Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
O
exemplo clássico do esquema tripartido de "poderes separados",
elaborado na primeira metade do século XVIII por Montesquieu, é a Constituição
dos Estados Unidos da América. Porque, além de assegurar a neutralização
política de um poder judicial independente, confere ao chefe do poder executivo
- o Presidente - uma legitimidade democrática distinta da legitimação
democrática própria do poder legislativo. Nem o chefe do Governo - o Presidente
- pode dissolver o Parlamento nem este pode demitir o Presidente, salvo no caso
limite da responsabilidade por crime praticado no exercício das funções. Pelo
contrário, nos sistemas parlamentaristas, o Governo não tem legitimidade
própria e está obrigado a cumprir o programa aprovado pelo Parlamento que, a
qualquer momento, pode provocar a sua demissão. O tempo se encarregaria de
confirmar que a vocação antiautoritária do princípio da separação dos poderes
não se realiza através de um modelo certo e determinado ou de uma estrutura
política peculiar mas sim por efeito de uma articulação variável de
competências diferenciadas e controlos recíprocos que os constitucionalistas
americanos crismaram como "checks and balances".
O
"semipresidencialismo" francês é pois uma variante atípica do
"presidencialismo" porque atribui ao Presidente o poder de dissolver
o Parlamento juntamente com certas competências governativas, embora fique
sujeito à coabitação com o Governo de um partido adverso caso este obtenha a
maioria parlamentar. É certo que quem representa a França no Conselho Europeu é
o Presidente Hollande e não o primeiro-ministro francês, mas quem representa a
Alemanha em Bruxelas é a primeira-ministra (Chanceler) Angela Merkel e não o
Presidente da República, e o mesmo ocorre com a Itália, a Espanha ou Portugal,
representados pelos chefes de Governo e não pelos respetivos chefes de Estado.
Enfim,
a questão relevante não é averiguar se existe ou não um processo de legitimação
democrática direta do presidente da República - aliás, nos Estados Unidos, o
Presidente é eleito indiretamente e foi dessa forma que George W. Bush se viu
reeleito para o segundo mandato presidencial por uma minoria dos votantes! O
que importa, sim, é a ponderação rigorosa dos poderes constitucionais confiados
ao Presidente, a natureza das funções repartidas entre os vários órgãos de
soberania e o quadro de condicionamentos recíprocos em que elas são exercidas.
A
Constituição da República da Guiné-Bissau não talhou a figura do seu presidente
para governar. Com efeito, o Presidente não pode nomear o primeiro- ministro
conforme a sua vontade mas sim de acordo com a vontade popular expressa nos
resultados das eleições legislativas e depois de ouvir os partidos
representados na Assembleia Nacional Popular. Depois de nomeado, o Governo só
subsiste depois de o seu programa ser aprovado no Parlamento que continua a
poder provocar a sua demissão, quando muito bem entender. O Presidente pode
vetar as leis da Assembleia mas é obrigado a promulgá-las se forem confirmadas
por maioria qualificada dos deputados.
A
"responsabilidade política" do Governo perante o Presidente não é
comparável com a sua "responsabilidade política" perante a Assembleia
porque é desta que deriva a sua legitimidade democrática, foi ela que aprovou o
seu programa e as leis que está obrigado a cumprir. A Lei Fundamental também
não atribuiu ao Presidente tarefas próprias na fiscalização da
constitucionalidade. Atribui-lhe, sim, poderes de dissolução do Parlamento e
demissão do Governo em circunstâncias excecionais de crise política que afetem
o normal funcionamento das instituições. As dificuldades de
"relacionamento institucional" entre o Presidente e o Governo são
inerentes ao "normal funcionamento das instituições da República".
Não podia o Presidente invocar como fundamento para demitir o Governo a perturbação
naturalmente induzida pelo exercício dos "checks and balances" que,
justamente com essa finalidade, foram constitucionalmente prescritos. O povo da
Guiné-Bissau merece dos seus representantes legítimos um esforço sério de
concertação e diálogo.
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