Nota
prévia. Este texto de Eugénio Costa Almeida, um dos mais reputados
especialistas em questões africanas, data de 26 de Setembro de 2005 e foi
publicado no Notícias Lusófonas. A questão do terrorismo, também em África (ver
o mais recente caso do ataque a um hotel em Ouagadougou, capital do Burkina
Faso), é mais do que actual, como é há muito conhecida. Daí a importância deste
texto.
“Aquestão
islâmica tem sido largamente debatida em Angola, havendo quem questione das
vantagens do aparecimento e proliferação de mesquitas em Luanda e em algumas
outras cidades angolanas
O
Semanário Angolenese (SA), sob o título ”As pegadas de Al Qaeda em Angola” traz
na primeira página como Manchete a passagem e, ou, fixação de elementos ligados
à Al Qaeda em Angola, nos últimos anos, em grande parte devido não só à sua
extensa e vulnerável fronteira nacional mas também por causa na aproximação,
cada vez maior – e compreensível e desejável – aos norte-americanos e ao mundo
ocidental.
De
certa forma na linha do que uma investigação do Notícias Lusófonas que, em
Fevereiro 2003, titulava em Manchete: “Iraque e Al-Qaida recrutam mercenários
em todo o lado”, alertando para o recrutamento de angolanos e portugueses por
pessoas afectas a Saddam Hussen e Bin Laden para a elaboração de “alguns
serviços” e “levar algumas encomendas para pontos estratégicos da Europa”. Mas
não é só Angola onde os fundamentalistas islâmicos estão sedeados.
Este
semanário relembra, ainda, as células fundamentalistas descobertas em países
como Argélia, Chade, República Democrática do Congo, Djibouti, Egipto,
Guiné-Bissau, República da Guiné-Conacry, Líbia, Mali, Mauritânia, Nigéria,
Somália, Sudão, Tanzânia e Tunísia.
Relativamente
à Somália, o Diário de Notícias, na edição de domingo de 25 de Setembro passado,
refere que 7 elementos terão sido detidos na auto-proclamada República
Somalilândia (no Norte do país) e que outros dois suspeitos estarão em fuga
algures na localidade de Hargeisa, a auto-proclamada capital.
Ainda
segundo o SA, alguns dos eventuais elementos suspeitos de pertencerem a Al
Qaeda, embora de ascendência árabe, são de nacionalidade brasileira e paraguaia
e estarão ligados às redes do narcotráfico.
De
notar que, ultimamente, a questão islâmica tem sido largamente debatida em
Angola, havendo quem questione das vantagens do aparecimento e proliferação de
mesquitas em Luanda e em algumas outras cidades angolanas.
Todavia,
o bispo emérito da Igreja Metodista, Emílio de Carvalho, não parece preocupado
com essa penetração islâmica. Para aquele bispo metodista, com larga obra
publicada, nenhuma religião deve ver cerceado o seu crescimento e divulgação
desde que os seus princípios religiosos e societários se pautem pelos
princípios humanistas da religião e cumpram com os preceitos da sociedade onde
estão inseridos. E quem diz o Islamismo, diz uma qualquer outra religião.
Mas
a realidade angolana parece não ir por esse caminho.
De
acordo com os meios de comunicação social angolanos, nomeadamente o citado SA
e, indirectamente, o Independente – ao referir a expulsão de cidadãos
nigerianos por viverem ilegalmente em Luanda –, os islamitas estarão claramente
disseminados na sociedade angolana: desde o Ministério do Interior, onde
trabalha um dos líderes de uma das mais fortes sociedades islâmicas do país, a
Comunidade Angolana dos Muçulmanos Crentes (CAMC), fundada em 1996 por Kapeco –
Benguela, Huambo, Bié, Kwanza-Sul, Lundas e Cabinda serão locais onde estará
bem implantada –; a partidos políticos, como o Udpa (pertencente à Convenção
Nacional Democrática de Angola que agrupa vários partidos e grupos políticos,
entre eles a FNLA e o PDA), cujo presidente é José do Nascimento e o
Secretário-geral é Pedro Emous, reconhecido pelo islâmico nome de Saidy os
quais fundaram primeiro o Centro Islâmico de Documentação e, mais tarde, a
Nahduatul Islâmico de Angola cuja finalidade principal será obter fundos para o
seu partido; ou o PDP-ANA cujo presidente da Comissão de Disciplina e Controlo
é Niiti Mansur e fundador da Liga Islâmica de Angola, de orientação sunita.
Mas
não serão só organizações internas angolanas que fazem a transmissão directa da
mensagem islâmica. Segundo pessoas ligadas à segurança interna e ao poder
existem cerca de uma vintena de organizações internacionalistas em Angola.
