José
Soeiro – Expresso, opinião (ontem)
Será
tornado público nos próximos dias o resultado das negociações que têm existido
entre o PS, o Bloco e a CDU. A possibilidade concreta de uma alternativa tem
hoje força, raízes firmes e é sentida por milhões de pessoas. Por várias razões.
A
primeira é a necessidade de respirar de novo
Para
quem sofreu com a austeridade nos últimos anos, perdeu salário e parte das suas
pensões, viu os rendimentos minguar, se debateu com encerramentos de serviços
públicos e assistiu a negociatas que foram vendendo o país aos privados, para
quem se viu forçado a emigrar ou andou a penar em estágios e trabalhos
temporários, a possibilidade de romper este ciclo de empobrecimento é a
garantia de que a vida não tem de ser sempre a perder. Para quem tem assistido
às nomeações de última hora, às declarações dos ministros nos últimos dias, às
garantias de que os cortes são para continuar ao mesmo tempo que se mantêm os
privilégios, vermo-nos livres disto, e rápido, é uma condição para se poder
respirar de novo.
A
segunda razão é a vida e ter condições para vivê-la
A
solução que tem vindo a ser negociada não será nenhum milagre. Não será o que o
Bloco faria se fosse governo. Não será o que a CDU faria se fosse Governo. E
será diferente, para melhor, do que o PS faria se fosse Governo sozinho.
Resulta da aproximação de posições com um objetivo básico: recuperar
rendimentos e o valor do salário, descongelar pensões, inverter a precarização
do trabalho, proteger os serviços públicos e anular as concessões aos privados.
É um pequeno passo? Sim. Mas é um pequeno passo de gigante. Hoje, o peso da
Esquerda é capaz de condicionar o centro. E isso significa uma coisa simples:
dentro de constrangimentos europeus que devem ser debatidos e criticados, a
possibilidade de inverter a distribuição de riqueza a favor de quem trabalha e
de quem é pobre é já virar a austeridade ao contrário. Depois de décadas em que
o centro foi o seguro de vida da direita – ou seja, o ventríloquo das suas
soluções – a Esquerda é garantia de emprego, salários e pensões.
A
terceira razão é a esperança
Ter
uma maioria no Parlamento não é necessariamente ter o poder. Olhemos à nossa
volta: uma parte significativa dos poderes que mandam não se sujeitam a
eleições. As instituições europeias e as agências de rating, o sistema
financeiro e os donos disto tudo, os comentadores que moldam a opinião e nos
dizem o que pensar – nenhum desses poderes é eleito, mas cada um à sua maneira
dita regras, usa da chantagem e procura conformar-nos ao que existe. Hoje, a
possibilidade de uma maioria política que os desafie é a abertura de uma
brecha. Abri-la é impedir a continuação do mesmo – e o peso da desmoralização
que isso necessariamente acarretaria. Também por isso, abrir esta brecha é um
convite à ação, muito para além dos partidos.
Os
melhores momentos das esquerdas políticas e sociais sempre resultaram da
capacidade de combinar três ingredientes: soluções concretas para agora;
experiências de produção e de vida em comum que se subtraem à lógica sem regras
do mercado e da competição; e a luta por uma ordem social diferente da que
existe. Um Governo alternativo não fará isso tudo. Mas mostrará que não estamos
condenados a sofrer com o presente em vez de transformá-lo. Para quem acha que
a emancipação é uma prática concreta, aí está uma razão funda que o coração
conhece.
Sem comentários:
Enviar um comentário