Domingos
de Andrade – Jornal de Notícias, opinião
O
jogo
A
guerra dos números do desemprego é um dos episódios mais tristes desta
pré-campanha. Porque o jogo é mórbido. Porque todos, Governo e Oposição, fazem
bluff. Porque os números prestam-se a que todos tenham razão. E porque não há
solução. Ou ela é demorada. Mas vamos aos números, juntando-lhes nomes. A
tratar por tu, para os chamar até nós.
As
peças
O
Dinis tem 52 anos. Ainda manda currículos. Tomou-lhe o hábito. Até há meio ano,
recebia subsídio. E mandava currículos. Mas já não pedia trabalho. Nem se
sentia humilhado. Durante dois anos, quando o despediram, a ele e a mais uns
quantos, para limpar a empresa e a tornar "interessante" para vender,
bateu de porta em porta, até não pretender mais do que uns carimbos ou uns
e-mails como resposta, para provar que andava à procura. Hoje, engrossa os 243
mil que baixaram os braços.
O
António ainda resiste. Está nos 620,4 mil que, segundo o Instituto Nacional de
Estatística, se encontravam no desemprego no último trimestre. São 48 anos,
mais uns meses, a fazer de conta que sai de casa para trabalhar. Apareceram-lhe
umas coisas, adaptáveis a um operário fabril. Mas o dinheiro que iria receber
não chegava para as despesas. Disse não. Há coisas que a dignidade não merece.
O
Diogo tem 28 anos. Acabou o curso há quatro. Faz biscates há três. Tanto
trabalha 16 horas por dia, como nada. E vale tudo. É um enfermeiro pronto a
servir. Está numa clínica, como poderia estar como auxiliar num centro de dia.
O percurso é o mesmo da grande maioria dos recém-licenciados. Esteve um ano a
receber a meias pela clínica e pelo Estado num estágio profissional. Acabou,
entrou outro para o lugar dele, fez-se à vida. Trabalha quando tem, recebe
quando calha. Há de emigrar. E sair das estatísticas. A subir ou a descer,
terão sido 500 mil a sair do país nos últimos quatro anos.
Os
jogadores
O
Governo joga bem. Mas faz bluff. A taxa do desemprego teve uma quebra forte. E
é, para o Governo que operou a maior mudança das leis laborais dos últimos 40
anos, um trunfo. Destruiu-se emprego. Mas o país estava falido. O
empobrecimento foi violento, mas o país está hoje melhor. E a UGT, central
sindical ligada ao PS, diz améns e também quer louros.
A
Oposição joga bem, mas faz bluff. Ao coro do Bloco e do PCP, os socialistas
juntam que o Governo é responsável pela maior destruição de emprego dos últimos
50 anos. Ou que a baixa taxa se deve aos incentivos do Estado. Mas não diz a
cartada que tem. Porque nada se pode prometer sobre as areias movediças em que
a economia se transformou. E prometer, hoje, tira votos. Mesmo os do Dinis, do
António e do Diogo. Há neles uma esperança ténue nos números da coligação.
Estranha
esperança.
Post
scriptum - Os casos acima retratados são reais, salvaguardando a identidade, e
não ficcionados como os que os cartazes do PS ostentam. Costa não quer mesmo
ganhar eleições.
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