domingo, 12 de junho de 2016

MOSCOVO E A ENCRUZILHADA LÍBIA



Rui Peralta, Luanda

Segundo o embaixador russo na Líbia, Ivan Moloktov, Moscovo estaria pronto a fornecer armas e equipamento militar ao governo líbio, assim que o embargo internacional seja anulado. Esta declaração de intenções surge após a administração norte-americana ter solicitado, em Viena, um pedido para o reconhecimento internacional do governo líbio actual - formado em torno de um largo consenso entre as diversas facções líbias – e o consequente fim do embargo que impede o fornecimento de armas e equipamento militar ao país. Já em Fevereiro de 2015 a Rússia, através de declarações efectuadas por Vladimir Churkin (representante na ONU), manifestara a sua disposição de fornecer armas e equipamento militar ao governo oficial líbio, na época barricado em Tobruk, e de impor um bloqueio naval para impedir a logística de suporte das forças antigovernamentais.

As relações entre a Líbia e a Rússia, a nível de cooperação militar, foram oficialmente iniciadas pela URSS em 1974, com o acordo líbio-soviético de fornecimento de equipamento militar e formação às Forças Armadas da Líbia. Entre 1974 e 1992 mais de 11 mil militares soviéticos estacionados em solo líbio, formaram e treinaram os militares líbios. Por sua vez centenas de oficiais superiores líbios foram formados na URSS. Esta cooperação, interrompida com a implosão da URSS, foi retomada em 2004 com a Federação da Rússia, tendo sido assinados ainda dois grandes acordos entre os dois países em 2008 e 2011.

Como resultado deste histórico de relações é claro que as Forças Armadas Líbias encontram-se muito mais enquadradas no sistema de treinamento e de logística da Rússia (o que constitui uma mais valia a curto e médio-prazo para os líbios), do que nos sistemas da NATO (o que obrigaria a um reenquadramento da formação e do equipamento, impossível de realizar a curto e médio-prazo). O equipamento líbio encontra-se degradado, em particular a sua força aérea. Ainda recentemente um MIG-21 despenhou-se em Tobruk, e este foi apenas mais um episódio entre os muitos que têm ocorrido. Esta situação levou o Egipto a doar alguns jactos e helicópteros aos líbios, com o objectivo de evitar infiltrações terroristas a partir da fronteira.

Mas não é apenas a existência do embargo internacional que acautela a Rússia no suporte aos militares líbios. É, também, os desentendimentos entre as diversas facções líbias. Com a partilha efectuada no acordo de Dezembro de 2015 e com a constituição do governo de conciliação nacional, em Trípoli, as autoridades de Tobruk, formalmente reconhecidas pela comunidade internacional como sendo o governo oficial, perderam Poder. As Forças Armadas Líbias, lideradas pelo general Khalifa Hifter (um dos oficiais superiores que recebeu a sua formação na ex-URSS), permaneceram em Tobruk e recusam-se em dar suporte ao governo de conciliação nacional. Por sua vez o Parlamento líbio, também a funcionar em Tobruk, ainda não legitimou o governo de Trípoli.

Perante esta situação de grande confusão institucional, onde o executivo e o Presidente do Conselho estão em Trípoli e o Poder Legislativo permanece em Tobruk e ainda não fez reconhecimento do actual governo, as Forças Armadas Líbias são a única instituição capaz de manter uma posição de força e de autoridade no país. E, até ao momento, essa força está do lado do Parlamento, ou seja, do Poder Legislativo. Esta situação cria um dilema á comunidade internacional: Quando terminar o embargo quem receberá as armas? O governo de conciliação nacional, em Trípoli, o Parlamento em Tobruk, ou as Forças Armadas lideradas por Hifter e, até ao momento, ao lado do Parlamento?

Armar a Guarda Presidencial criada recentemente pelo governo de Trípoli, cujos militares provêm das milícias e que não têm uma cadeia de comando definida, significa colocar as armas em mãos incertas. Entregar as armas a Hiften e ao Parlamento significa o fim do governo de coligação nacional e uma nova frente de conflito. A diplomacia russa joga com cuidado nestas opções. Aparentemente suportou a criação do governo de coligação nacional, mas logo após um encontro com a União Africana, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov, afirmou que o governo de Trípoli não é legítimo enquanto não for aprovado pelo parlamento em Tobruk. Os russos apostam, assim, numa inclusão de Hiften neste processo de acordo nacional.

Considerando a formação militar soviética de Hifter ele pode representar um perfeito aliado para os russos. A sua visão política secularista é outra questão que agrada a Moscovo, embora torne Hifter suspeito aos olhos dos bandos fascistóides islâmicos ou dos mais conservadores fundamentalistas. Por outro lado o carácter controverso de Hifter não é apenas suportado pelos russos mas, também, pelo Egipto e pelos Emiratos Árabes Unidos (EAU). No Cairo Hifter é um homem considerado e uma visita regular. É nesta cidade que Hifter se encontra com os diplomatas russos (embora seja um convidado regular em Moscovo, onde se desloca com frequência).

Apesar de todos os apoios por parte dos russos, da forte simpatia de que goza no Cairo e da compreensão dos Emiratos, Hifter - o principal aliado dos russos na Líbia -tem de participar no processo politico liderado pela ONU. Sem essa participação (ou inclusão) o suporte internacional é demasiado limitado e, provavelmente, com a focagem internacional colocado na relação Trípoli / Tobruk, a sua carreira será demasiado curta, ou seja passa a fazer parte do problema e não da solução.

E para Putin os seus aliados (internos e externos) só o são enquanto forem solução…

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