Reginaldo Silva - Rede Angola, opinião
Nos
últimos dias o Facebook esteve particularmente animado com um conjunto de
acaloradas e interessantes discussões sobre a separação dos poderes em Angola,
tendo naturalmente como pano de fundo o “processo dos révus” que, como se sabe,
tem o inicio do julgamento marcado para a segunda quinzena deste mês.
Se
tivesse que encontrar um lado positivo em toda esta “pendenga”, não teria
muitas dúvidas em apontar o contraditório debate político-académico que a mesma
tem estado a alimentar como sendo este lado, por estar a permitir ao olhos da
grande opinião pública o aprofundamento de um conjunto de questões
jurídico-constitucionais que até então estavam de algum modo blindadas.
O
destaque destas discussões foi para o esclarecimento do papel que a PGR desempenha
no complexo edifício da administração da Justiça, tendo ficado claro para mim
que o Ministério Público em Angola é parte integrante do poder Executivo, como
acontece nos Estados Unidos, mas não tem as mesmas limitações.
Não
tendo estas barreiras, o MP está à vontade para decidir sobre a liberdade das
pessoas na fase da investigação, o que já não acontece no país do Tio Sam onde
apenas os juízes têm esta competência.
Para
mim, e num país tão politizado/partidarizado como é nosso, onde em matéria de
credibilidade das instituições junto dos cidadãos o seu défice ainda é muito
grande, a questão da privação da liberdade é fundamental devido aos
perigos da sua instrumentalização por quem detém este poder quando ainda nada
está provado e a presunção da inocência é um direito que nos assiste.
Para
sermos mais frontais nesta abordagem diria que em Angola, e no âmbito da acção
penal, o Ministério Público é uma segunda e silenciosa Polícia do Estado a quem
foi conferido aos seus membros o estatuto de magistrados, o que não me parece
ser muito pacifico do ponto de vista da doutrina.
A
hipótese que serve de epígrafe a este texto não foi um dos temas que animou as
referidas discussões, tendo apenas eu e mais uma pessoa que me é próxima
reflectido sobre a mesma durante o fim-de-semana prolongado, depois de já aqui
ter feito as primeiras previsões sobre como é que este caso deverá
terminar.
Fazer
previsões sobre o desfecho de um julgamento não é um exercício fácil, tem
alguns riscos e pode até ser visto como mais uma forma de pressionar o
desempenho do Tribunal.
Concretamente
estamos a viver um momento não muito pacífico da vida nacional, numa altura em
que muito se fala deste tipo de condicionamento que parece-me ser mais virtual
do que real.
Seja
como for, ele já faz parte do novo fenómeno global que é a mediatização da
justiça nas sociedades abertas, onde a liberdade de imprensa não serve apenas
para enfeitar o texto constitucional.
No
restrito “brainstorming” a dois deste fim-de-semana em que o badalado caso foi
um dos tópicos, pela primeira vez aflorei a possibilidade de acontecer esta
absolvição.
Entendemos
os dois que seria até uma das saídas mais inteligentes do próprio poder
judicial e que em muito iria credibilizar a imagem da justiça em Angola, dando
assim uma resposta demolidora a todos quantos hoje questionam a sua
independência face aos desígnios do poder político.
Felizmente
que o processo, tendo em conta a essência da acusação, permite que a justiça
sem muitas dificuldades balance entre a condenação e a absolvição dos réus, já
que os mesmos estão apenas a ser acusados de “actos preparatórios”.
Como
já aqui dissemos, a própria indefinição destes “actos” é um pano que dá para
fazer todas as mangas possíveis na hora de se ajuizar a questão, pelo que a hipótese
de absolvição que aqui avançamos parece-nos que tem grandes possibilidade de
ganhar forma, quando o verdadeiro e único Magistrado em toda esta movimentação
ouvir toda a gente e tiver que decidir na solidão da sua consciência e
independência, naturalmente de acordo com a Lei.
Só
que neste caso concreto a própria lei acaba por ser instrumental no sentido que
já vimos, tendo em conta a elasticidade do crime de que os jovens são acusados.
Se
estivéssemos na América, o Magistrado poderia contar ainda com o concurso de um
júri popular que lhe iria retirar dos ombros parte da grande responsabilidade
que vai ter a partir do próximo dia 16, num dos julgamentos em Angola que se
adivinha que venha a ser o mais seguido de todos os tempos, quer a nível
nacional como internacional.
Lamentavelmente
este renovar do interesse internacional por Angola no plano mediático vai ser
uma vez mais pelas piores razões no mês que o país assinala os 40 anos de
independência.
De
pouco adiantará agora estarmos a falar de cabalas, de ingerências, de pressões
internas e externas e de financiamentos encobertos.
Quem
criou o processo, por mais teorias da conspiração que se produzam, foi o
próprio Estado angolano, numa altura em que tinha todas as possibilidades e
mais algumas de dar um outro tratamento ao assunto, mesmo no âmbito da
estratégia que recomenda ser melhor prevenir do que remediar, que ao que parece
é aquela que está a ser aplicada.
Mas
mais do que o seu impacto na imagem externa de Angola, este processo veio pela
primeira vez tirar do conforto do “não te metas” e do “isto não é contigo”
muito boa gente que sempre esteve do lado do partido no poder, ou pelo menos
nunca o criticou publicamente.
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