Isabel
Moreira – Expresso, opinião
Quem
está atento, de boa-fé, ao que vem sucedendo desde o dia das eleições até ao
dia presente, não pode deixar de reconhecer três coisas:
1)
A direita entrou em pânico e tentou gerar o pânico perante uma realidade
politicamente nova absolutamente legítima;
2)
A estratégia dos defensores da “impossibilidade por direito divino” de um
governo de esquerda validado no parlamento passou por revisões da história, por
revogações do direito constitucional vigente e pela pura mentira;
3)
Dos cenários iniciais catastrofistas fomos vendo recuos por parte de vários
intervenientes e comentadores, que se aperceberam que fantasmas inexistentes
não colam e que, mais tarde, ficariam com uma mancha no seu curriculum
cerebral.
Ainda
assim, há quem insista, admito, pela cegueira do espírito de combate em dizer
“coisas”.
Diz-se
que é falso que os partidos à esquerda do PS foram alvo de ataques
antidemocráticos ao longo da vida parlamentar.
Não
é falso. Basta revisitar a última legislatura. O PSD e CDS recorrentemente não
respondem a questões relevantes para o debate da vida política colocadas pelo
PCP: por exemplo sobre a função pública, por exemplo sobre os professores, por
exemplo sobre tudo. PSD e CDS vão dando risadas e falando a despropósito na
Coreia do Norte. É diariamente penoso ver um partido inserido no nosso sistema
democrático, um partido português, com deputados eleitos em Portugal, ser alvo
de chacota sem sentido que, não só impede o debate sério das questões
levantadas, como pretende deslegitimar a intervenção parlamentar daquele
partido.
De
resto, é exatamente por isso, é exatamente por a direita - e outras ilhas -
recordadíssima de 1975 e amnésica em relação a 2015, que se faz passar sem
sucesso a tese de que há uma pretensa história que renega a modernidade da coligação
de esquerda, essa que inevitavelmente formará governo.
É
exatamente por isso que se faz por ignorar que a história não se faz com o
feito mas com o que se vai fazendo e com o que vai acontecendo; melhor – com o
que nos é exigido.
É
exatamente por isso que gente recordadíssima de 1975 e amnésica em relação a
2015 insiste no dia 29 de Setembro do presente ano em elencar ideologias e não
programas de governo, em contar a história política portuguesa diabolizando a
esquerda que não fez as escolhas que os amnésicos fizeram, como se terem feito
essas escolhas não tivesse sido democrático. Como se à esquerda nada se
perdoasse – neste maravilhoso novo mundo de análise moral - e o CDS ter votado
contra a primeira Constituição democrática (ao contrário do PPD, do PS e do
PCP!) e formado governo dois anos depois ou ter votado contra Maastricht ser,
em desigualdade, o regular funcionamento da democracia.
A
grande escolha eleitoral de outubro foi entre a continuidade ou o virar de
página da austeridade selvagem. A grande escolha eleitoral de outubro foi entre
programas de governo que sustentavam a retoma pós-eleitoral da política de
cortes cegos e os que sustentavam a valorização do Estado-social, do trabalho,
dos salários e das pensões.
Insistir,
perante um quadro parlamentar que resulta da escolha clara pela viragem de
página da austeridade que o que está em causa é 1975, opções passadas de
partidos (mas só os da esquerda), ideologias dos partidos, isso sim é o pior e
mais baixo estalinismo prático que nunca vi inscrito no programa ou na prática
de qualquer partido político com assento parlamentar.
Não
impressiona que tal extremismo venha de uma súbita superioridade moral e de
privilégio do poder de uma direita e de um centro derrubados nas urnas.
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