Carvalho
da Silva* – Jornal de Notícias, opinião
A
vida de um ser humano não pode valer menos no trabalho do que fora dele: o
direito à segurança, à proteção do corpo e integridade do indivíduo, à
dignidade, à saúde e à vida não podem ficar à porta das empresas e serviços,
privados ou públicos. Trata-se de direitos humanos no trabalho.
Através
de órgãos de comunicação social como o JN, de posições públicas da CGTP-IN e de
partidos políticos da Esquerda, bem como de intervenções de instituições,
tomamos conhecimento da ocorrência de graves acidentes de trabalho nas últimas
semanas, que causaram mortes e feridos graves, de situações de tratamento
indigno de trabalhadores, do aumento de casos de assédio moral e de doenças
profissionais.
Muitas
notícias sobre os acidentes de trabalho são superficiais; raramente são feitos
com sensibilidade os retratos sociais dos seres humanos atingidos, da sua
identidade pessoal e familiar, das relações sociais e papéis que partilhavam na
comunidade. Este "esconder" do que no plano humano é mais valioso
aligeira a observação que se pode fazer sobre o problema.
Os
acidentes de trabalho não são inevitabilidades. Ninguém ignora que há perigos
no trabalho, mas se houvesse cumprimento de regras de segurança, formação
adequada dos trabalhadores, políticas de prevenção de riscos profissionais,
combate sério à precariedade e a longos horários de trabalho, travões na
ganância desmedida de patrões e na constante ladainha de que a
"competitividade" depende da redução dos custos de trabalho, muitas
mortes e sinistrados se podiam evitar e as doenças profissionais seriam
reduzidas com grandes vantagens, até económicas, para a sociedade. Políticas de
exploração desenfreada e de empobrecimento só podem gerar mais riscos, mais
situações de rutura e miséria.
Condições
indignas de alojamento de trabalhadores, o não pagamento de salários
contratuais, a catalogação de processos de despedimento como "rescisões
amigáveis", são práticas geradoras de sofrimentos e vexames que não podem
ter lugar num Estado de direito. O assédio moral - tema em oportuno debate
público, designadamente em decorrência de iniciativa legislativa do BE e do
lançamento de uma campanha da CGTP-IN - prolifera no mundo do trabalho
português. Patrões e chefias que perpetram ou permitem práticas intimidatórias
de desestabilização, de hostilidade e degradação de relações, que levam os
trabalhadores a desistirem do seu emprego ou a subjugarem-se de forma
humilhante, devem ser responsabilizados por assédio moral, verdadeira tortura
psicológica e fonte de doenças diversas. O direito dos trabalhadores a exigirem
o cumprimento geral dos seus direitos, o exercício do direito à gravidez, à
maternidade e à paternidade são direitos inalienáveis.
O
trabalho pode ser menos sofrimento, mais espaço de dignidade, de realização, e
forte ancoradouro do desenvolvimento. Para isso é necessário: i) colocar na
agenda política estes temas e sobre eles consciencializar a sociedade; ii) os
governantes acabarem com os discursos de promoção dos baixos salários, da
flexibilização e desregulação laborais; iii) responsabilizar as grandes
empresas e grupos económicos, que espremem as pequenas e se escondem atrás de
complexas cadeias de contratações e subcontratações; iv) combater com coerência
as precariedades e as novas praças de jorna; v) garantir liberdade de organização
aos trabalhadores, o exercício da atividade sindical e a efetividade da negociação
coletiva; vi) assegurar serviços de saúde e segurança nos locais de trabalho, e
articular a ação dos médicos e enfermeiros do trabalho com a de outras áreas da
saúde; vii) tornar mais eficaz a ação inspetiva e de fiscalização; viii na
comunicação social, abordar-se com mais profundidade e consciência social os
problemas do trabalho, em particular os que tocam profundamente a dignidade, a
integridade, a saúde e a vida.
A
sociedade portuguesa não deve condescender perante estes vexames e atentados à
dignidade e à vida de quem trabalha: por uma questão de valores e de justiça,
mas também porque jamais seremos uma sociedade desenvolvida e moderna se não
formos capazes de os combater com êxito.
*Investigador e professor
universitário
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