JOSÉ PACHECO PEREIRA - Público,
opinião
Portas,
que desonra o honesto capacete de aço dos trabalhadores dos estaleiros, fez,
antes de sair de Viana, uma prece a Santa Luzia para que ilumine os eleitores
para que votem no PaF.
Eu
acho que a comunicação social devia mostrar muito mais Portas e Passos e a
coligação colocá-los no centro de todos os cartazes. Mais Portas até do que
Passos. Mas parece que não o vai fazer, com medo que as caras assustem os
eleitores e lhes lembrem que é o PSD e o CDS que estão por detrás da coligação.
Os
símbolos dos partidos também estão envergonhadamente escondidos, como se o PaF
fosse uma coisa nova e lustral. Mas, quem é que quer saber?
Na
rua, é o engano habitual, de pessoas que não podem aparecer em público sob pena
de serem insultadas. Admito que outros partidos façam o mesmo, para disfarçar
fraquezas, embora a CDU seja o único que não o faz de todo. Tem gente
suficiente para enquadrar os candidatos e não é recebida com hostilidade em
lado nenhum. O logro, aliás mais uma mentira numa política de mentiras tão
habitual como o ar que se respira, é tão evidente que não percebo que os órgãos
de comunicação social, em particular a televisão, aceitem enganar
objectivamente os seus espectadores apresentando-lhes “passeios de rua
eleitorais” completamente artificiais, em que Passos e Portas aparecem rodeados
por guarda-costas e “jotas” (que no PSD são habitualmente pagos para
acompanharem as caravanas). Aliás, a campanha do PaF nada em dinheiro e muito
tempo depois iremos saber que os custos de campanha, foram “por acaso”
ultrapassados para o dobro. Mas, quem é que quer saber?
Porém,
dos actos eleitorais da coligação aquele que mais suscita do meu ponto de vista
uma reacção mais dura foi a visita de Paulo Portas aos Estaleiros Navais de
Viana do Castelo. Como está tudo adormecido e ninguém reage a nada, aceitou-se
este acto como mais um acto normal de campanha, quando ele na realidade devia
infundir muita e muita preocupação e indignação. Mas quem é que quer saber?
Preocupação,
porque revela uma arrogância desenvolta de quem acha que pode tudo e pode fazer
tudo. Mesmo humilhar os outros, que é a essência do que aconteceu nos
Estaleiros, onde muitos trabalhadores foram usados para servir de paisagem ao
“sucesso” do governo, sem poderem, sob pena de perderem o seu emprego,
exprimir-se livremente. Portas visitou-os com os patrões ao lado e grande cópia
de jornalistas e câmaras, com o habitual chapéu de função, desta vez um
capacete, batendo com os pés no chão de metal, como se fosse um general dum
exército de ocupação. Mas quem é que quer saber?
Portas
repetiu os mesmos números que Passos Coelho referiu numa outra visita aos
mesmos Estaleiros, quando falou do “erro do passado” que “acabou em bem”. Os
patrões da Martifer, por seu lado, acham que o governo pode usar as instalações
de que são concessionários para a propaganda política da coligação, sem um
átomo de hesitação. Por muito que se possa criticar homens como Belmiro de
Azevedo ou Alexandre Soares dos Santos, duvido que aceitassem patrocinar uma
sessão de propaganda do governo nos seus supermercados.
E,
no entanto, nada há de mais revelador, não só dos interesses que apoiam este
governo, como das suas ideias sobre a sociedade e o papel dos trabalhadores, do
que esta visita imperial num dos raros sítios onde ainda há trabalhadores. Na
realidade não são os mesmos trabalhadores de antes, não tem os mesmos direitos
e não ganhem os mesmos salários. Mas quem é que quer saber?
É
natural que a empresa que ficou com a subconcessão dos Estaleiros, a West Sea
da Martifer, não perca oportunidades em receber os governantes a quem muito
deve. Seja Aguiar Branco, seja Passos Coelho, seja agora Paulo Portas. Em Maio
deste ano, Passos Coelho visitou os Estaleiros e anunciou “que vai
entregar à West Sea a construção de dois Navios Patrulha Oceânicos”, por
ajuste directo, ou seja, sem concurso. A encomenda por ajuste directo no
valor de 77 milhões, foi justificada pela “urgência”, depois da Marinha ter
sido impedida de os contratar aos Estaleiros quando estes eram públicos. Mas
quem é que quer saber?
Portas
passa por cima destas minudências e atira os números do “sucesso” sem hesitar,
como se espera de um propagandista, Passos pelo contrário, entaramelou-se.
