terça-feira, 19 de abril de 2016

OS PEIXES VERDES DE ISABEL DOS SANTOS. E A FÍSICA QUÂNTICA DE ANTÓNIO COSTA



Bom dia, este é o seu Expresso Curto 

Nicolau Santos – Expresso

“Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes / E eu acreditava. / Acreditava / porque ao teu lado / todas as coisas eram possíveis”. Este extrato de um dos mais belos poemas escritos em língua portuguesa, “Adeus”, de Eugénio de Andrade, aplica-se, metaforicamente falando, ao modo como banqueiros, empresários e gestores portugueses apreciavam Isabel dos Santos, a engenheira angolana que está no epicentro do filme de ‘suspense’ que envolve o BPI. Só havia elogios: uma empresária de topo, uma excelente negociadora, muito bem preparada e assessorada, mas extremamente discreta, avessa à ostentação e à exposição pública, uma líder indiscutível, em suma. E assim Isabel dos Santos, com sorriso de veludo e punho de ferro, foi fazendo o que quis aos empresários portugueses, sem críticas nem oposição. Até que resolveu fazer o mesmo aos catalães do La Caixa. E o caso mudou de figura.

Com efeito, Isabel dos Santos é, no momento em que escrevo, a grande perdedora do braço-de-ferro que trava há meses com o La Caixa. A história é conhecida. Como se sabe, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu não reconhecem as regras de regulação e supervisão que se aplicam em Angola. Por isso, exigiram ao BPI, que controla o Banco de Fomento de Angola, que resolvesse a sua exposição em 5 mil milhões de euros à dívida soberana daquele país. Havia duas maneiras: ou o BPI descia a sua participação para menos de 20% no BFA ou criava uma holding para integrar todos os seus ativos não financeiros em África. Esta segunda hipótese, a que mais agradava ao presidente do BPI, Fernando Ulrich, foi no entanto chumbada por Isabel dos Santos, que tendo uma participação de 18,5% no BPI, a que junta mais 2,5% do BIC conseguiu fazer frente às intenções do La Caixa, que tem 44%. Mas como os direitos de voto estão limitados a 20%, o tema caiu num impasse. Acontece que Bruxelas deu um prazo até 10 de abril para que o assunto fosse resolvido. E aí começaram longas e morosas negociações, que apontavam para a solução final: o La Caixa comprava a posição da Santoro, de Isabel dos Santos, no BPI, e vendia a posição do BPI no BFA a Isabel dos Santos. Depois de um primeiro rompimento, as negociações foram reatadas e quinta-feira passada foi anunciado fumo branco pelo próprio BPI. Contudo, no sábado, a Santoro comunicou que as negociações continuavam e o acordo não estava fechado. Foi a gota de água: os catalães perderam a paciência e romperam definitivamente as conversações.

Pelo meio, já o Presidente da República e o primeiro-ministro tinham tentado unir as duas partes, o primeiro guardando na gaveta durante mês e meio o diploma que acaba com as limitações de direito de voto nas instituições financeiras e o segundochegando mesmo à fala com a engenheira angolana. Só que Isabel dos Santos queria mais: queria a garantia que, se ficasse com o BFA, este seria cotado na bolsa de Lisboa, algo que o La Caixa não podia garantir, nem o governo nem o Presidente da República. Só mesmo o supervisor europeu, o Banco de Portugal e a CMVM têm esse poder. Ainda por cima, o Banco de Portugal vetou o nome do novo presidente do BIC Portugal, Jaime Pereira, indicado por Isabel dos Santos, que iria substituir Mira Amaral à frente da instituição.

Ontem, o La Caixa anunciou uma OPA sobre o BPI e a única condição que impõe é que fique com mais de 50% do capital do banco – mas o preço dececionou. Ao mesmo tempo, foi publicado o diploma que acaba com as limitações dos direitos de voto, que no entanto só entra em vigor a 1 de julho. E Isabel perde em três carrinhos: a sua posição no BPI fica desvalorizada; o La Caixa, como é um banco muito maior que o BPI, já não precisa de vender o controlo do BFA a ninguém; e a sua imagem perante os reguladores nacionais e europeus não sai bem deste processo.

