Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
"Somos
a Memória que temos e a Responsabilidade que assumimos. Sem memória não
existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir" - José
Saramago
A
cartilha teórica e a ação do neoconservadorismo e do neoliberalismo que vão
subjugando as pessoas e as sociedades alimentam-se muito de dois fatores: (i)
um exercício permanente de apagamento da memória a partir de releituras de
factos e contextos históricos, para nos parecerem novas as velharias que
causaram dor e repúdio; ii) a apresentação das suas propostas como únicas,
convidando assim os seres humanos a submeterem-se, a distanciarem-se da
responsabilidade de pensarem livremente, de democraticamente construírem
caminhos alternativos.
Quando,
há 130 anos, os trabalhadores de Chicago e os seus dirigentes foram massacrados
por reivindicarem 8 horas de trabalho diário e o início do reconhecimento de
direitos essenciais que hoje qualquer "liberalão" diz não pôr em
causa, já décadas de humilhações e sofrimento haviam sido impostas. E um penoso
caminho iria ser percorrido até que, em 1944, se plasmasse o compromisso
universal de que "o trabalho não é uma mercadoria" (Declaração de
Filadélfia). Só muito lentamente, em particular ao longo do século XX, se foram
instituindo (o que não significa prática imediata) os direitos a um horário de
trabalho de 8 horas diárias, a salário efetivo, à eliminação do trabalho
infantil, a proteção mínima para as mulheres, ou o reconhecimento do Direito do
Trabalho como ramo específico do Direito, da liberdade sindical e do papel
indispensável da negociação coletiva. A proteção na maternidade ou na doença, o
reconhecimento de direitos sociais fundamentais, do direito ao trabalho, a
proteção no desemprego, a igualdade entre homens e mulheres e muitos outros,
surgiram muito mais tarde.
Já
no século XIX os patrões e a maior parte dos governantes bradavam contra os
"trabalhadores malandros" e contra os sindicatos e diziam que era
preciso "sacrifício" para as empresas serem competitivas. E juravam
que melhorariam os salários logo que houvesse mais riqueza para distribuir. Mas
as condições de vida dos trabalhadores e dos povos só melhoraram com a luta,
depois de muita repressão, de horrores e guerras que podiam e deviam ter sido
evitados.
Quando
em 1919, no rescaldo da I Guerra Mundial, foi criada a Organização
Internacional do Trabalho ficou vincado que a guerra tinha surgido no contexto
de uma sociedade profundamente injusta, em resultado da exploração desmedida do
trabalho, e que essa injustiça era a maior ameaça à paz. Por isso, o
compromisso para que governos, patrões e sindicatos participassem, em pé de
igualdade, nessa importantíssima organização mundial que havia de ser
referência para a constituição da ONU (nela se integrando) e para a formulação
da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Os
direitos dos trabalhadores e o movimento sindical são património inalienável
das sociedades modernas e democráticas. Na emergência de uma nova era, seria
dramático se, apesar do extraordinário avanço do conhecimento, das tecnologias,
da automação, da capacidade incomparável de se criar riqueza e a poder
distribuir melhor, nos deixássemos embalar pelas cantilenas que nos conduzem ao
retrocesso.
Chega
de mentiras! Os trabalhadores portugueses e as suas famílias fizeram
sacrifícios em nome de melhores condições para as gerações futuras e quais os
resultados? Os milhares de milhões de euros que saíram do trabalho para o
capital desaguaram na criação de emprego ou no aumento das fortunas de alguns,
escondidas em offshore? A imposição de baixos salários e precariedades aos
trabalhadores mais jovens é para os ajudar? A diminuição do investimento cria
emprego no futuro? A destruição de atividades produtivas favorece a quem? Menor
investimento na saúde, no ensino, na proteção social beneficia gerações
futuras? Então não é uma evidência que a emigração empobrece e incapacita o
país?
Neste
Dia do Trabalhador, com a memória projetada para o futuro, com responsabilidade,
vamos manifestar-nos, exigindo trabalho digno e justa distribuição da riqueza.
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