Os
jovens ativistas angolanos, que hoje começaram a ser julgados acusados de
prepararem uma rebelião, usaram a sala de audiências para manter o protesto
contra o regime, escrevendo mensagens na roupa e entrando descalços no tribunal.
Os
jovens 'revús', como são conhecidos, foram aplaudidos em plena sala de
audiência e um deles, Benedito Jeremias, usava mesmo uma camisola dos serviços
prisionais, onde se podia ler nas costas: "In dubio pro reo [princípio da
presunção da inocência]".
Tal
como os restantes 14 colegas - mais duas jovens estão acusadas dos mesmos
crimes e ficaram a aguardar o julgamento em liberdade -, Benedito está detido
desde junho, acusado de atos preparatórios para uma rebelião e um atentado ao
Presidente angolano, crime punível com até três anos de prisão e que admite
liberdade provisória.
Vestidos
com a habitual farda dos serviços prisionais, a maior parte dos 15 jovens
chegou à sala de audiência descalço, o que levou o juiz a considerar a atitude
"uma falta de respeito".
Benedito
Jeremias foi o primeiro a explicar-se, dizendo ser uma "forma de
protesto" contra o alegado excesso de prisão preventiva, enquanto Luaty
Beirão, o luso-angolano que esteve em greve de fome durante 36 dias,
acrescentou: "Estivemos cinco meses [tempo em que estão em prisão
preventiva] há espera de botas. Chegaram hoje às 04:00, antes de virmos para
aqui. Já não precisamos".
Antes,
todos aguardaram várias horas no autocarro dos serviços prisionais, no exterior
do edifício do tribunal, em Benfica, arredores de Luanda. Perante uma sala
lotada de familiares, populares e jornalistas, foram distribuídos em dois
grupos e recebidos em palmas, retribuindo sempre com gestos de satisfação e
sorrisos rasgados.
"Esse
poder é do povo", atirou, para todos na sala ouvirem, Sedrick Domingos de
Carvalho, outros dos arguidos.
Todos
os 17 são acusados pelo Ministério Público angolano de preparem uma rebelião e
um golpe de Estado, responsabilizados ainda por prepararem um Governo de
Salvação, lista que a defesa veio esclarecer que não foi preparada pelos
arguidos, mas sim resultou de uma consulta, lançada por outra pessoa, nas redes
sociais.
"Estamos
a falar do exercício do direito à liberdade de expressão e à liberdade
informação. Ou seja, o direito de exprimir e compartilhar livremente os seus
pensamentos, as suas ideias e opiniões pela palavra, pela imagem ou qualquer
outro meio", sublinhou o advogado Luís Nascimento, que defende, em
conjunto com o colega Walter Tondela, dez dos ativistas.
A
própria leitura do despacho de pronúncia, com os nomes que resultaram dessa
alegada votação para o Governo de Salvação, representou um dos momentos
caricatos do julgamento, com o nome de Julino Kulepeteka, líder de uma seita
angolana ilegal (detido desde abril), indicado nessa lista, que serve de base à
acusação, para Presidente da República, bem como membros do grupo de jovens
ativistas e até de advogados de defesa para outros cargos de Governo, perante o
riso generalizado na sala.
David
Mendes, advogado de defesa e um desses 'nomeados', esboçou o sorriso durante
essa leitura, pouco depois de se ter queixado que chega a julgamento sem ter
tido acesso ao processo que vem defender.
"Nós
estamos aqui sem poder apresentar contestação. Como é que vamos contestar isto,
se não tivemos acesso ao processo", afirmou David Mendes, perante o
coletivo de juízes.
Enquanto
isso, nas costas de Benedito Jeremias podia ainda ler-se: "Nenhuma
ditadura impedirá o avanço de uma sociedade para sempre".
Apesar
de várias dúvidas nos últimos dias, o julgamento destes ativistas arrancou
mesmo hoje e tem sessões diárias agendadas até sexta-feira.
PVJ//
PJA – Lusa – foto Ampe Rogério Rede Angola
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