João
Gonçalves – Jornal de Notícias, opinião
Prosélitos
de extracção variada andam preocupados com as desventuras de uma coisa a que
chamam "centro". O "centro" andaria desaparecido. Sobretudo
nos antecedentes e no lastro das eleições legislativas. Ora porque António
Costa o desfez ao acabar com a mitologia do "arco da governação",
encostando-o à sua esquerda, ora porque Passos Coelho e Paulo Portas
representariam a "direita radical". E teriam esvaziado esse magnífico
"centro". A lamechice é perpetrada com propósitos óbvios, quase
sempre pelo mesmo coro de órfãos e órfãs do "centrão" da política e
da maquinaria inerme do regime. Acontece que o "centro" é uma ficção
utilitarista do activo comunicacional e da aposentadoria política prospectiva,
usada para desgastar as "situações" internas partidárias. De um lado,
para "obrigar" Costa a "pedir a mão" que ele manifestamente
não tenciona pedir. Do outro, para "cortar" a putativa mão de Passos
se ele agora decidisse "ir à vida" sozinho.
De
resto, é contar pelos dedos da dita mão as vezes que o "centro"
decidiu o poder no regime por se ter colocado contra quem se colocou. Em 1976,
contra os resquícios revolucionários, elegeu Eanes. Em 1979, contra o
"país das maravilhas" que só existia na cabeça do dr. Soares,
escolheu a Aliança Democrática. Em 1987, contra o alvoroço "eanista"
do PRD e contra a pusilanimidade de Constâncio, confiou-se a Cavaco. Antes, em
1986, permitiu que Soares fosse à segunda volta depois de ajudá-lo a derrotar
Zenha.
Neste
século, o "centro" apenas consentiu um poder absoluto: o primeiro de
Sócrates. É claro que elegeu Cavaco duas vezes tal como irá eleger, em Janeiro,
Marcelo Rebelo de Sousa. Vai ser a última. Porque o que Costa percebeu melhor
do que ninguém foi que a retórica do "centro" esvaíra-se. Ignorou-a
quando viu que ia perder e instaurou, com sucesso, a dicotomia
"esquerda-direita", ou melhor, esquerdas e direitas. Daqui em diante,
e não é preciso ir buscar Alain para isso, quem não se afirmar das esquerdas é das
direitas. E não vem mal ao Mundo por tal circunstância aparentemente ominosa.
Salvo os candidatos presidenciais que, neste sistema de meias-tintas semi
qualquer coisa, são obrigados a reclamar-se "de todos os portugueses"
para chegar a Belém. Ao menos que estas provações outonais de 2015 tenham
servido para chamar o nome às coisas. Longa vida, pois, às esquerdas e às
direitas. O "centro", tal como o papagueiam, acabou.
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