Há
quem lhes chame homicídios por altruísmo, porque as mulheres acreditam que
estão a preservar os filhos "de um suposto mal maior".
O
que pode levar uma mãe a matar os filhos e a matar-se? Dois psiquiatras ouvidos
pelo PÚBLICO são peremptórios: alguém que comete um acto desta natureza está,
em princípio, muito doente, sofre de uma anomalia psíquica grave,
frequentemente padece de uma depressão profunda.
“A
vinculação mãe/filho é a mais forte que existe”, começa por enfatizar o
psiquiatra Carlos Braz Saraiva. O que faz, então, com que "o instinto de
conservação esteja minado principalmente nesta que é a vinculação mais
poderosa” do ser humano, pergunta o ex-presidente da Sociedade Portuguesa de
Suicidologia. “Acontece que há pessoas que estão doentes”, responde, enquanto
acentua que este tipo de comportamento quase sempre é explicado por aquilo que
a psiquiatria designa como “insanidade mental”.
Face
ao caso, em abstracto, da mãe que
se terá lançado ao rio Tejo com as duas filhas, Carlos Braz Saraiva pondera
que “estaria gravemente deprimida”. Provavelmente, acrescenta, este acto “surge
num quadro de desespero, de angústia atroz, em que a protagonista não
vislumbra outro cenário que não seja ao da cessação do sofrimento”. É,
sintetiza, “a ideia sobrevalorizada de preservar os filhos de um suposto mal
maior”. Uma "distorção cognitiva" habitual nestes casos que parecem
ser tão contranatura mas que estão “abundantemente descritos na literatura” da
especialidade.
“Subjacente
a este tipo de actos, está quase sempre uma anomalia psíquica grave que
determina um sofrimento intenso”, defende igualmente o psiquiatra Fernando
Almeida, professor no Instituto Superior da Maia. Raramente uma mulher
comete filicídio se não tiver um problema psíquico grave, reforça o psiquiatra,
que nota que, na base deste tipo de comportamento, há frequentemente “uma
depressão major que pode ter ou não actividade psicótica”.
Mas
um acto desta natureza também pode ser potenciado, admite, por situações de
“desespero e profundo mal estar, associadas a factores sócio-económicos”
complicados. Por vezes há factores precipitantes, nota. Exemplos? "Ser
despojado da sua casa, ser confrontado com dívidas". Seja como for,
acentua Fernando Almeida, na base deste tipo de situações o mais frequente é
existir uma depressão grave, ou uma psicose esquizofrénica.
Muitas
vezes, as mulheres que cometem filicídio e que se suicidam ou tentam suicidar
acreditam que “é preferível que os filhos morram”. É o que se convencionou
chamar “homicídio por altruísmo”, porque elas creem que “os filhos não vão
ficar bem entregues, que algo de muito mau lhes vai acontecer” se ficarem
vivos. No fundo, acreditam que os vão poupar a um futuro que acreditam
poder ser de intenso sofrimento.
Também
há situações em que o que está “subjacente é um profundo mal estar na relação
com o marido ou com a família”, sublinha Fernando Almeida, que lembra que pode
haver outros problemas associados, como o alcoolismo e o consumo de drogas.
É
possível prevenir este tipo de situações tão dramáticas? O psiquiatra acredita
que sim. O potencial de suicídio de uma pessoa com uma depressão grave baixa
muito se esta for tratada atempadamente e se tiver apoio, explica.
Também
há pais que matam os filhos e que se matam a seguir. O cenário de base é
semelhante, mas com os homens o homicídio/ suicídio "é mais frequente num
contexto passional, de relação com uma mulher", diz.
Como
aconteceu com João Pinto, em Maio de 2009. Desempregado, a viver em Matosinhos,
João estrangulou a filha de seis anos com o cinto do roupão. Depois mandou um
sms à ex-mulher: “A nossa filha está com os anjinhos”. Suicidou-se alguns meses
depois, na prisão.
Alexandra
Campos - Público
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