Domingos
de Andrade – Jornal de Notícias, opinião
Tudo
está bem quando acaba bem? Não. Ainda mal começou. Os discursos da tomada de
posse do XX Governo Constitucional foram serenos e tranquilos. Porque,
independentemente do que vier a acontecer, o país precisava de palavras de
normalidade. Faltou foi futuro. Muito. Com alguma exceção do presidente da
República.
Cavaco
Silva sabe que o centrão, o que decide eleições, está perdido na radicalização
da vida portuguesa. E que ele não foi um farol no último discurso. Tentou sê-lo
ontem. Fixou os compromissos de Portugal. Sublinhou a necessidade de inverter a
rota da austeridade. Elogiou o espírito de sacrifício dos portugueses. Recalcou
aquilo que lhe é mais caro: "Sem estabilidade política, Portugal
tornar-se-á um país ingovernável. E, como é evidente, ninguém confia num país
ingovernável". Recados.
Cavaco
Silva, o político, nunca foi gerador de consensos. E teve maiorias como nenhum
outro. Amado e odiado em doses massivas. Mas ele quis mostrar que ainda é um
agregador das franjas sociais que navegam entre a esquerda e a direita. E que
tem uma linha de coerência que segue.
Repescar
por duas vezes o que disse na tomada de posse do Governo minoritário de
Sócrates foi mais do que autojustificativo. Porque a seguir vieram os números.
Do antes e de agora: a dívida pública, o desemprego, o crescimento. Sublinhou o
estado económico e social da legislatura que agora começa para que os
portugueses fiquem a saber o que está em causa. E comprometeu-se com essa
verdade. Claro.
Se
havia dúvidas sobre o que o presidente da República vai fazer quando e se o
Governo cair, elas ficaram esclarecidas. Chamará o PS. Pedro Passos Coelho
sabe-o. Daí o discurso dele ter sido tão virado para o passado e a encher os
dias de um diálogo tardio. Tudo sem futuro. Porque ele sabe o futuro que o
espera.
Mas
uma coisa é derrubar um Governo. Outra bem diferente é ter uma alternativa
credível. Os olhos agora colocam-se em António Costa. Mas a chave está no PCP.
Não chega ao PS o suporte do Bloco de Esquerda, magistral na campanha,
estratégico agora a marcar a agenda do Partido Comunista.
Jerónimo
de Sousa dará esse apoio silencioso. Sendo um partido institucionalista e não
de protesto, o PCP já traçou a estratégia com os militantes. Podem deixar o PS
no poder, mas nunca aceitarão medidas contra os trabalhadores. E essa sim é a
grande palavra-chave.
Cavaco
joga nisso tudo. Sabe que o mundo da política é imprevisível.
*Diretor-Executivo
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