Rui Peralta,
Luanda
Segundo
o embaixador russo na Líbia, Ivan Moloktov, Moscovo estaria pronto a fornecer
armas e equipamento militar ao governo líbio, assim que o embargo internacional
seja anulado. Esta declaração de intenções surge após a administração
norte-americana ter solicitado, em Viena, um pedido para o reconhecimento
internacional do governo líbio actual - formado em torno de um largo consenso
entre as diversas facções líbias – e o consequente fim do embargo que impede o
fornecimento de armas e equipamento militar ao país. Já em Fevereiro de 2015 a
Rússia, através de declarações efectuadas por Vladimir Churkin (representante
na ONU), manifestara a sua disposição de fornecer armas e equipamento militar
ao governo oficial líbio, na época barricado em Tobruk, e de impor um bloqueio
naval para impedir a logística de suporte das forças antigovernamentais.
As relações entre a Líbia e a Rússia, a nível de cooperação militar, foram
oficialmente iniciadas pela URSS em 1974, com o acordo líbio-soviético de
fornecimento de equipamento militar e formação às Forças Armadas da Líbia.
Entre 1974 e 1992 mais de 11 mil militares soviéticos estacionados em solo
líbio, formaram e treinaram os militares líbios. Por sua vez centenas de
oficiais superiores líbios foram formados na URSS. Esta cooperação,
interrompida com a implosão da URSS, foi retomada em 2004 com a Federação da
Rússia, tendo sido assinados ainda dois grandes acordos entre os dois países em
2008 e 2011.
Como resultado deste histórico de relações é claro que as Forças Armadas Líbias
encontram-se muito mais enquadradas no sistema de treinamento e de logística da
Rússia (o que constitui uma mais valia a curto e médio-prazo para os líbios),
do que nos sistemas da NATO (o que obrigaria a um reenquadramento da formação e
do equipamento, impossível de realizar a curto e médio-prazo). O equipamento
líbio encontra-se degradado, em particular a sua força aérea. Ainda
recentemente um MIG-21 despenhou-se em Tobruk, e este foi apenas mais um
episódio entre os muitos que têm ocorrido. Esta situação levou o Egipto a doar
alguns jactos e helicópteros aos líbios, com o objectivo de evitar infiltrações
terroristas a partir da fronteira.
Mas não é apenas a existência do embargo internacional que acautela a Rússia no
suporte aos militares líbios. É, também, os desentendimentos entre as diversas
facções líbias. Com a partilha efectuada no acordo de Dezembro de 2015 e com a
constituição do governo de conciliação nacional, em Trípoli, as autoridades de
Tobruk, formalmente reconhecidas pela comunidade internacional como sendo o
governo oficial, perderam Poder. As Forças Armadas Líbias, lideradas pelo
general Khalifa Hifter (um dos oficiais superiores que recebeu a sua formação
na ex-URSS), permaneceram em Tobruk e recusam-se em dar suporte ao governo de
conciliação nacional. Por sua vez o Parlamento líbio, também a funcionar em
Tobruk, ainda não legitimou o governo de Trípoli.
Perante esta situação de grande confusão institucional, onde o executivo e o
Presidente do Conselho estão em Trípoli e o Poder Legislativo permanece em
Tobruk e ainda não fez reconhecimento do actual governo, as Forças Armadas
Líbias são a única instituição capaz de manter uma posição de força e de
autoridade no país. E, até ao momento, essa força está do lado do Parlamento,
ou seja, do Poder Legislativo. Esta situação cria um dilema á comunidade
internacional: Quando terminar o embargo quem receberá as armas? O governo de
conciliação nacional, em Trípoli, o Parlamento em Tobruk, ou as Forças Armadas
lideradas por Hifter e, até ao momento, ao lado do Parlamento?
Armar a Guarda Presidencial criada recentemente pelo governo de Trípoli, cujos
militares provêm das milícias e que não têm uma cadeia de comando definida,
significa colocar as armas em mãos incertas. Entregar as armas a Hiften e ao
Parlamento significa o fim do governo de coligação nacional e uma nova frente
de conflito. A diplomacia russa joga com cuidado nestas opções. Aparentemente
suportou a criação do governo de coligação nacional, mas logo após um encontro
com a União Africana, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov,
afirmou que o governo de Trípoli não é legítimo enquanto não for aprovado pelo
parlamento em Tobruk. Os russos apostam, assim, numa inclusão de Hiften neste
processo de acordo nacional.
Considerando a formação militar soviética de Hifter ele pode representar um
perfeito aliado para os russos. A sua visão política secularista é outra
questão que agrada a Moscovo, embora torne Hifter suspeito aos olhos dos bandos
fascistóides islâmicos ou dos mais conservadores fundamentalistas. Por outro
lado o carácter controverso de Hifter não é apenas suportado pelos russos mas,
também, pelo Egipto e pelos Emiratos Árabes Unidos (EAU). No Cairo Hifter é um
homem considerado e uma visita regular. É nesta cidade que Hifter se encontra
com os diplomatas russos (embora seja um convidado regular em Moscovo, onde se
desloca com frequência).
Apesar de todos os apoios por parte dos russos, da forte simpatia de que goza
no Cairo e da compreensão dos Emiratos, Hifter - o principal aliado dos russos
na Líbia -tem de participar no processo politico liderado pela ONU. Sem essa
participação (ou inclusão) o suporte internacional é demasiado limitado e,
provavelmente, com a focagem internacional colocado na relação Trípoli /
Tobruk, a sua carreira será demasiado curta, ou seja passa a fazer parte do
problema e não da solução.
E
para Putin os seus aliados (internos e externos) só o são enquanto forem
solução…
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