Adérito
Caldeira – Verdade (mz), em Tema de Fundo
A
Liberdade de Expressão e de Imprensa em Moçambique estará no banco dos réus
quando iniciar nesta segunda-feira (31) o julgamento movido pelo Estado
moçambicano contra o cidadão Carlos Nuno Castel-Branco e os editores dos
jornais MediaFAX, Fernando Mbanze, e Canal de Moçambique, Fernando Veloso. Se o
primeiro acto do juiz não for arquivar este caso estará aberto um grave
precedente para que a voz dos cidadãos moçambicanos passe a ser silenciada.
“Senhor
Presidente, você está fora de controlo. Depois de ter gasto um mandato inteiro
a inventar insultos para quem quer que seja que tenha ideias sobre os problemas
nacionais, em vez de criar oportunidades para beneficiar da experiência e
conhecimentos dessas pessoas, agora você acusou os media de serem culpados da
crise política...”, assim iniciava o post que Carlos Nuno
Castel-Branco publicou na sua página da rede social Facebook, a 4 de Novembro
de 2013, criticando a governação do então Presidente Armando Emílio Guebuza.
“Quem
insultou, e continua a insultar, os cidadãos que apontam problemas e soluções porque
querem uma vida melhor para todos (mesmo podendo estar errados, honestamente
lutam por uma vida melhor para todos)? Quem acusa os pobres de serem
preguiçosos e de não quererem deixar de ser pobres? Quem no principio e fim dos
discursos fala do maravilhoso povo, mas enche o meio com insultos e desprezo
por esse mesmo povo? Quem escolheu o caminho da guerra e a está a alimentar,
mesmo contra a vontade do povo maravilhoso?”, continuava o extenso post de
Castel-Branco para os seus amigos do Facebook e que acabou por ser publicado
pelos jornais MediaFAX, Canal de Moçambique e também pelo @Verdade.
No
seguimento da repercussão que a opinião deste cidadão moçambicano, que é um
economista de renome nacional e internacional, a Procuradoria-Geral da
República, em representação do Estado moçambicano e não do cidadão Armando
Emílio Guebuza, instaurou o processo que agora vai a julgamento onde acusa
Carlos Nuno Castel-Branco da prática do crime de injúria contra o antigo
Presidente da República e os editores de abuso da liberdade de imprensa.
Em
Maio de 2014, após uma audição no Tribunal Judicial do Distrito Um,
Castel-Branco afirmou não estar arrependido de ter partilhado a sua opinião,
crítica ao Presidente e à sua Governação, com os seus amigos na rede social.
"Como vou estar arrependido se o post foi feito com a intenção de provocar
debate sobre coisas que eu considero serem sérias no país, tenho o direito de
fazer essas considerações e continuo a considerar essas questões sérias",
afirmou.
Fernando
Mbanze, editor do MediaFAX, também afirmou não estar arrependido de ter
publicado o post pois era de interesse público e a ideia era ampliar
um debate perdido na rede social Facebook. “Abrimos espaço para debatermos as
opiniões. Não vimos nenhuma situação de abuso da liberdade de imprensa. E
esperamos que seja feita a justiça”, afirmou Mbanze ao jornal Savana.
“O
foco da luta deve ser o direito garantido na Constituição”
Entretanto,
vários juristas moçambicanos manifestaram publicamente a sua opinião de que
este julgamento enferma de inconstitucionalidade.
“A
nossa Constituição da República dá o direito de participação política dos
cidadãos, no seu artigo 73, e esta participação implica necessariamente a
emissão de opinião e crítica política”, afirmou Tomás Vieira Mário, jornalista
e jurista que ainda questionou: “Como é que ao exercer um direito se pode estar
a cometer um crime?”.
Numa
carta de opinião, divulgada
em Julho deste ano, Castel-Branco enfatizou que embora ele e os
editores dos jornais acusados não tenham vontade de ir para a prisão o que está
a ser julgado são as liberdades que que a Lei Mãe consagra em Moçambique.
“Sermos ilibados deve ser um dos principais resultados em termos pessoais e em
termos de justiça. Mas a luta deve ser pelas questões que estão em jogo e pelas
quais lutamos diariamente. Logo, o foco da luta deve ser o direito, garantido
na Constituição, à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa, à liberdade
de investigação científica, à liberdade de debate político, em suma, o direito
de exercício da cidadania de cada um.”
Quando
Moçambique continua a ser um dos países mais corruptos do mundo, quando se
conhecem cada vez mais os contornos criminosos do negócio da EMATUM, quando se
vê funcionários públicos a continuarem a enriquecer ilicitamente, quando
milhares de moçambicanos continuam detidos ilegalmente nas prisões sem direito
a um julgamento é paradoxal que a prioridade da Procuradoria-Geral da República
seja o julgamento de um cidadão que expressou a sua opinião sobre um servidor
do público como é o Presidente da República.
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