quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Angola. A HIPÓTESE PROVÁVEL DE ABSOLVIÇÃO



Reginaldo Silva - Rede Angola, opinião

Nos últimos dias o Facebook esteve particularmente animado com um conjunto de acaloradas e interessantes discussões sobre a separação dos poderes em Angola, tendo naturalmente como pano de fundo o “processo dos révus” que, como se sabe, tem o inicio do julgamento marcado para a segunda quinzena deste mês.

Se tivesse que encontrar um lado positivo em toda esta “pendenga”, não teria muitas dúvidas em apontar o contraditório debate político-académico que a mesma tem estado a alimentar como sendo este lado, por estar a permitir ao olhos da grande opinião pública o aprofundamento de um conjunto de questões jurídico-constitucionais que até então estavam de algum modo blindadas.

O destaque destas discussões foi para o esclarecimento do papel que a PGR desempenha no complexo edifício da administração da Justiça, tendo ficado claro para mim que o Ministério Público em Angola é parte integrante do poder Executivo, como acontece nos Estados Unidos, mas não tem as mesmas limitações.

Não tendo estas barreiras, o MP está à vontade para decidir sobre a liberdade das pessoas na fase da investigação, o que já não acontece no país do Tio Sam onde apenas os juízes têm esta competência.

Para mim, e num país tão politizado/partidarizado como é nosso, onde em matéria de credibilidade das instituições junto dos cidadãos o seu défice ainda é muito grande,  a questão da privação da liberdade é fundamental devido aos perigos da sua instrumentalização por quem detém este poder quando ainda nada está provado e a presunção da inocência é um direito que nos assiste.

Para sermos mais frontais nesta abordagem diria que em Angola, e no âmbito da acção penal, o Ministério Público é uma segunda e silenciosa Polícia do Estado a quem foi conferido aos seus membros o estatuto de magistrados, o que não me parece ser muito pacifico do ponto de vista da doutrina.

A hipótese que serve de epígrafe a este texto não foi um dos temas que animou as referidas discussões, tendo apenas eu e mais uma pessoa que me é próxima reflectido sobre a mesma durante o fim-de-semana prolongado, depois de já aqui ter  feito as primeiras previsões sobre como é que este caso deverá terminar.

Fazer previsões sobre o desfecho de um julgamento não é um exercício fácil, tem alguns riscos e pode até ser visto como mais uma forma de pressionar o desempenho do Tribunal.
Concretamente estamos a viver um momento não muito pacífico da vida nacional, numa altura em que muito se fala deste tipo de condicionamento que parece-me ser mais virtual do que real.

Seja como for, ele já faz parte do novo fenómeno global que é a mediatização da justiça nas sociedades abertas, onde a liberdade de imprensa não serve apenas para enfeitar o texto constitucional.

No restrito “brainstorming” a dois deste fim-de-semana em que o badalado caso foi um dos tópicos, pela primeira vez aflorei a possibilidade de acontecer esta absolvição.

Entendemos os dois que seria até  uma das saídas mais inteligentes do próprio poder judicial e que em muito iria credibilizar a imagem da justiça em Angola, dando assim uma resposta demolidora a todos quantos hoje questionam a sua independência face aos desígnios do poder político.

Felizmente que o processo, tendo em conta a essência da acusação, permite que a justiça sem muitas dificuldades balance entre a condenação e a absolvição dos réus, já que os mesmos estão apenas a ser acusados de “actos preparatórios”.

Como já aqui dissemos, a própria indefinição destes “actos” é um pano que dá para fazer todas as mangas possíveis na hora de se ajuizar a questão, pelo que a hipótese de absolvição que aqui avançamos parece-nos que tem grandes possibilidade de ganhar forma, quando o verdadeiro e único Magistrado em toda esta movimentação ouvir toda a gente e tiver que decidir na solidão da sua consciência e independência, naturalmente de acordo com a Lei.

Só que neste caso concreto a própria lei acaba por ser instrumental no sentido que já vimos, tendo em conta a elasticidade do crime de que os jovens são acusados.

Se estivéssemos na América, o Magistrado poderia contar ainda com o concurso de um júri popular que lhe iria retirar dos ombros parte da grande responsabilidade que vai ter a partir do próximo dia 16, num dos julgamentos em Angola que se adivinha que venha a ser o mais seguido de todos os tempos, quer a nível nacional como internacional.

Lamentavelmente este renovar do interesse internacional por Angola no plano mediático vai ser uma vez mais pelas piores razões no mês que o país assinala os 40 anos de independência.

De pouco adiantará agora estarmos a falar de cabalas, de ingerências, de pressões internas e externas e de financiamentos encobertos.

Quem criou o processo, por mais teorias da conspiração que se produzam, foi o próprio Estado angolano, numa altura em que tinha todas as possibilidades e mais algumas de dar um outro tratamento ao assunto, mesmo no âmbito da estratégia que recomenda ser melhor prevenir do que remediar, que ao que parece é aquela que está a ser aplicada.

Mas mais do que o seu impacto na imagem externa de Angola, este processo veio pela primeira vez tirar do conforto do “não te metas” e do “isto não é contigo” muito boa gente que sempre esteve do lado do partido no poder, ou pelo menos nunca o criticou publicamente.

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