Contudo, o jogo não acabou. Ninguém duvida que haverá retaliações, até porque o poder político português, na tentativa de encontrar uma solução, acabou por se envolver no assunto – o que foi criticado pela ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque. Teme-se, pois, a resposta angolana (até porque Isabel dos Santos se tornou recentemente militante do MPLA) e como ela poderá afetar o BFA e as mais de 8000 empresas e cerca de 150 mil portugueses que trabalham em Angola. O jornal i dá conta do que pode acontecer: “Exportações portuguesas em risco, envio de divisas para Portugal pode tornar-se ainda mais difícil e construção civil ameaçada”. E, ‘last but not least’, a OPA do La Caixa sobre o BPInecessita de luz verde do regulador angolano, o Banco Nacional de Angola, para avançar… Promete.

Recordemos como acaba o poema de Eugénio de Andrade: “Não temos já nada para dar. /Dentro de ti não há nada que me peça água. / O passado é inútil como um trapo. / E já te disse: as palavras estão gastas. / Adeus.”

Ora soubesse António Costa explicar em palavras não gastas o que é a Física Quântica e resolveria certamente sem problemas o diferendo no BPI e, quiçá, as exigências de Bruxelas para aplicar novas doses de austeridade ao país. Mas é de supor que o primeiro-ministro, que tem muitas artes e virtudes, não disponha também dessa. Contudo, pode sempre aprender com o vídeo, que já se tornou viral, do primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, a explicar a um jornalista que o queria entalar com a pergunta, o que é a física quântica: em poucas palavras e para toda a gente perceber.

Em qualquer caso, o relatório de avaliação da economia portuguesa pela Comissão Europeia bem vai obrigar António Costa e o Governo a dar grandes explicações a Bruxelas. É que o tema do aumento do salário mínimo esbarra com a oposição declarada da Comissão, que considera que isso “agrava o desemprego de longa duração” (Diário de Notícias), pelo que quer travá-lo (Jornal de Notícias), além de forçar um corte nas reformas da ordem dos 600 milhões de euros (Correio da Manhã). Ao mesmo tempo, segundo o El Pais, Bruxelas dá mais um ano a Espanha para reduzir o défice…

OUTRAS NOTÍCIAS

Em Cabul, mais de 200 pessoas ficaram feridas e um número indeterminado morreu esta manhã após uma violenta explosão, que ocorreu em plena hora de ponta, num bairro densamente povoado, próximo de vários complexos militares. O presidente Ashraf Ghani condenou o ataque que visou edifícios dos serviços de segurança.

Em Nova Iorque, decorrem hoje eleições primárias cruciais na corrida à Casa Branca. Donald Trump, nos republicanos, e Hillary Clinton, nos democratas, são os prováveis vencedores, o que lhes pode garantir definitivamente a nomeação dos seus partidos como candidatos oficiais na corrida à presidência dos Estados Unidos.

No Brasil é a grande convulsão. Depois do espetáculo deprimente de ontem, com os parlamentares a justificarem pelos motivos mais implausíveis e ridículos o seu voto para afastarem a presidente,Dilma Roussef, esta diz-se “injustiçada” e já veio garantirque não irá demitir-se. Mas a oposição não perde tempo e está a formar Governo.

No Mediterrâneo viveu-se mais uma tragédia. Entre 200 a 400 migrantes somalis terão morrido ontem afogados quando tentavam fazer a travessia para a Europa. Quando acabará esta mortandade perante a nossa indiferença?

Em Espanha, o realizador Pedro Almodovar anulou todas as participações públicas que tinha previsto para promover o seu novo filme “Julieta” – tudo porque o seu nome e o do seu irmão, Agustin, aparecem nos “Panama Papers” como tendo detido uma offshore entre 1991 e 1994 (caramba, já foi há mais de 20 anos!) nas ilhas Virgens britânicas.

Em Moçambique, o FMI cancelou a cooperação com o paísna sequência da confirmação pelo Governo de ter recebido um empréstimo de mais de mil milhões de dólares que não tinha reveladoà instituição.

Por cá, o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e o ministro das Finanças, Mário Centeno, são hoje ouvidos de novo na comissão parlamentar de inquérito ao caso Banif.

Por seu turno, o Governo encontrou uma maneira ‘sui generis’ de contentar o lóbi das transportadoras. E assim vai criar descontos para as transportadoras de mercadorias em postos de gasolina em três zonas de fronteira com Espanha e nas antigas SCUT do interior. Trata-se de “mecanismos da promoção de competitividade das empresas de mercadorias, mas também medidas de promoção do interior”, diz o ministro Eduardo Cabrita. Será que vamos passar a ter fiscalidade ´à la carte´?

