quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Portugal. DEIXEM-NOS TRABALHAR



Pedro Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião

Na hipocrisia dos formalismos, dir-se-ia que ganhou o presidente da República, ao estender o calendário político até ao limite do suportável. Cavaco Silva pediu compromissos aparentemente redundantes a António Costa antes de lhe oferecer a cadeira do poder, portando-se como o professor que manda o aluno apagar a composição e fazer uma letra redondinha, e o secretário-geral socialista respondeu-lhe com um "copy-paste" do programa eleitoral. Cinquenta dias depois das eleições, sobra, da solenidade das mais de duas dezenas de visitas ao Palácio de Belém, esta pequena bizarria: para aceitar o novo primeiro-ministro, o presidente da República fez-lhe perguntas para as quais já sabia as respostas (não incluímos aqui a garantia da estabilidade do sistema financeiro, missão que não está ao alcance do humano António Costa). E porquê? Por uma única razão: Cavaco ambiciona ser lembrado pela pertinência da sua teimosia. Como o presidente que avisou e não como o presidente que atrapalhou. Além do mais, não lhe restava, objetivamente, outra alternativa.

Não devemos, porém, dramatizar em excesso os contornos deste braço de ferro, cujo prazo de validade terminou (assim o esperamos) ontem. Provavelmente, esta foi apenas a consequência natural de termos um país político reconfigurado que carecia de tempo para encaixar as peças nos novos lugares. O momento, agora, é de olhar em frente, de fazer o que todos esperamos de um Governo: que governe, melhor ou pior, mas que governe. Portugal precisa rapidamente de regressar à normalidade. Não só os problemas de fundo que nos tiram o sono não desapareceram nestes 50 dias de batalha verbal, como novas dores de cabeça nos foram infligidas. A economia já não está só refém da austeridade. Tem de contar, também, com o terrorismo.

A rapidez com que António Costa apresentou o XXI Governo pode ser um primeiro sinal da perceção dessa urgência. Os 17 ministros que formam a equipa do líder socialista resultam numa mescla entre experiência política e ousadia política. A um núcleo duro onde pontuam Augusto Santos Silva (Negócios Estrangeiros) e Vieira da Silva (Segurança Social) somam-se surpresas como Francisca Van Dunem (Justiça) e Azeredo Lopes (Defesa). Costa está consciente de que, na atual conjuntura político-partidária, só haverá espaço para espíritos reformistas se houver quem tenha compleição para aplacar os golpes de uma Direita que já avisou para não contarem com ela para nada.

Esta é a fase em que o discurso político bate de frente com a realidade. Boa sorte para António Costa. Bem precisamos.

Sem comentários:

Mais lidas da semana