De
entre elas destacam-se:
A
Associação Islâmica para o Desenvolvimento de Angola (AIDA), liderada pelo
guineense Niame, que teve a sua origem na Africa Muslim Agency, uma organização
xiita de origem koweitiana e liderada por um marroquino abertamente conotada
com movimentos terroristas islâmicos. Nesta altura a AIDA parece estar
unicamente virada para a educação e para a construção de um centro de saúde em
Luanda;
A
Associação Ansar Suna (AAS) fundada em 1998 por um sudanês mas, actualmente
liderada por um congolês-democrático. A sua principal função é doutrinar as
populações segundo princípios ultra-fundamentais islâmicos. Estão próximos dos
talibans;
A
Comunidade de Divulgação de Documentação da Religião Islâmica em Angola, também
reconhecida por Cdria/Dawah-Angola, claramente sunita, é reconhecidamente uma
organização vocacionada para a instrução militar. Tendo sido a primeira
organização islâmica a operar em Angola, e sabendo que alguns angolanos estão a
operar no Iraque, compreende-se como ainda se mantém operacional no país.
Mas
também existem ONG’s que a coberto da solidariedade social, mais não são que
organizações recrutadoras de pessoas para a islamização forçada, nomeadamente
em países onde a doutrina islâmica faz parte integrante do aparelho de Estado.
Relembro
que a Associação de Beneficência de Angola (ABA), de orientação sunita, foi, em
tempos, referenciada como tendo sido a “fornecedora” de jovens angolanos para o
Mali a fim de serem islamizados.
A
maioria dos jovens, desempregada, aceita, sob a capa da formação, serem levados
para outros países de onde, teoricamente, virão melhor preparados para
contribuírem para o desenvolvimento nacional.
Todavia,
e na prática, acabam por ser submetidos à doutrinação imperativa do Islão.
E
aqui, relembro que num ensaio publicado em 2003, “Fundamentalismo Islâmico: A
Ideologia e o Estado” (ed. Autonomia27) relembrava que, ao contrário do que se
teria passado nos séculos anteriores, a progressão do Islamismo, quer como
força religiosa, cujos princípios são credíveis e acatáveis como qualquer outra
religião humanista, quer como doutrinária – e aí essa expansão poderia ser
preocupante – não mais estaria contida nas suas fronteiras naturais, ou seja,
no caso africano, nas florestas equatoriais. Moçambique a o caso afro-austral
mais paradigmático, onde sobressai um fundamentalista islâmico, do ramo xiita,
Ya-Qub Sibindy, do Partido Independente de Moçambique (PIMO) e, claramente,
apoiado pela Líbia.
Recordo
uma passagem do livro, inserido nas Considerações Finais, sob a presença
islâmica no Continente africano. “Apesar dos significativos esforços que,
conjuntamente, os dirigentes africanos, com especial destaque para os dos
países do Magreb, e os europeus vêm a desenvolver, a onda fundamentalista islâmica
parece longe de estar contida nas suas fronteiras geo-históricas.
Uma
das medidas preconizadas por esses dirigentes, destacando-se os países da
margem norte do Mediterrâneo, para a contenção dessa onda, prende-se com a
melhoria de vida do povos do Norte de África, – principal região donde provém o
maior foco de instabilidade integrista na Europa. – Para tanto, procuraram
desenvolver as principais actividades económicas da região, no âmbito do
comércio, serviços e indústrias, elevando assim o nível de vida das sociedades
muçulmanas dessa região, aumentando a riqueza e reduzindo substancialmente o
desemprego. Ou seja, conter esses povos na região, fixando-os nas suas terras
natais. Daí que alguns países magrebinos tenham celebrado com a UE acordos preferenciais
de associação e “joint-ventures” com vista ao desenvolvimento económico de
certas regiões.
Igualmente
diminuir a profunda dependência cultural da religião pode ser uma medida
necessária e oportuna, isto, porém, sem nunca desprezar o poder histórico que a
mesma tem nas sociedades islâmicas. A Sharia é, na grande maioria dos Estados
muçulmanos, a Lei Fundamental do país.
Outra
das medidas que os dirigentes moderados da região vêm tomando, em particular na
Argélia e no Egipto, prende-se com a contenção das ideias fundamentalistas
islâmicas provenientes da Líbia, Sudão e Irão. A maioria mantém relações
cortadas ou congeladas com estes países islâmicos, considerados a par da Síria
(este na óptica norte-americana) os países exportadores do terrorismo fundamentalista
islâmico.”
Ontem
como hoje, a situação mantém-se inalterável. Talvez, e preocupantemente, mais
evidente.
Não
será com o encerramento das mesquitas – até porque até ao presente a religião
islâmica ainda não conseguiu impor-se como tal pelo facto de não ter conseguido
obter as 100 mil assinaturas exigidas e em dois-terços das províncias do país –
mas tão só com o controlo dos movimentos islâmicos que proliferam sob a capa da
solidariedade. Será isto um acto e uma defesa da Censura. Seja-o; mas primeiro
está a defesa dos princípios que devem nortear a vida e segurança nacional;
depois há a convivência internacional. Numa comunidade cada vez mais
globalizante, uma não é indissociável da outra.”
Folha
8
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