sábado, 31 de outubro de 2015

Portugal. NORMALIDADE



Domingos de Andrade – Jornal de Notícias, opinião

Tudo está bem quando acaba bem? Não. Ainda mal começou. Os discursos da tomada de posse do XX Governo Constitucional foram serenos e tranquilos. Porque, independentemente do que vier a acontecer, o país precisava de palavras de normalidade. Faltou foi futuro. Muito. Com alguma exceção do presidente da República.

Cavaco Silva sabe que o centrão, o que decide eleições, está perdido na radicalização da vida portuguesa. E que ele não foi um farol no último discurso. Tentou sê-lo ontem. Fixou os compromissos de Portugal. Sublinhou a necessidade de inverter a rota da austeridade. Elogiou o espírito de sacrifício dos portugueses. Recalcou aquilo que lhe é mais caro: "Sem estabilidade política, Portugal tornar-se-á um país ingovernável. E, como é evidente, ninguém confia num país ingovernável". Recados.

Cavaco Silva, o político, nunca foi gerador de consensos. E teve maiorias como nenhum outro. Amado e odiado em doses massivas. Mas ele quis mostrar que ainda é um agregador das franjas sociais que navegam entre a esquerda e a direita. E que tem uma linha de coerência que segue.

Repescar por duas vezes o que disse na tomada de posse do Governo minoritário de Sócrates foi mais do que autojustificativo. Porque a seguir vieram os números. Do antes e de agora: a dívida pública, o desemprego, o crescimento. Sublinhou o estado económico e social da legislatura que agora começa para que os portugueses fiquem a saber o que está em causa. E comprometeu-se com essa verdade. Claro.

Se havia dúvidas sobre o que o presidente da República vai fazer quando e se o Governo cair, elas ficaram esclarecidas. Chamará o PS. Pedro Passos Coelho sabe-o. Daí o discurso dele ter sido tão virado para o passado e a encher os dias de um diálogo tardio. Tudo sem futuro. Porque ele sabe o futuro que o espera.

Mas uma coisa é derrubar um Governo. Outra bem diferente é ter uma alternativa credível. Os olhos agora colocam-se em António Costa. Mas a chave está no PCP. Não chega ao PS o suporte do Bloco de Esquerda, magistral na campanha, estratégico agora a marcar a agenda do Partido Comunista.

Jerónimo de Sousa dará esse apoio silencioso. Sendo um partido institucionalista e não de protesto, o PCP já traçou a estratégia com os militantes. Podem deixar o PS no poder, mas nunca aceitarão medidas contra os trabalhadores. E essa sim é a grande palavra-chave.

Cavaco joga nisso tudo. Sabe que o mundo da política é imprevisível.

*Diretor-Executivo

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