Pedro
Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião
Na
hipocrisia dos formalismos, dir-se-ia que ganhou o presidente da República, ao
estender o calendário político até ao limite do suportável. Cavaco Silva pediu
compromissos aparentemente redundantes a António Costa antes de lhe oferecer a
cadeira do poder, portando-se como o professor que manda o aluno apagar a
composição e fazer uma letra redondinha, e o secretário-geral socialista
respondeu-lhe com um "copy-paste" do programa eleitoral. Cinquenta
dias depois das eleições, sobra, da solenidade das mais de duas dezenas de
visitas ao Palácio de Belém, esta pequena bizarria: para aceitar o novo
primeiro-ministro, o presidente da República fez-lhe perguntas para as quais já
sabia as respostas (não incluímos aqui a garantia da estabilidade do sistema
financeiro, missão que não está ao alcance do humano António Costa). E porquê?
Por uma única razão: Cavaco ambiciona ser lembrado pela pertinência da sua
teimosia. Como o presidente que avisou e não como o presidente que atrapalhou.
Além do mais, não lhe restava, objetivamente, outra alternativa.
Não
devemos, porém, dramatizar em excesso os contornos deste braço de ferro, cujo
prazo de validade terminou (assim o esperamos) ontem. Provavelmente, esta foi
apenas a consequência natural de termos um país político reconfigurado que
carecia de tempo para encaixar as peças nos novos lugares. O momento, agora, é
de olhar em frente, de fazer o que todos esperamos de um Governo: que governe,
melhor ou pior, mas que governe. Portugal precisa rapidamente de regressar à
normalidade. Não só os problemas de fundo que nos tiram o sono não
desapareceram nestes 50 dias de batalha verbal, como novas dores de cabeça nos
foram infligidas. A economia já não está só refém da austeridade. Tem de
contar, também, com o terrorismo.
A
rapidez com que António Costa apresentou o XXI Governo pode ser um primeiro
sinal da perceção dessa urgência. Os 17 ministros que formam a equipa do líder
socialista resultam numa mescla entre experiência política e ousadia política.
A um núcleo duro onde pontuam Augusto Santos Silva (Negócios Estrangeiros) e
Vieira da Silva (Segurança Social) somam-se surpresas como Francisca Van Dunem
(Justiça) e Azeredo Lopes (Defesa). Costa está consciente de que, na atual
conjuntura político-partidária, só haverá espaço para espíritos reformistas se
houver quem tenha compleição para aplacar os golpes de uma Direita que já
avisou para não contarem com ela para nada.
Esta
é a fase em que o discurso político bate de frente com a realidade. Boa sorte
para António Costa. Bem precisamos.
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