Expresso
das Ilhas - editorial
O
Primeiro Ministro José Maria Neves na segunda-feira passada declarou total
confiança no ministro do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território,
Antero Veiga. O PM ausente do país há mais de duas semanas em digressão pela
Ilha da Madeira, Portugal e várias cidades dos Estados Unidos para, entre
outras actividades, fazer o lançamento do seu livro, homenagear personalidades
nas comunidades cabo-verdianas e discursar na Assembleia Geral das Nações
Unidas não tinha ainda assumido uma posição sobre o caso do Fundo do Ambiente.
Aliás, pelo longo tempo que se levou para esclarecer a opinião pública
depreende-se que nem o próprio ministro tinha os dados todos para isso. Não
quis pronunciar-se nem antes nem depois das revelações apesar de solicitado
pelos jornalistas e só veio a convocar uma conferência de imprensa 19 dias
depois da manchete do jornal A Nação. Nas declarações à imprensa presente, o
ministro acabou por confessar que o Fundo de Ambiente nunca tinha apresentado
contas ao Tribunal de Contas e que ainda estavam a ser auditadas as contas de
2012, 2013 e 2014. Se se juntar a isso as intervenções designadamente de
beneficiários do Fundo do Ambiente ligados ao partido no governo e as omissões
governamentais em dotar o Fundo de órgãos próprios de decisão e de os fazer
funcionar dificilmente se compreende a razão do Sr. PM em proclamar total
confiança no Ministro Antero Veiga. Será que é para o colocar acima de qualquer
crítica?
O
PM, nas suas declarações de apoio ao Ministro, diz não concordar com a prática
de não prestação de contas de recursos que ele próprio relembra que são dos
cabo-verdianos e cabo-verdianas. Enfraquece a sua posição a partir do momento
em que assevera que todos os fundos públicos devem prestar contas para logo a
seguir afirmar categoricamente que no seu governo tem sido sempre assim, quando
se sabe, da própria experiência do Fundo do Ambiente, que há uma prática
contrária. Continua a enfraquecer a sua posição ao procurar desvalorizar as
críticas, referindo-se ao ambiente de pré-campanha que diz já existir no país.
Primeiro, porque o governo não deve assumir perante críticas públicas uma
atitude sobranceira de quem não tem contas a apresentar a ninguém. Segundo, não
pode escudar-se em pretenso tempo de campanha ou pré-campanha para desvalorizar
revelações, críticas ou denúncias. Podia-se dizer que fazer isso é realmente um
acto de campanha. E se a recusa em prestar contas é já estar em campanha
pré-eleitoral, o que o público poderá pensar das viagens incessantes que os
membros do governo fazem pelas ilhas protagonizando eventos múltiplos e
aparecendo sistematicamente em situações que qualquer pessoa poderia
classificar de campanha eleitoral pura e dura.
Aliás,
é interessante que na sua alocução o PM faça um apelo que talvez fizesse mais
sentido vindo do presidente da república. Pede serenidade aos partidos
políticos, às câmaras municipais e a todos os órgãos de soberania neste período
que já considera de pré-campanha eleitoral. Parece paradoxal que um chefe de um
governo suportado por um partido político dirija a outros actores políticos tal
pedido, mas não é. Está-se, de facto, perante um acto de ilusionismo puro: um
chefe de governo partidário que já não é líder partidário e assume postura
suprapartidária de quem não está em lides partidárias. Com que propósito,
pergunta-se. Obviamente só pode ser por razões partidárias: a curto prazo, para
deflectir críticas da sua governação, desarmar a oposição e ficar solto para
demonstrar ao país em inúmeros momentos os exemplos da sua “gestão de
impossibilidades”. A médio prazo, para deixar tudo em aberto. Entretanto vai
estendendo o seu manto “mágico” de protecção aos ministros partidários que de
alguma forma tropeçarem nos resultados omissos ou menos bons da governação e
ficam sujeitos às críticas das pessoas e da oposição.
Accountability
(responsabilização e prestação de contas) está no centro da própria ideia da
democracia. Conseguiu-se em Cabo verde desviar um bocado desse princípio básico
com ganhos claros para quem realmente governa e gere os recursos colectivos e
com alguma estupefacção e desorientação para os cidadãos. Estes quando
questionam falhas designadamente na economia, na sociedade, na segurança ou no
emprego e procuram quem responsabilizar, recebem invariavelmente a resposta: a
responsabilidade é de todos, mas o governo já fez a sua parte e está bem-feita.
Se os resultados não são os melhores, do tipo crescimento raso, desemprego
excessivo, insegurança e delinquência juvenil, os responsáveis só podem ser
outros.
Todas
as imbricações do Fundo do Ambiente apontam para o que não se devia fazer na
gestão dos recursos público: não seguir os procedimentos previstos para a sua
disponibilização; alimentar suspeitas de canalização para organizações de
alguma proximidade política; cair na tentação de usar fundos no embate político
com as câmaras municipais e no condicionamento eleitoral dos cidadãos; e
negligenciar na apresentação de contas às autoridades de fiscalização competentes.
Proliferam fundos públicos no país. É da maior importância que a sua utilização
seja judiciosa. A via principal para que assim seja é manter claras as linhas
de decisão e de responsabilização. Evita-se desta forma que sejam capturados
por interesses particulares e não sirvam os objectivos de fraternidade, de
solidariedade e de igualdade de oportunidades com que foram criados. Assim como
também que se constituam em instrumentos de ambição política de quem não olha a
meios para realizar os seus fins.
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