Após
o impeachment, a tropa de choque do presidente da Câmara prepara sua anistia
Nos
dias que precederam a votação doimpeachment, tornou-se cristalina uma trama de venda casada.
Enquanto trabalhava pela abertura do processo contra Dilma Rousseff, uma expressiva bancada de
parlamentares articulava uma “anistia” ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Nem
mesmo a delação de Ricardo Pernambuco Júnior, da Carioca Engenharia,
constrangeu a turma. O empresário entregou aos investigadores da Lava Jato uma tabela que aponta 22
depósitos, no valor total de 4,6 milhões de dólares, em propinas repassadas ao
peemedebista entre 10 de agosto de 2011 e 19 de setembro de 2014. A planilha
foi divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo na sexta-feira 15,
dois dias antes da derrota do governo no plenário.
Antes
mesmo do desfecho, os aliados mais próximos do peemedebista não escondiam as cartadas
lançadas nos bastidores. “Sem ele não teríamos o processo de impeachment.
Por isso, Cunha merece ser anistiado”, afirmou o deputado Paulinho da Força, do
Solidariedade, ao site Congresso em Foco.
Com
o placar consolidado, Osmar Serraglio, do PMDB do Paraná, também passou a
defender publicamente uma “retribuição” ao correligionário pelo presente.
Integrante da tropa de choque de Cunha no Conselho de Ética, Carlos Marun, do
PMDB de Mato Grosso do Sul, já ensaia o discurso: “Entendo que deva haver uma punição,
mas não entendo que deva ser a cassação”.
Com
o apoio de partidos do chamado Centrão, entre eles PP, PRB e PSD, além do
Solidariedade e de parte do DEM, Cunha mostra-se confiante na absolvição no Conselho de Ética da Câmara, onde enfrenta
processo por quebra de decoro parlamentar.
“Não
tenho nenhuma preocupação, estou absolutamente em condições de ser inocentado”,
afirmou na tarde da segunda 18, após entregar a papelada do processo contra
Dilma ao presidente do Senado, Renan Calheiros.
A
representação no Conselho de Ética, que pode levar à cassação do mandato do
presidente da Câmara, foi apresenta pelo PSOL e pela Rede em outubro de 2015,
mas os trabalhos não avançam graças às sucessivas manobras protelatórias do
parlamentar e de seus aliados.
Cunha
é acusado de mentir à CPI da Petrobras há cerca de um ano, quando negou possuir
contas no exterior não declaradas à Receita Federal. Ato prosaico, perto das
graves acusações que pesam contra o candidato à anistia.
Por
unanimidade, o Supremo Tribunal Federal acolheu, em março, uma denúncia contra
o peemedebista pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Convertido em
réu, Cunha é acusado de receber 5 milhões de dólares em propina de contratos de
navios-sonda da Petrobras.
Mais
dois inquéritos foram autorizados pelo ministro Teori Zavascki, relator da Lava
Jato na Corte. Um deles apura se o deputado recebeu repasses que somam 52
milhões de reais de empresas envolvidas nas obras do Porto Maravilha, no Rio de
Janeiro. O outro investiga as milionárias contas secretas do parlamentar na Suíça.
Os
extratos bancários revelados pelas autoridades suíças respaldam a acusação
contra ele no Conselho de Ética, mas o colegiado nem sequer consegue ouvir as
testemunhas arroladas. Em março, sete depoentes foram convidados a comparecer
ao Congresso, incluídos o lobista Júlio Camargo, o doleiro Alberto Youssef e o
ex-gerente da Área Internacional da Petrobras Eduardo Vaz Musa.
A
maioria dos convocados havia delatado o presidente da Câmara anteriormente à
Justiça e à Polícia Federal. Em 7 de abril, a ministra do Supremo Tribunal
Federal Cármen Lúcia negou uma liminar apresentada pela defesa de Cunha para
anular os depoimentos. A Direção da Câmara tardou, porém, a autorizar a emissão
de passagens aéreas para as testemunhas, e as sessões tiveram de ser
postergadas.
Nesse
interregno, o primeiro relator do processo, Fausto Pinato, do PP, defensor da
cassação de Cunha, afastou-se do Conselho. Em seu lugar entrou uma deputada do
PRB da Bahia, Tia Eron, que faz mistério sobre seu voto, mas despertou dúvidas
após declarar ter “admiração e respeito” pelo trabalho do peemedebista na Casa.
Se assim for, o deputado terá uma maioria de 11 votos a 9 no colegiado.
“Durante a votação doimpeachment, muitos dedicaram votos a parentes. Pois bem,
parece que uma ‘tia’ pode salvar Eduardo Cunha agora”, ironiza Chico Alencar,
líder do PSOL na Câmara.
Alessandro
Molon, da Rede, não se diz surpreso com o movimento pela anistia. “Cheguei a
denunciar essa articulação na tribuna da Câmara, alertando que ela fazia parte
do pacote. É um movimento conjugado, a incluir a absolvição dele como
compensação pela aprovação do impeachment”, afirma.
“Cunha
tem enorme influência sobre um grande número de parlamentares, e isso ficou
explícito no domingo 17. Quando alguém o criticava, o Plenário vaiava efusivamente.”
Foi o que aconteceu quando Glauber Braga, do PSOL, o chamou de “gângster” ou
quando o presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo, do PR, lembrou
que Cunha era a “bola da vez”.
Na
terça-feira 19, o vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão, do PP, decidiu
limitar a investigação no Conselho de Ética à mentira contada por Cunha na CPI
da Petrobras. A decisão impede que o Conselho aprecie as provas recolhidas pela
Operação Lava Jato.
Molon
antecipa: se o Conselho de Ética rejeitar a cassação, vai apresentar recursos
para levar a discussão ao plenário. Além disso, pretende reunir um grupo de
parlamentares para solicitar ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski, a
inclusão na pauta da Corte do pedido de afastamento de Cunha da presidência da Câmara,
apresentado pela Procuradoria-Geral da República em dezembro de 2015.
Para
Alencar, só uma mobilização popular mudaria o cenário. “Cunha tem a seu
desfavor o fato de ser uma unanimidade nacional. Mesmo nos atos pró-impeachment, quase 90% defendiam a sua
cassação, segundo o Datafolha”, observa.
“Refiro-me
à massa que saiu às ruas, e não às lideranças desses movimentos, que também são
gratas ao Cunha, ganharam até credenciais para circular pela Câmara durante a
votação do impeachment. Desses não espero muita coerência.”
Na
foto: Livrar o deputado seria uma retribuição por seu desempenho na aprovação
do impeachment de Dilma (Foto: Jefferson Rudy/ Agência Senado)
*Colaborou
Débora Melo.
*Carta Capital - Reportagem
publicada originalmente na edição 898 de Carta Capital, com o título
"Operação Salva-Cunha"
Sem comentários:
Enviar um comentário