Quando da sua visita aos Estaleiros, seguiu-se uma complicada, como é costume,
explicação sobre o que é que tinha acontecido aos trabalhadores dos Estaleiros:
havia 520 a trabalhar, 200 contratados, 320 subcontratados. Dos contratados,
aqueles pelos quais a Martifer tinha responsabilidades, apenas 160 tinham vindo
dos antigos estaleiros (que tinham 609 trabalhadores à data da privatização).
Claro que, muito naturalmente, porque a vida é difícil, houve trabalhadores que
pediram a rescisão do contrato e o estado pagou as respectivas indemnizações,
subsídios de desemprego e reformas. Em inícios de 2014, a empresa pública em
vésperas de privatização, previa para “limpar” estes trabalhadores cerca de 30
milhões de euros. À data da concessão, a Martifer prometia contratar 400 dos
609, coisa que não fez. Agora promete dobrar o número de trabalhadores, dos 200
para os 400, “nos próximos tempos, tendo em conta que o Primeiro-Ministro
acaba de anunciar que vai entregar à West Sea a construção de dois Navios
Patrulha Oceânicos”. O Almirante Melo Gomes, que foi Chefe do Estado-maior da
Armada, não deixou de comentar, com ironia, a “superioridade da gestão privada
quando esta é financiada pelo erário público”. Mas quem é que quer saber?
Onde
Portas se gaba de ter “salvo” os Estaleiros, na realidade ele quer dizer que os
domou, como Pires de Lima falava das empresas de transporte quando há greves,
para prometer que quando as privatizar ou concessionar, “acabam” as greves. O
discurso sobre o “público” e o “privado” não é apenas sobre a eventual superioridade
da gestão privada sobre a pública, é sobre como, em períodos de elevado
desemprego, a privatização ajuda não só a baixar os salários como em por na
ordem trabalhadores e sindicatos. Mas quem é que quer saber?
Claro
que é melhor haver estaleiros a funcionar em Viana do Castelo, haver
trabalhadores empregados, haver empresas a crescer com a ajuda do estado e
mérito próprio, claro que tudo isso é melhor do que o seu contrário. Mas o seu
contrário está longe de ser provado que iria acontecer ou poderia acontecer.
Escolhas diferentes dariam resultados diferentes e, em muitos casos, bastante
melhores.
Ficar
desarmado porque as coisas aconteceram assim e daí inferir que não poderiam ser
de outra maneira, é hoje uma maneira de pensar muito comum, mas mostra apenas
interiorização e subjugação pelo poder. Depois quando correm mal, já é tarde. E
há muitas destas coisas a correr mal, o melhor exemplo das quais é o Novo
Banco, sobre o qual se tem seguido todo este tipo de raciocínio pela
“realidade”. Mas quem é que quer saber?
O
argumento é o de que foi assim, porque tinha que ser assim. Mas na verdade, não
tinha que ser assim, foi assim porque se foi negligente (no Citius), se perdeu
o controlo (no Novo Banco) e se fizeram asneiras (no “ir para além da troika”)
ou, como no caso dos Estaleiros, porque se quis que fosse assim. Os prejuízos
enormes a montante a jusante de muitas das decisões negligentes, impreparadas,
imponderadas deste governo, para servir interesses e amigos, por ideologia, ou
pior ainda, não podem ser justificadas pelas situações de facto que foram
criadas. Algumas foram travadas pelo Tribunal Constitucional ou por outros
Tribunais, outras porque o protesto teve força, outras porque estavam tão mal
feitas que não passaram do papel. Mas, para mal de Portugal e dos portugueses
passaram coisas demais. Mas quem é que quer saber?
Não
há-de ser por mim, como aliás por muitos social-democratas que ainda sabem o
que designa essa classificação política, que o PaF vai ganhar. Contrariamente à
pequena intriga de muitos gnomos dedicados ao dedo twitteiro e facebookiano da
coligação, uns amadores, outros profissionais, todos a mostrar serviço, que se
saiba ninguém mudou de partido, ninguém faz parte das listas de deputados do PS
e ninguém espera cargos e lugares caso o PS ganhe as eleições. Mas são
sensíveis à vergonha interior que muitos trabalhadores dos Estaleiros de Viana devem
ter tido, ao ver Portas a usá-los.
Portas,
que desonra o honesto capacete de aço dos trabalhadores dos estaleiros, fez,
antes de sair de Viana, uma prece a Santa Luzia para que ilumine os eleitores
para que votem no PaF. Pobre Santa Luzia que nunca deve ter sido invocada para
causa tão ruim!
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