domingo, 13 de dezembro de 2015

Portugal. PARA UM NOVO CICLO



Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

Portugal pode viver um novo ciclo político. Os compromissos que no Parlamento e perante a sociedade portuguesa sustentam o Governo, são profundamente inovadores pela sua abrangência social, cultural e política, e já produziram efeitos que se hão de repercutir no futuro, mas isso não assegura por si esse novo ciclo. É preciso que o Governo consiga dar passos iniciais seguros e, por outro lado, que o Partido Socialista e os partidos à sua esquerda atuem concertadamente no sentido de repor equilíbrios de poder em órgãos e instituições do Estado que influenciam muito toda a "governação" do país.

Em democracia o poder é partilhado e não deve, nem pode, haver lugar a saneamentos políticos. Contudo, se não houver sintonia entre a responsabilidade que é atribuída e a responsabilização que se possa fazer no exercício do poder, o jogo fica viciado. É com os partidos que dão o apoio parlamentar ao seu Governo que o Partido Socialista tem de trabalhar a base do reequilíbrio de poderes. Isso não anula o diálogo com a Direita, nem afastamento desta relativamente às representações a que tem direito na partilha democrática do poder. Já aqui escrevi que está em marcha a organização de contrapoderes por parte da Direita, que tudo fará para derrubar o Governo o mais rapidamente possível. E não se pode colocar a raposa a guardar a capoeira.

O que se vier a passar na reformulação da composição do Conselho de Estado, do Conselho Superior da Magistratura ou, ainda, as escolhas para Provedor de Justiça e para a presidência do Conselho Económico e Social podem dar-nos sinais concretos quanto à existência ou não de condições para que o novo ciclo político vingue. Infelizmente há uma parte do Partido Socialista que está tão viciada na velha vivência do "arco da governação" que a privilegiará face à partilha democrática que se exige.

O primeiro-ministro tem tido pronunciamentos de interesse sobre a Concertação Social. Espera-se que esses sinais tenham concretização e convirjam com medidas em outros campos da ação governativa e que esta, no seu todo, seja acompanhada por decisões no Parlamento que vão dando corpo a necessárias mudanças. É importante, até no plano simbólico, que a atualização do salário mínimo nacional (SMN) seja definida até ao final do ano e entre em vigor a 1 de janeiro de 2016. Se essa decisão desencadear um novo processo de negociação sobre outras matérias não há problema, desde que, à partida, fique claro que não será permitido, a setores patronais insaciáveis, virem a receber um porco em troca de uma pequena chouriça que agora lhes é pedida.

No plano social e económico é indispensável trabalhar de forma simultânea e articulada em sete núcleos de políticas: i) fazer retroceder a transferência de rendimentos e de poder do trabalho para o capital, o que abarca matérias que vão desde a atualização do SMN até medidas de combate à precariedade, à recuperação de feriados, entre muitas outras; ii) revitalizar a negociação coletiva, sob pena de o SMN passar a salário nacional e de não se discutirem seriamente mecanismos e práticas laborais (com respetivas contrapartidas) para o aumento da produtividade; iii) travar a progressiva remercantilização das relações laborais a que se vem assistindo nos últimos anos, processo que, em parte, pode ser assegurado pela via da contratação coletiva, mas imporá também algumas revisões cirúrgicas da legislação laboral; iv) travar, e em alguns casos fazer retroceder, privatizações de serviços públicos - a este propósito há que dizer que os transportes públicos são importantes porque numa sociedade desenvolvida eles constituem, em particular nas grandes cidades, um instrumento fornecedor de direitos sociais fundamentais; v) libertar recursos, facilitar meios e práticas que favoreçam o investimento privado, mas também o público; vi) adotar medidas nas áreas do ensino, da saúde, da justiça e da proteção social que impeçam que as políticas de emergência adotadas em nome da crise passem à normalidade; vii) favorecer o investimento no conhecimento e na real modernização das empresas e da Administração Pública.

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