Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Portugal
pode viver um novo ciclo político. Os compromissos que no Parlamento e perante
a sociedade portuguesa sustentam o Governo, são profundamente inovadores pela
sua abrangência social, cultural e política, e já produziram efeitos que se hão
de repercutir no futuro, mas isso não assegura por si esse novo ciclo. É
preciso que o Governo consiga dar passos iniciais seguros e, por outro lado,
que o Partido Socialista e os partidos à sua esquerda atuem concertadamente no
sentido de repor equilíbrios de poder em órgãos e instituições do Estado que
influenciam muito toda a "governação" do país.
Em
democracia o poder é partilhado e não deve, nem pode, haver lugar a saneamentos
políticos. Contudo, se não houver sintonia entre a responsabilidade que é
atribuída e a responsabilização que se possa fazer no exercício do poder, o
jogo fica viciado. É com os partidos que dão o apoio parlamentar ao seu Governo
que o Partido Socialista tem de trabalhar a base do reequilíbrio de poderes.
Isso não anula o diálogo com a Direita, nem afastamento desta relativamente às
representações a que tem direito na partilha democrática do poder. Já aqui
escrevi que está em marcha a organização de contrapoderes por parte da Direita,
que tudo fará para derrubar o Governo o mais rapidamente possível. E não se
pode colocar a raposa a guardar a capoeira.
O
que se vier a passar na reformulação da composição do Conselho de Estado, do
Conselho Superior da Magistratura ou, ainda, as escolhas para Provedor de
Justiça e para a presidência do Conselho Económico e Social podem dar-nos
sinais concretos quanto à existência ou não de condições para que o novo ciclo
político vingue. Infelizmente há uma parte do Partido Socialista que está tão
viciada na velha vivência do "arco da governação" que a privilegiará
face à partilha democrática que se exige.
O
primeiro-ministro tem tido pronunciamentos de interesse sobre a Concertação
Social. Espera-se que esses sinais tenham concretização e convirjam com medidas
em outros campos da ação governativa e que esta, no seu todo, seja acompanhada
por decisões no Parlamento que vão dando corpo a necessárias mudanças. É
importante, até no plano simbólico, que a atualização do salário mínimo
nacional (SMN) seja definida até ao final do ano e entre em vigor a 1 de
janeiro de 2016. Se essa decisão desencadear um novo processo de negociação
sobre outras matérias não há problema, desde que, à partida, fique claro que
não será permitido, a setores patronais insaciáveis, virem a receber um porco
em troca de uma pequena chouriça que agora lhes é pedida.
No
plano social e económico é indispensável trabalhar de forma simultânea e
articulada em sete núcleos de políticas: i) fazer retroceder a transferência de
rendimentos e de poder do trabalho para o capital, o que abarca matérias que vão
desde a atualização do SMN até medidas de combate à precariedade, à recuperação
de feriados, entre muitas outras; ii) revitalizar a negociação coletiva, sob
pena de o SMN passar a salário nacional e de não se discutirem seriamente
mecanismos e práticas laborais (com respetivas contrapartidas) para o aumento
da produtividade; iii) travar a progressiva remercantilização das relações
laborais a que se vem assistindo nos últimos anos, processo que, em parte, pode
ser assegurado pela via da contratação coletiva, mas imporá também algumas
revisões cirúrgicas da legislação laboral; iv) travar, e em alguns casos fazer
retroceder, privatizações de serviços públicos - a este propósito há que dizer
que os transportes públicos são importantes porque numa sociedade desenvolvida
eles constituem, em particular nas grandes cidades, um instrumento fornecedor
de direitos sociais fundamentais; v) libertar recursos, facilitar meios e
práticas que favoreçam o investimento privado, mas também o público; vi) adotar
medidas nas áreas do ensino, da saúde, da justiça e da proteção social que
impeçam que as políticas de emergência adotadas em nome da crise passem à
normalidade; vii) favorecer o investimento no conhecimento e na real
modernização das empresas e da Administração Pública.
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