Ao
chegar a Luanda para dar um curso de mestrado, um simpático “jornalista” da
televisão pública apareceu na fila do aeroporto para me “entrevistar” acerca da
mundo, de Portugal e, em particular, da situação interna angolana com a greve
de fome de Luaty Beirão.
Francisco
Louçã (*) - opinião
Sei
que os serviços de segurança usam frequentemente este expediente, pelo que lhe
respondi com cordialidade e expectativas limitadas. “Mário Domingues”, que se
anunciava como jornalista, fez o seu trabalho e esforçou-se bastante, afinal
era de madrugada. Como seria de esperar, as imagens serviram para a informação
de serviços especializados e não tanto para o grande público, que a elas foi
poupado.
Mas
Angola não precisaria de mais informação, porque o assunto é conhecido em todo
o país: Luaty Beirão está hoje no seu 23º dia de greve de fome. Detido há mais
de três meses, então sem mandato judicial, foi agora acusado, com 14 outros
jovens, de uma obscura conspiração contra o Estado angolano.
Para
fundamentar a cabala, o governo de Eduardo dos Santos convocou os diplomatas
acreditados em Luanda e mostrou-lhe um vídeo gravado nas reuniões dos jovens
por um infiltrado da polícia. Um diplomata que assistiu a essa exibição do
vídeo confirmou-me que este é irrelevante e que, pelo contrário, confirma que
se trata de presos políticos e de um ataque ao exercício da liberdade de
opinião. Curiosamente, o vídeo foi exibido a parlamentares angolanos e aos
diplomatas dois meses antes de haver uma acusação judicial.
Perante
a prisão infundamentada e depois a acusação absurda, Luaty Beirão entrou em
greve de fome exigindo que todos os detidos aguardem o julgamento em liberdade.
Não tem tido resposta alguma do regime, embora o ministro da Justiça receba
hoje vários embaixadores europeus para informação sobre o assunto.
A
resposta social é assinalável. Todos os dias se juntam os familiares e outras
pessoas solidárias com os detidos e o PÚBLICO deu informação da repressão que
tem atingido algumas dessas vigílias. Mónica Almeida, casada com Luaty, move
céus e terra para o salvar, junto com os seus amigos. É desta fibra que Angola
se pode orgulhar.
Entretanto,
o padre da Igreja de S. Domingos, em Luanda, divulgou ontem um vídeo condenando
a repressão e apelando à libertação dos jovens, criticando a posição do
governo.
Angola
só tem a ganhar em evitar o prolongamento desta crise. Se o seu governo ouve a
opinião pública, saberá que deixar Luaty morrer seria uma tragédia. Angola
perderia um herói e todos perderíamos dignidade.
(*)
Artigo publicado no jornal português Público
Folha
8
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