E para não meter mais água, o Governo anunciou que não avançam as obras das barragens de Alvito, nos concelhos de Castelo Branco e Vila Velha de Ródão, e de Girabolhos, no concelho de Seia. A decisão foi tomada por acordo com a EDP e Endesa e, segundo o ministro do Ambiente, não terá custos para o Estado. Pois… Também foi decidido suspender por três anos o início da construção da barragem de Fridão, em Amarante.

O Bloco de Esquerda quer alargar a licença parental inicial para 180 dias (seis meses) e estender o período de aleitação (direito a redução do horário diário de trabalho) de um para dois anos dos filhos.

O PS assinala hoje os seus 43 anos de vida e António Costa convidou todos os antigos líderes para a festa convívio na sede nacional do partido, mas só Ferro Rodrigues respondeu ao apelo. Os outros, ou porque não querem ou porque não podem, não estarão presentes.

José Eduardo Agualusa está entre os seis finalistas do Man Booker International Prizepelo seu livro “Teoria Geral do Esquecimento”. Trata-se de um dos mais disputados prémios literários do mundo, que distingue com 50 mil libras o autor e o tradutor do melhor livro estrangeiro traduzido para inglês.

E o Benfica lá ganhou ontem ao Setúbal, após estar a perder logo aos 14 segundos de jogo. Depois marcou dois golos na primeira parte e fechou a loja. Só que mesmo no último suspiro da partida, Pizzi fez um atraso do meio campo para o seu guarda-redes para queimar mais uns segundos e um avançado do Vitória intercetou, ficou sozinho frente a Ederson, mas adiantou a bola e não marcou. Assim que o jogo acabou, chorou. É muito comovente o futebol.

FRASES

“Esta história tem todo o potencial para abalar a já débil relação entre Portugal e Angola”.Miguel Sousa Tavares, SIC, sobre o caso BPI

“Enfrentei a ditadura e agora enfrento um golpe de Estado”. Dilma Roussef, presidente do Brasil, Público

“Parece que os partidos são os únicos donos da política”. Ana Drago, Público

“Um grande momento de afirmação da cultura portuguesa no coração da Europa”. António Costa, primeiro-ministro, na pré-abertura da exposição sobre Amadeo de Souza Cardoso no Grand Palais em Paris

“Acho que a descida do IVA para a restauração no segundo semestre vai ser adiada”. Luís Marques Mendes, comentador, SIC

“Não costumo falar com a imprensa catalã, mas vou responder-te porque és gira”. Luis Figo para uma repórter do canal 8TV, Diário de Noticias, num comentário que já está a dar grande polémica nas redes sociais

O QUE ANDO A LER E A OUVIR

Ainda não acabei “Gramática do medo”, de Maria Manuel Viana e Patrícia Reis, mas já entrei em “Naquele dia naquele Cazenga”, de Adolfo Maria, figura emblemática da resistência angolana ao colonialismo português, tendo depois da independência sido igualmente um dos resistentes aos caminhos que o país seguiu, com Gentil Viana e Mário Pinto de Andrade. Foi expulso de Angola em 1979, voltou em 1991 e 1992 e reside atualmente em Portugal. “Naquele dia naquele Cazenga” (um dos bairros emblemáticos da cidade de Luanda) narra a vida, em condições muito difíceis, que se vivem nos musseques que rodeiam a capital angolana. Sente-se o cheiro da terra molhada, os caminhos enlameados, a falta de condições higiénicas, mas também o calor humano, o sorriso malandro e a solidariedade do povo angolano.

Para ouvir recuperei o “Wallflower”, de Diana Krall, cujo espetáculo de apresentação vi ao vivo em Lisboa no ano passado. Cada novo CD de Krall tem sempre algumas pérolas e este não é diferente. Além do mais, Krall faz-nos sentir confortáveis no mundo acústico que nos oferece – e reinventa temas que fizeram parte de um tempo passado da nossa vida, como “California dreamin’”, logo a abrir. Sonhemos, pois, mesmo que o nosso sonho não seja o “California dreamin´”.

E pronto, está servido o Expresso Curto. Amanhã há mais. Tenha um excelente dia.

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