Tal
como lhe competia perante tão perigosos terroristas e seus apoiantes, a polícia
do regime de Eduardo dos Santos carregou hoje sob alguns manifestantes que se
concentraram à porta do tribunal de Benfica, nos arredores de Luanda,
defendendo a libertação dos activistas que hoje começaram a ser meros
figurantes nesta farsa.
Orlando
Castro – Folha 8, opinião
Luaty
Beirão definiu com extrema precisão o que se passa ao dizer: “Vai acontecer o
que José Eduardo decidir. Tudo aqui é um teatro, a gente conhece e sabe bem
como funciona. Por mais argumentos que se esgrimam aqui e por mais que fique
difícil de provar esta fantochada, se assim se decidir seremos condenados. E
nós estamos mentalizados para a condenação”.
O
incidente com a Polícia Nacional do regime deu-se cerca das 10 horas, à porta
do tribunal, quando os manifestantes gritavam e empunhavam cartazes com apelos
de “liberdade, já” para os activistas acusados de actos preparatórios para uma
rebelião e um atentado contra o Presidente angolano, no poder há 36 anos se
nunca ter sido nominalmente eleito.
Um
dos manifestantes foi ferido na intervenção da Polícia a cavalo e teve de ser
retirado do local, para ser assistido.
Em
simultâneo, realizava-se no local uma outra manifestação, com os integrantes do
regime a gritarem palavras de ordem como “justiça sim, sem pressão” e “Portugal
tira o pé de Angola”, retomando as críticas das autoridades do regime à alegada
“ingerência externa” neste caso.
Não
foi, contudo, detectado nenhum cartaz a citar o embaixador itinerante do
regime, Luvualu de Carvalho, do tipo “NATO tira o pé do reino de Eduardo dos
Santos”. Ou “Angola não é a Tunísia”.
Este
processo teatral, mascarado de julgamento, é visto internacionalmente – mas
também pela sociedade angolana que pensa pela própria cabeça – como um teste à
separação de poderes e ao exercício de direitos como a liberdade de expressão e
reunião em Angola.
Separação
de poderes? Está-se mesmo a ver, não está? É vidente que ela existe. Não nos
custa reconhecer. No MPLA manda o seu Presidente (José Eduardo dos Santos), no
Governo manda o Titular do Poder Executivo (José Eduardo dos Santos), e no país
manda o Presidente da República (José Eduardo dos Santos). Querem melhor
separação de poderes?
A
farsa da separação de poderes foi, aliás, o argumento utilizado na primeira
intervenção no julgamento pelos advogados de defesa, depois de lida a acusação
do Ministério Público do regime, e o despacho de pronúncia.
Os
17 activistas – dos quais 15 estão em prisão preventiva – estão todos acusados,
entre outros crimes menores, da co-autoria material de um crime de actos
preparatórios para uma rebelião e de um atentado contra o Presidente de Angola,
no âmbito de um curso de formação semanal que decorria desde Maio.
Na
altura das detenções, estes jovens activistas realizavam já a sexta sessão
desta formação, em que analisavam um livro sobre a forma de derrotar,
pacificamente, uma ditadura. Não se sabe se essas sessões eram acompanhadas por
agentes secretos da NATO. Mas tudo indica que sim. É só perguntar a Luvualu de
Carvalho.
A
comunidade internacional e várias organizações de defesa dos direitos humanos
têm apelado à libertação dos 15 jovens que se encontram em prisão preventiva,
com o Governo a rejeitar o que diz ser “uma pressão” e “ingerência estrangeira”
nos assuntos internos.
De
facto o regime tem de se impor. As “pressões” e “ingerências externas” seriam
toleráveis se partissem de países com autoridade democrática, moral e ética
para o fazer. São disso exemplos a Coreia do Norte, o Zimbabué e a
Guiné-Equatorial. Não é o caso.
O
caso ganhou proporções internacionais depois de Luaty Beirão ter realizado uma
greve de fome, que se prolongou por 36 dias, obrigando à sua transferência da
cadeia para uma clínica privada de Luanda, denunciando o excesso de prisão
preventiva, exigindo aguardar julgamento em liberdade.
A
pretensão acabou por não ser atendida, apesar dos sistemáticos apelos da
comunidade internacional, nomeadamente com vigílias em várias cidades do mundo,
sobretudo em Portugal, o mesmo acontecendo com os recursos apresentados pela
defesa (um indeferido e alvo de recurso para o Tribunal Constitucional, outro
que será decidido quando o regime quiser).
Os
17 arguidos são estudantes, professores, engenheiros, jornalistas e até um
militar da Força Aérea angolana, e têm idades entre os 18 e os 33 anos.
Os
próximos episódios da peça decorrem todos os dias até sexta-feira. Dado o êxito
da primeira sessão, é provável que a peça seja reposta.
Foto:
EPA / Paulo Julião
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