domingo, 13 de setembro de 2015

Angola. O PROCESSO



José Eduardo Agualusa – Rede Angola, opinião

Amanhã, 14 de Setembro, o Tribunal Provincial de Cabinda deve pronunciar a sentença de Marcos Mavungo, na prisão desde 14 de Março deste ano. Mavungo é acusado de crime de rebelião, por ter tentado organizar uma manifestação em protesto contra a má governação de Cabinda e o desrespeito das autoridades aos mais elementares direitos humanos.

Mavungo foi considerado pela Amnistia Internacional “prisioneiro de consciência”, uma vez que terá sido “detido apenas pelo exercício pacífico dos seus direitos de liberdade de expressão, associação e reunião”, destinando-se a sua prisão a “intimidar outros críticos do Governo”.

O processo inteiro surpreende, mesmo quem já esteja muito habituado aos ardilosos universos kafkianos que o regime angolano vem conseguindo engendrar. Sim, estamos – como no caso dos jovens democratas – no domínio do completo absurdo. Um absurdo kitch, grosseiro, ordinário, mas de tal forma exuberante que, ao pé dele, Kafka parece um escriturário murcho e sem imaginação.

No caso de Mavungo a inventividade da acusação chegou ao ponto de acrescentar ao processo dez blocos de TNT de 200 gramas, e ainda um rolo de cordão detonante. Esta acusação explosiva não parece, contudo, convencer ninguém.

Amanhã saberemos se prevaleceu, já nem digo o bom senso – porque o bom senso esteve arredado deste processo desde o início – mas um mínimo de decência, sentido do ridículo e de estratégia politica.

Para aqueles que hoje condenam a Amnistia Internacional pelo apoio a Mavungo – acusando-a de estar ao serviço de interesses obscuros – é sempre bom lembrar que o Dr. Agostinho Neto foi um dos primeiros “prisioneiros de consciência”, assim designados e defendidos pela famosa organização de defesa dos direitos humanos. Foi a Amnistia que mudou, ou quem mudou foram os antigos camaradas de Agostinho Neto, hoje no poder?

No fundo, talvez seja esta a questão que todos deveríamos estar agora a discutir, isto é – o que foi feito dos grandes princípios morais que nortearam os primeiros nacionalistas? Foi para isto que se fez a independência? Para impor um pensamento único? Para perseguir gente que apenas quer mais paz, mais democracia, mais justiça social? Para colocar na cadeia jovens que deviam servir de exemplo a todos os outros – pela rebeldia, pelo patriotismo, pelo desejo de servir os outros?

Não, não era isto que estava combinado. Deixámos que o poder fosse tomado por gente que está ideologicamente, moralmente, eticamente, nos antípodas de intelectuais como Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz, Gentil Viana, Liceu Vieira Dias e tantos outros.  Para estes nacionalistas generosos a independência não era o o ponto final de um longo combate, era antes o início de um tempo novo, no interior do qual seria possível construir um país mais livre, mais justo, onde todos os angolanos pudessem expandir as suas potencialidades.

Não seremos livres, nenhum de nós, e muito menos quem ocupa o poder, enquanto houver em Angola pessoas presas por pensarem diferente. Liberdade, já!

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