Rui
Verde*
A
bilionária Isabel dos Santos tem a sua fortuna dependente do poder do pai
A
resposta imediata será o julgamento – ou a farsa que envolve o suposto
julgamento – dos 15 + 2. Mas, embora este seja um assunto importante para os
jovens, que foram abusivamente encarcerados, para as suas famílias e para
todos os defensores dos direitos fundamentais e da democracia, na verdade, e
infelizmente, não é o assunto mais importante em Angola.
Até
certo ponto, é possível imaginar que o processo dos 15 + 2 constitui uma
manobra de diversão levados a cabo pelos espertos dirigentes, formados na escola
marxista-leninista, e que por isso sabem não haver nada melhor do que uma nuvem
de fumo bem espessa para distrair os incautos. Enquanto se vê a peça de teatro
mal encenada no tribunal, perde-se o fio à realidade. Os dirigentes devem
pensar, tal como Maria Antonieta, rainha de França, que para acalmar a população
bastará distribuir uns bolos ou, melhor, umas cervejas como é de costume.
Ora,
o assunto mais importante em Angola é o estrondoso despiste
económico-financeiro do Estado ligado às aventuras bilionárias da filha
princesa. Todos os dias chegam relatos de falta de liquidez, de dificuldades de
liquidez, ao mesmo tempo que todos os dias chegam relatos do lago de riqueza
em que Isabel dos Santos se banha. Trata-se de duas realidades não compagináveis
e que constituem o maior problema angolano e de todos os parceiros internacionais
que tenham relações com Angola. De resto, as duas realidades estão intimamente
ligadas.
Vários
especialistas jurídicos a nível internacional já se aperceberam de que a situação
jurídica de quem faz contratos com Isabel dos Santos pode ser muito
periclitante. Veja-se o presente caso da EFACEC. Se se comprovar que a
intervenção que o presidente pai teve no negócio, ao facultar fundos à filha,
constitui uma violação da lei, seja da lei constitucional, seja da lei
administrativa ou mesmo da lei criminal, isso quer dizer que os contratos
assinados por Isabel dos Santos não têm validade completa, uma vez que o seu objecto
pode ser em parte contrário à lei e à ordem pública, como determinam os
números 1 e 2 do artigo 280.º do Código Civil.
Um
contrato de compra e venda tem como objecto determinada coisa ou direito e é
fonte de duas obrigações: a obrigação de entregar a coisa ou direito e a
obrigação de pagar o preço. Em termos doutrinários, este contrato tem dois
objectos: a coisa ou direito transaccionada e o dinheiro para pagamento.
Portanto, se se verificar alguma origem ilícita do dinheiro utilizado no
contrato – sobretudo tendo em conta que Isabel dos Santos é uma PEP («Pessoa
Exposta Politicamente»), o que tem óbvias implicações na ordem pública internacional
e obriga à tomada de medidas cautelares mais intensas que o habitual –, então
poder-se-ão considerar nulos os contratos que esta subscreve e em que paga
determinada quantia eventualmente com dinheiro proveniente de fontes não
lícitas.
Se
os contratos são nulos, então podem ser revogados a qualquer momento, devendo
ser devolvido tudo o que tiver sido prestado.
Este
é o ponto essencial a anotar para a segurança jurídica dos contratos que estão
a ser efectuados: podem ser inválidos, e um dia tudo pode voltar ao zero.
Em
bom português: os contratos assinados por Isabel dos Santos podem não valer
nada.
*Doutor
em Direito
Folha
8 digital
Sem comentários:
Enviar um comentário