Paris,
noite de 13 de Novembro de 2015; depois de Paris em Janeiro de 2015, Nova
Iorque, Madrid Atocha, Líbano centenas de vezes, enquanto se arrastam as
tragédias da Palestina, Afeganistão, Síria, Iraque, Líbia, Iémen, Egipto,
Somália, Mali, Nigéria. A matança continua através da mais bárbara das formas
de guerra, a que vitima preferencialmente civis, famílias nas suas casas,
cidadãos nos seus momentos de lazer, trabalhadores nas suas actividades,
camponeses nas suas terras, crianças e professores nas escolas, doentes,
médicos e enfermeiros nos hospitais, socorristas nos escombros. Guerra cega,
selvática, conduzida por governantes, traficantes, negociantes da morte,
impérios económicos e financeiros, militares, paramilitares, mercenários
movidos a dinheiro, também marionetas da intoxicação religiosa e ideológica.
Uma guerra sem quartel onde conceitos trapaceiros e expansionistas de
democracia se combinam com o irredentismo da fé e a ganância fundamentalista
dos agiotas, umas vezes em aliança, outras em dissidência, mistificação
sanguinária onde os “chocados” de hoje, os “horrorizados” de ontem podem ser os
algozes de Gaza, de Alepo, My Lai ou Haditha, Odessa, Sabra e Chatila, Kandahar
ou do hospital de Kunduz, Tripoli ou Bahrein.
Em
que se distinguem os massacres de sexta-feira em Paris e as matanças
recorrentes em Gaza? O terror à solta em Abu Ghraib, Kandahar ou as bombas
sobre o hospital de Kunduz e as chacinas de Odessa, Nova Iorque, no Charlie
Hebdo ou quotidiana nas águas do Mediterrâneo? Que não se responda em função da
dimensão, da cobertura mediática, do tom da pele ou do grau de “civilização”
das vítimas. Uma morte é uma vida humana que se perde, a vida de alguém sem
qualquer responsabilidade nas acusações invocadas, nos alibis expostos para
eternizar a carnificina global, para atordoar a comunidade mundial através do
terrorismo, a mais ignóbil das formas de violência.
Escutámos
as primeiras reacções ao drama da noite parisiense: como se o fundamental fosse
conhecer quem reivindica a autoria dos crimes, a que horas e de que maneira o
faz. Reacções onde se exige mais segurança, mais espionagem sobre os cidadãos
globalmente espiados, mais investimento em armas e exércitos, mais limitações à
vida quotidiana e aos movimentos de quem já sofre as agruras da vida em crise
permanente, em suma, mais guerra sobre a guerra. E poucas palavras ou simples
alusões de raspão sobre as cada vez mais comprovadas colaborações entre o
radicalismo islâmico e o fascismo, patentes no atentado contra o Charlie Hebdo
e, na Ucrânia, na coligação armada para “libertação” da Crimeia; ou invocações
por alto, quase sempre invertidas no contexto, das situações na Síria, no
Iraque, na Líbia.
Bem
alto na trágica noite parisiense, o secretário-geral da NATO mandou dizer que o
terror não vencerá a democracia. Belas e promissoras palavras, pensarão os
incautos ou quem ignora a responsabilidade institucional de quem assim fala nas
tragédias em curso na Síria, no Afeganistão, na Líbia, na Ucrânia, na
multiplicação de muros e barreiras por esta Europa afora.
Depois
chegou a reivindicação: o Estado Islâmico, ou Daesh, ou ISIS, ou Al Qaida, ou
Al Nusra, ou isto, aquilo ou aqueloutro, grupos financiados por entidades
estatais de países da NATO, treinados em campos criados em países da NATO, como
a Turquia, ou aliados da NATO como a Jordânia, armados e sustentados de mil e
uma maneiras por íntimos da NATO como a Arábia Saudita, o Qatar, Israel. Aqui
avulta o sentido humanitário do chefe do governo israelita, que enquanto
planeia os próximos ataques a Gaza cede o território sírio ocupado dos Montes
Golã para acoitar os terroristas do Estado Islâmico – os que se dizem autores
da selvajaria de Paris - e oferece os hospitais israelitas para tratar os
mercenários desse bando que forem vítimas da “ditadura bárbara” de Assad. O
mesmo chefe de governo, Netanyahu, que foi dar o braço ao presidente Hollande
na manifestação encenada por ocasião do Charlie Hebdo e que agora está, como
não podia deixar de estar, entre os mais “chocados” e horrorizados”.
Por
falar em François Hollande, um dos principais titulares dos “amigos da Síria”
inventados em Washington, atrás dos quais se escondem Estado Islâmico, Al
Qaida, Al Nusra e os famosos “moderados” – todos eles brilhando como estrelas
reluzentes do terrorismo internacional –, ficámos a saber que por causa da
situação teve de cancelar a deslocação à reunião do G20, um desses vários “gês”
que nos governam sob as ordens dos mistificadores da democracia. Reunião essa
na Turquia, país onde ficou demonstrada a falsificação das recentes eleições
gerais para reforço da ditadura islamita e que tem servido de base operacional
da NATO e de grupos terroristas – entre os quais o Estado Islâmico – para as
guerras impostas à Síria, Líbia e Iraque.
Assim
sendo, não tenhamos ilusões: a matança continua e irá continuar porque há quem
lucre com ela, parasitas do ser humano, vampiros de sangue humano.
*José Goulão - Mundo Cão
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