de política de Washington é um triunfo do povo cubano e da integração latino-americana

Não pareceríamos chauvinistas ao reconhecer, como fez a maioria da comunidade internacional, que o fato de que Cuba ter chegado a esse ponto é resultado de quase meio século de heroica luta e fidelidade a seus princípios.

Da mesma forma, não se poderia pensar em mudanças de política dessa proposta sem entender a nova época que vive a nossa região, e a sólida e valente reivindicação dos governos e povos da Celac (Comunidade e Estados Latino-americanos e Caribenhos).

Na II Cúpula da Celac em Havana foi assinado um documento que não tem precedente na história do hemisfério: a declaração da região como Zona de Paz, a mesma que reconhece “o direito alienável de todo Estado a eleger seu sistema político, econômico, social e cultural, como condição essencial para garantir a convivência pacífica entre as nações”.

5. Os Estados Unidos mudam os métodos, mas não os objetivos

Uma das grandes perguntas que surgiram nesse processo é em que consiste e qual é o alcance da mudança de política dos Estados Unidos. A questão não tem uma resposta fácil e talvez seja muito cedo para poder fazer uma análise cabal.

Quando o presidente Obama fez seu anúncio, ele disse que depois de 50 anos de uma política fracassada, era hora de tentar algo novo.

“Estamos caminhando em direção ao futuro, deixaremos para trás as coisas que tornaram o passado complicado”, disse Obama no Panamá, em relação a Cuba. No entanto, em vários momentos, as autoridades estadunidenses disseram que os métodos mudam, mas os objetivos não. Nesses objetivos está, desde 1 de janeiro de 1959, a derrubada da Revolução.

“Em Cuba, não estamos no negócio da mudança de regime”, afirmou Obama durante a VII Cúpula das Américas, em uma declaração que encheu de esperança muitas pessoas.

No entanto, ainda milhões de dólares são destinados publicamente a pagar a subversão em Cuba, ao que se somam outros fundos que não são declarados. Por sua vez, as autoridades cubanas nunca demonstraram ingenuidade. “Ninguém poderia sonhar que a nova política que se anuncia aceite a existência de uma Revolução socialista a 90 milhas da Flórida”, disse Raúl em seu discurso durante a III Cúpula da Celac.

6. Obama pode fazer muito mais

Obama somou aos anúncios de 17 dezembro um grupo de medidas que modificaram uma pequena parte da aplicação do bloqueio, mas essa medida de agressão se mantém de pé.

Cuba reconheceu a valente posição de Obama de se envolver em um debate com o Congresso para colocar fim à medida, algo que nenhum outro presidente estadunidense tinha feito.

No entanto, é falsa e matriz midiática de que o presidente “fez tudo o que ele pôde”.

Obama poderia utilizar com determinação suas amplas faculdades executivas para modificar substancialmente a aplicação do bloqueio, o que está em suas mãos fazer, ainda que sem a decisão do Congresso.

Poderia permitir, por exemplo, em outros setores da economia, tudo que autorizou no âmbito das telecomunicações, com o evidente objetivo de [exercer] influência política em Cuba.

7. No que diz respeito à soberania, não há temas tabus

Uma das lições dos últimos cinco meses – e talvez também do ano e meio de diálogos secretos que os antecederam – é que Cuba e Estados Unidos podem abordar qualquer assunto sempre que seja de forma respeitosa.

Cuba mostrou sua vontade de abordar inclusive aqueles temas que mais foram utilizados e manipulados para atacar nosso país, como democracia, liberdade de expressão e direitos humanos, assuntos sobre os quais tem muito para mostrar e opinar.

Talvez o ponto mais importante de todos, e o que resume esse artigo, é que o desafio maior entre Cuba e Estados Unidos é construir uma convivência civilizada baseada no respeito às suas profundas diferenças.

Leia mais em Opera Mundi

Sem comentários:

Mais lidas da semana