Os
ataques terroristas perpetrados pelo Estado Islâmico, em Paris, são abomináveis
e medonhos.
Ataques
massivos e aleatórios contra alvos civis, fora de qualquer cenário bélico,
constituem regressão inaceitável diante dos acordos contra a barbárie forjados
no século XX.
A
resposta mundial a estes crimes não pode ser outra além de repulsa a seus
autores e solidariedade às vítimas.
Mas
esta atitude, de condenação a ações armadas contra homens e mulheres inocentes,
não deve se confundir com aplausos ao presidente François Hollande e seus
aliados.
Tampouco
seria apropriado sua absorção pelo discurso do choque de civilizações,
incessantemente repetido por meios de comunicação em todos os recantos.
Este
palavrório sobre confronto de valores, entre democracia e terror, não passa de
artifício para esconder o ovo da serpente.
A
crescente violência entre os povos muçulmanos, muitas vezes banhada pelo
desespero e a loucura social, somente pode ser explicada pela ação permanente
de rapina das potências ocidentais.
A
origem da dor dos franceses não está no islamismo, mas nos Estados dominados
pela vertente imperialista da cultura cristã, onde nasceu o colonialismo como
sistema afrontoso à autodeterminação dos povos.
O
colapso da União Soviética, no final dos anos oitenta, levou os Estados Unidos
à conclusão de que poderia desfechar ampla ofensiva pelo controle do Oriente
Médio e suas riquezas petroleiras.
Esta
estratégia, ao menos até 2001, estava determinada pela construção de uma nova
aliança com governos árabes, protegendo os interesses de Israel e isolando
lideranças indispostas à hegemonia da Casa Branca.
Não
havia espaço, em tal configuração, para movimentos islâmicos que tinham sido
estimulados para enfrentar os soviéticos no Afeganistão, pois eram profundas
suas contradições com as forças que governavam os principais países de maioria
muçulmana.
Estes
grupos rapidamente se deslocaram para uma narrativa antiocidental e religiosa,
pela qual alinhavam sua identidade com os setores populares, em confronto com a
coalizão formada pelos Estados Unidos, as elites locais e o Estado sionista.
Neste
caldo de cultura nasceu a Al Qaeda de Bin Laden e outras organizações
jihadistas.
A
derrubada das torres nova-iorquinas, no entanto, mudou o cenário.
O
comando norte-americano trocou a orientação aliancista por fórmula abertamente
intervencionista, ao invadir Afeganistão e Iraque, impondo governos títeres e
ampliando sua participação direta na região.
Ataques
contra população civil, atropelos de direitos humanos e desrespeitos a garantias
legais foram se multiplicando em escalada, como parte da chamada guerra ao
terror.
Mesmo
enfrentando problemas, com idas e vindas, a estratégia seguiu seu curso,
buscando levar, à direção dos Estados árabes, frações políticas e econômicas
visceralmente alinhadas ao ocidente.
Sem
mexer um dedo para desmontar o apartheid sionista e solucionar a questão
palestina, a Casa Branca e seus parceiros foram submetendo o mundo muçulmano,
do Egito ao Irã, a operações de cerco e asfixia.
O
ápice desta orientação veio com a derrubada de Muammar Al-Gaddafi, na Líbia, e
o encurralamento do governo de Bashar al-Assad, da Síria.
O
papel da França, nestas operações, liderada por conservadores ou
sociais-democratas, foi decisivo.
Ao
lado dos Estados Unidos e outros países, alimentou vasta fauna de falanges
oposicionistas, com recursos financeiros e militares, entre estas o Estado
Islâmico.
Cada
uma das potências buscava, na medida das possibilidades, alargar seu domínio
sobre territórios de formidável riqueza ou enclaves fundamentais para o
controle geopolítico.
Ao
perderem o poder sobre suas criaturas, empoderadas para representar seus
próprios interesses, foram surpreendidos pela necessidade de combate-las antes
que levassem à desestabilização da presença ocidental no Oriente Médio.
Os
jacarés criados no tanque da política neocolonial tinham crescido e ameaçavam
comer a mão dos antigos donos.
O
presidente francês agora chora pelos mortos e promete mais uma guerra
implacável contra o jihadismo.
Pura
hipocrisia.
Enquanto
seu governo e a União Europeia estiverem capturados pela velha lógica
imperialista, depois de uma Al Qaeda sempre virá um Estado Islâmico, que será
sucedido por alguma expressão ainda mais descontrolada e selvagem de violência
anticolonial.
As
lágrimas de Hollande são de crocodilo.
Aproveita
o sangue vertido em solo francês para aprofundar a mesma política de usurpação
que levou à tragédia atual.
*Opera
Mundi
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