Rui Peralta, Luanda
Angola:
a Paz e o Estado Democrático de Direito
Observe-se
um exemplo: Angola. O país sofreu 5 séculos de colonização, marcadas por um
longo processo de resistência popular anticolonial, que culmina a 4 de
Fevereiro de 1961 com a proclamação da luta armada de libertação nacional
contra o colonial-fascismo, que conduziu o país á independência, aos 11 de
Novembro de 1975, por sua vez início de uma nova guerra de defesa da soberania
e da integridade territorial, que desembocou, na década de 90, num processo de
guerra interna de desestabilização, que prolongou-se até ao início do seculo
XXI. Resistência, Guerra de Libertação nacional, guerra de defesa da soberania,
guerra provocada por desestabilização (e originadora de um processo de
acumulação de capital que revelar-se-ia um obstáculo ao desenvolvimento, por
razões que analisaremos mais á frente) e, finalmente, o processo de Paz. Em
todos estes processos as dinâmicas internas e externas cruzaram-se de forma
permanente.
A
proclamação da independência foi um desses momentos de dinâmicas cruzadas. A
defesa da independência nacional assentou numa opção socialista de
desenvolvimento (uma via não capitalista de desenvolvimento). Essa opção foi,
objectivamente, a única que viabilizou a soberania nacional, manteve a unidade
e a integridade territorial. Qualquer outra opção que fosse decidida na época
teria conduzido o país ao neocolonialismo e á submissão. O contexto externo não
era propício a opções consensuais, mas também as dinâmicas sociais internas,
com tensões fortes acumuladas durante a guerra de libertação nacional contra o
colonialismo e transportadas para o interior do movimento de libertação
nacional, não permitiam que fossem possíveis situações de compromisso.
Socialismo ou neocolonialismo eram as opções que se apresentaram. A
independência nacional e a soberania popular apenas podiam ser mantidas pela
opção socialista.
No
plano externo esta opção era condicionada pelos dois blocos concorrentes: o “bloco
socialista”, em torno da URSS e o “bloco ocidental, capitalista”, em torno
dos USA. O não alinhamento obrigava a um alinhamento com o bloco socialista e
não havia margens para uma política “desalinhada” em relação aos dois blocos.
Por
sua vez a guerra e o seu desenrolar impediram o livre desenvolvimento das
dinâmicas internas e estas desenvolveram-se nos subterrâneo e nos corredores do
aparelho político e militar. Com o desenvolvimento das dinâmicas externas, onde
passaram a ser notórios os efeitos dos novos mecanismos de acumulação e
reprodução de capital, tornando desnecessários os mecanismos da concorrência
entre “socialismo real e economia de mercado”, que tinham dominado os processos
de desenvolvimento da economia-mundo após a II Guerra Mundial, tornaram-se
possíveis e necessários consensos, apenas possíveis num processo de Paz.
Este
processo sofre um impulso quando em 1991, a Assembleia do Povo consagra,
através da aplicação da Lei nº 12/91, a democracia multipartidária, os garantes
dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e a “economia de mercado”,
medidas aprofundadas, posteriormente, pela Lei da Revisão Constitucional nº
23/92. Foi, assim, implementado, um modelo institucional, que tinha como
objectivo a conquista da Paz e que permitisse novas premissas de
desenvolvimento. Esta implementação estava, no plano interno, intimamente
ligada á necessidade que as novas camadas geradas durante a guerra tinham de se
autonomizar em relação ao aparelho politico mas, obviamente, sem perder a sua
influência no seio do aparelho. Por outro lado, o próprio aparelho político
concluiu que a situação de guerra não conduziria o país a lado algum. A
situação tinha de alterar-se para tornar possível a sua existência como
aparelho política, mas também como garantia da independência nacional. Apenas a
Paz poderia garantir uma nova politica que iniciasse uma era de desenvolvimento
económico e social. Esta necessidade interna cruzava-se com as dinâmicas
externas na economia mundial. Os anteriores processos de acumulação (interno e
externo) tinham concluído a sua função. Novos processos de acumulação e de
reprodução avistavam-se no horizonte. E estes apenas podiam desenvolver-se em
situações de Paz e estabilidade…
(continua)
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