José
Eduardo Agualusa – Rede Angola, opinião
Amanhã,
14 de Setembro, o Tribunal Provincial de Cabinda deve pronunciar a sentença de
Marcos Mavungo, na prisão desde 14 de Março deste ano. Mavungo é acusado de
crime de rebelião, por ter tentado organizar uma manifestação em protesto
contra a má governação de Cabinda e o desrespeito das autoridades aos mais
elementares direitos humanos.
Mavungo
foi considerado pela Amnistia Internacional “prisioneiro de consciência”, uma
vez que terá sido “detido apenas pelo exercício pacífico dos seus direitos de
liberdade de expressão, associação e reunião”, destinando-se a sua prisão a
“intimidar outros críticos do Governo”.
O
processo inteiro surpreende, mesmo quem já esteja muito habituado aos ardilosos
universos kafkianos que o regime angolano vem conseguindo engendrar. Sim,
estamos – como no caso dos jovens democratas – no domínio do completo absurdo.
Um absurdo kitch, grosseiro, ordinário, mas de tal forma exuberante que,
ao pé dele, Kafka parece um escriturário murcho e sem imaginação.
No
caso de Mavungo a inventividade da acusação chegou ao ponto de acrescentar ao
processo dez blocos de TNT de 200 gramas, e ainda um rolo de cordão detonante.
Esta acusação explosiva não parece, contudo, convencer ninguém.
Amanhã
saberemos se prevaleceu, já nem digo o bom senso – porque o bom senso esteve
arredado deste processo desde o início – mas um mínimo de decência, sentido do
ridículo e de estratégia politica.
Para
aqueles que hoje condenam a Amnistia Internacional pelo apoio a Mavungo –
acusando-a de estar ao serviço de interesses obscuros – é sempre bom lembrar
que o Dr. Agostinho Neto foi um dos primeiros “prisioneiros de consciência”,
assim designados e defendidos pela famosa organização de defesa dos direitos
humanos. Foi a Amnistia que mudou, ou quem mudou foram os antigos camaradas de
Agostinho Neto, hoje no poder?
No
fundo, talvez seja esta a questão que todos deveríamos estar agora a discutir,
isto é – o que foi feito dos grandes princípios morais que nortearam os
primeiros nacionalistas? Foi para isto que se fez a independência? Para impor
um pensamento único? Para perseguir gente que apenas quer mais paz, mais
democracia, mais justiça social? Para colocar na cadeia jovens que deviam
servir de exemplo a todos os outros – pela rebeldia, pelo patriotismo, pelo
desejo de servir os outros?
Não,
não era isto que estava combinado. Deixámos que o poder fosse tomado por gente
que está ideologicamente, moralmente, eticamente, nos antípodas de intelectuais
como Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz, Gentil Viana, Liceu Vieira Dias e
tantos outros. Para estes nacionalistas generosos a independência não era
o o ponto final de um longo combate, era antes o início de um tempo novo, no
interior do qual seria possível construir um país mais livre, mais justo, onde
todos os angolanos pudessem expandir as suas potencialidades.
Não
seremos livres, nenhum de nós, e muito menos quem ocupa o poder, enquanto
houver em Angola pessoas presas por pensarem diferente. Liberdade, já!
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