quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Portugal. Mães que matam filhos acreditam que os poupam a futuro de sofrimento



Há quem lhes chame homicídios por altruísmo, porque as mulheres acreditam que estão a preservar os filhos "de um suposto mal maior".

O que pode levar uma mãe a matar os filhos e a matar-se? Dois psiquiatras ouvidos pelo PÚBLICO são peremptórios: alguém que comete um acto desta natureza está, em princípio, muito doente, sofre de uma anomalia psíquica grave, frequentemente padece de uma depressão profunda.

“A vinculação mãe/filho é a mais forte que existe”, começa por enfatizar o psiquiatra Carlos Braz Saraiva. O que faz, então, com que "o instinto de conservação esteja minado principalmente nesta que é a vinculação mais poderosa” do ser humano, pergunta o ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidologia. “Acontece que há pessoas que estão doentes”, responde, enquanto acentua que este tipo de comportamento quase sempre é explicado por aquilo que a psiquiatria designa como “insanidade mental”.

Face ao caso, em abstracto, da mãe que se terá lançado ao rio Tejo com as duas filhas, Carlos Braz Saraiva pondera que “estaria gravemente deprimida”. Provavelmente, acrescenta, este acto “surge num quadro de desespero, de angústia atroz,  em que a protagonista não vislumbra outro cenário que não seja ao da cessação do sofrimento”. É, sintetiza, “a ideia sobrevalorizada de preservar os filhos de um suposto mal maior”. Uma "distorção cognitiva" habitual nestes casos que parecem ser tão contranatura mas que estão “abundantemente descritos na literatura” da especialidade.

“Subjacente a este tipo de actos, está quase sempre uma anomalia psíquica grave que determina um sofrimento intenso”, defende igualmente o psiquiatra Fernando Almeida, professor no Instituto Superior da Maia. Raramente uma mulher comete filicídio se não tiver um problema psíquico grave, reforça o psiquiatra, que nota que, na base deste tipo de comportamento, há frequentemente “uma depressão major que pode ter ou não actividade psicótica”.

Mas um acto desta natureza também pode ser potenciado, admite, por situações de “desespero e profundo mal estar, associadas a factores sócio-económicos” complicados. Por vezes há factores precipitantes, nota. Exemplos? "Ser despojado da sua casa, ser confrontado com dívidas". Seja como for, acentua Fernando Almeida, na base deste tipo de situações o mais frequente é existir uma depressão grave, ou uma psicose esquizofrénica.

Muitas vezes, as mulheres que cometem filicídio e que se suicidam ou tentam suicidar acreditam que “é preferível que os filhos morram”. É o que se convencionou chamar “homicídio por altruísmo”, porque elas creem que “os filhos não vão ficar bem entregues, que algo de muito mau lhes vai acontecer” se ficarem vivos.  No fundo, acreditam que os vão poupar a um futuro que acreditam poder ser de intenso sofrimento.

Também há situações em que o que está “subjacente é um profundo mal estar na relação com o marido ou com a família”, sublinha Fernando Almeida, que lembra que pode haver outros problemas associados, como o alcoolismo e o consumo de drogas.

É possível prevenir este tipo de situações tão dramáticas? O psiquiatra acredita que sim. O potencial de suicídio de uma pessoa com uma depressão grave baixa muito se esta for tratada atempadamente e se tiver apoio, explica.

Também há pais que matam os filhos e que se matam a seguir. O cenário de base é semelhante, mas com os homens o homicídio/ suicídio "é mais frequente num contexto passional, de relação com uma mulher", diz.

Como aconteceu com João Pinto, em Maio de 2009. Desempregado, a viver em Matosinhos, João estrangulou a filha de seis anos com o cinto do roupão. Depois mandou um sms à ex-mulher: “A nossa filha está com os anjinhos”. Suicidou-se alguns meses depois, na prisão.

Alexandra Campos - Público

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