domingo, 7 de fevereiro de 2016

VÍSIVEIS E INCONTORNÁVEIS: SITUAÇÃO PRESENTE DAS MULHERES NA ARGÉLIA



Rui Peralta, Luanda

O Conselho de Ministros do governo argelino aprovou, no mês de Janeiro, o projecto de revisão constitucional que, entre outros direitos, liberdades e garantias, consagra a “paridade dos homens e das mulheres no mercado de emprego”.

O objectivo central da actual revisão constitucional argelina é a concentração de poderes definida na revisão de 2008. Mas a questão da igualdade do género no emprego é um passo importante na luta das mulheres argelinas, que a actual revisão assume. A revisão constitucional de 2008 já tinha apresentado importantes alterações que permitiram representações femininas no Parlamento e nas instituições públicas. Com a actual garantia constitucional afirma-se um objectivo de paridade no mundo laboral e o Estado compromete-se a agir e a efectuar políticas de fundo para permitir a igualdade de géneros no trabalho.

Apesar de esta paridade estar estabelecida na Constituição, a realidade argelina continua muito distante do texto constitucional. Nesta questão da paridade no emprego a Argélia ocupa o fim do pelotão, encontrando-se atrás dos Estados do Golfo. Mas existe uma contradição na condição da mulher argelina: a descriminação no emprego não corresponde á descriminação social. Na sociedade a mulher argelina ocupa uma posição social muito superior e tem uma liberdade de estar muito superior á de qualquer mulher nos Estados do Golfo e de muitas outras sociedades do mundo islâmico. Na Argélia a paridade é um objectivo que está a ser construído pelas mulheres, numa sociedade em transformação, que aos poucos abandona as suas características familiares patriarcais inerentes às sociedades rurais, e torna-se numa sociedade urbana, assente na família mononuclear, onde marido e esposa trabalham e ambos possuem rendimentos.

A transformação das práticas sociais não é um processo indolor. Ainda na última década do século XX 90% das mulheres argelinas não tinham emprego. Hoje uma em cada seis é empregada, são metade dos quadros da saúde e da educação, 40% dos juízes e cerca de um terço dos deputados. Esta situação representa uma evolução objectiva da sociedade. A igualdade consagrada por todas as constituições argelinas, desde 1962, representou uma aspiração do movimento de libertação nacional. O colonialismo francês deixou as mulheres encerradas no espaço feminino da aldeia, marginalizadas, na sua imensa maioria analfabetas. As “mudjahidates”, as mulheres que combateram pela independência nacional da Argélia, eram mulheres heróicas, mas constituíam um pequeno grupo. A independência trouxe a escolaridade generalizada, o que provocou uma presença massiva das jovens no espaço público, em contradição com as práticas patriarcais.

A luta das mulheres foi, durante a luta de libertação nacional, travada em duas frentes: contra o colonialismo e contra o código de família patriarcal. Com a independência a luta das mulheres contra as práticas tradicionais não igualitárias assume um novo significado e é uma parte importante, e fundamental, do combate contra o subdesenvolvimento. Com a chegada, ao mercado de trabalho, das primeiras mulheres diplomadas a situação das mulheres trabalhadoras argelinas sofre alterações qualitativas profundas, que ultrapassam o âmbito do trabalho e afectam todas as anteriores práticas sociais. A sociedade argelina começou, então, a discutir novas questões como o assédio sexual, a violência doméstica, a acesso aos cargos de maior responsabilidade, o papel da mulher na economia do lar, etc.

Além do notável êxito obtido no plano legislativo há que considerar que o papel e o lugar da mulher na Argélia tornou-se tema de debate social, um assunto corrente, o que favorece a mudança de atitudes e de comportamento. As mulheres nunca poderão aspirar á igualdade se não tiverem a possibilidade de autonomia económica, de obterem um rendimento, nem poderão ser mais numerosas no mercado de trabalho se não existir uma socialização das tarefas domésticas, creches e transportes escolares, por exemplo. E estas questões impulsionam a actividade das mulheres no sentido de garantirem e viabilizarem as conquistas constitucionais.

A Argélia adoptou o sistema de quotas em 2008. Além de assegurar uma maior representatividade da mulher nas instituições democráticas, este sistema permitiu uma melhor participação da mulher na gestão pública e na tomada de decisões. 30% das dos eleitos para a Assembleia Popular Nacional são mulheres (e este é um dado pouco frequente no mundo parlamentar). No entanto não existem senadoras designadas por qualquer dos partidos políticos argelinos (numerosos e que abarcam um largo espectro politico-ideológico).

Apesar da crise económica (a Argélia nunca ultrapassou, mesmo sem crise, os limites de uma economia periférica, sendo, além do petróleo, as remessas dos emigrantes um importante factor para a sua balança comercial) e das repercussões da crise, sentidas no sector da educação, existe uma ampla maioria feminina entre os cursos técnico-profissionais, os bacharelatos, licenciaturas, mestrados e doutoramentos. As mulheres são, ainda, minoritárias ao nível das responsabilidades e dos altos cargos (no sector público e privado), mas participam, cada vez mais, na vida púbica e no sector privado e tornaram-se centro dos debates principais na sociedade argelina. As novas gerações argelinas estão activas e empenhadas nesta causa. Existem centenas de colectivos femininos, diversificados, desde a acção politica, às cooperativas, ONG´s e associações empresariais femininas.

As mulheres argelinas tornaram-se visíveis e incontornáveis. Sem quaisquer dúvidas, elas são, hoje – como o foram no passado, mas com muito menor visibilidade e com inúmeras dificuldades – o motor da esperança na Argélia, os pequenos faróis que iluminam o caminho para o desenvolvimento…

Sem comentários:

Mais lidas da semana