Miguel
Guedes* - Jornal de Notícias, opinião
Não
era preciso ser adivinho para prever o Brexit. O populismo e a demagogia
visceral liderada pela extrema-direita britânica tem perna larga e os tempos na
União Europeia (UE) navegam em vagas de eurocepticismo pela inversão do
paradigma europeu dos burocratas em Bruxelas. Há crime e há culpados. O
chauvinismo económico e financeiro de Schauble faz mártires das vítimas da
austeridade e não descansa enquanto não punir os povos pela impossibilidade de
cumprir à vírgula as políticas desastrosas que ele próprio desenhou e nutriu. O
apocalipse alimenta-se e o martírio já fez um mártir: o Reino Unido decidiu
sair e pode deixar descendência caso este projecto europeu germânico não ganhe
vergonha.
Não
se pode dizer que os britânicos necessitassem de uma purga europeia como de chá
para a boca quando nunca exerceram uma visão crítica da UE senão para o
exercício da relevância do seu umbigo ou interesse. Daí que não deixe de ser
surpreendente como David Cameron olhou para o referendo, em tempos idos, como
uma etapa ganha por antecipação na sua sobrevivência política pessoal. Não é
necessário parar a democracia e sair para que o tempo para a democracia se
exerça fora de timing. Democraticamente, os britânicos saíram pelo timing dos
bárbaros.
O
tempo para a democracia no país vizinho não se exerce só em eleições mas é
certo que o Podemos sofreu um rude golpe eleitoral em tempo de esperança.
Veremos se resiste à secular autofagia da Esquerda. Portugal bem precisava na
Europa que bons ares soprassem de Espanha. O poder estará nas mãos de Rajoy e
Sanchéz ou de um acordo "à portuguesa". Mas dificilmente veremos
Espanha, adaptando o ditado popular, em bons casamentos políticos. O espetro da
punição europeia com sanções económicas a Portugal e Espanha deveria ter convocado
alianças estratégicas entre os dois países, convergências para as quais as
forças políticas espanholas ainda não se mostraram preparadas.
O
histerismo com que a política nacional recebeu a proposta do Bloco para
referendar o Tratado Orçamental (como se o PS ou o PCP não tivessem antes
defendido o mesmo) é um favor que fazem aos nossos falsos prestadores de
cuidados. Não se trata de referendar a nossa saída da UE: pondera-se a
clarificação democrática de um acordo entre governos num momento estratégico da
negociação. Para uma refundação. Se há unanimidade sobre a irrazoabilidade de
sanções económicas, não se pode negociar na lógica do absurdo. Se a prepotência
da UE for tão longe, ao ponto de aplicar a mesma receita ao moribundo que assim
se faz morto, é (no mínimo) tão válida a teoria do "levanta a cabeça"
como a do "não te mexas". Se fingirmos que abraçamos permanentemente
o agressor, acabamos vítimas, já fomos. É uma questão de tempo. Chá dos 27. É o
agora ou nunca para a UE.
*Músico e advogado - O
autor escreve segundo a antiga ortografia
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