Miguel
Guedes – Jornal de Notícias, opinião
A
metáfora ideal dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro é uma dura realidade. Em
Agosto de 2015, a atleta síria Yusra Mardini ainda não trazia consigo a
maioridade dos seus 18 anos de águas de Março quando o motor do barco de
refugiados em que fazia a travessia entre a Turquia e a ilha grega de Lesbos,
parou. Com a sua irmã, saltou para a água, nadando durante mais de três horas
num braço. Arrastou a embarcação para terra e cumpriu, antes do tempo e por uns
meses, a jura de maioridade das águas de Jobim com "a promessa de vida no
teu coração". Mas há muito que Yusra, em terra firme, crescera adulta
antes do tempo.
A
guerra na Síria encarregou-se de não poupar a vida da sua família, ceifar-lhe
os amigos. Tratou de lhe destruir a casa, colocando-a a fugir da morte com a
sua irmã e mais dezoito pessoas num barco feito grego. Após fugir para o
Líbano, atravessada a Turquia, chega à Grécia muito longe da última paragem.
Ainda faltava muita Europa até à Alemanha. E de Berlim ao Rio, um oceano. Yusra
compete hoje nos 100 metros livres, às 17 h, pela bandeira de cinco anéis do
Comité Olímpico Internacional, após a sua estreia nos 100 metros mariposa no
primeiro dia dos Jogos. E não consigo imaginar melhor metáfora feita realidade
para uns Jogos que, também eles, são uma dura realidade feita metáfora para
tantos brasileiros. Vou parar para ver.
Sem
parar para ver, assistimos imóveis às três realidades típicas de verão. E com
tamanha repetição são já mais pleonasmos do que metáforas: fogos, derrocadas e
portas giratórias. É difícil aceitar que todos os anos nos sejam servidas as
mesmas estórias, os mesmo problemas, a mesma vergonha. A realidade não muda e a
resposta não se adequa. E todos os anos, sentamos à espera pela certeza de que
o calor aquece e a loucura acende, que a rocha cede pelo desgaste e de que há
ex-políticos ou políticos em trânsito permanente.
Centenas
de hectares de floresta ardem todos os anos (2,2% da nossa floresta,
anualmente), o pior indicador a nível europeu, mas continuamos a açucarar a
realidade com a indesmentível coragem dos bombeiros e os singulares actos de
heroísmo civil. Entre Julho do ano passado e Junho deste ano, contam-se 21
desmoronamentos de arribas no litoral do Algarve (quase o dobro da média dos 12
registados nos últimos 10 anos) mas insistimos - turístico sol - em analisar a
qualidade da água em detrimento da solidez da rocha que ceifa vidas de supetão.
Depois da Mota-Engil, as portas de Portas giraram para a mexicana Pemex
lembrando a "missão e peras" de uma das duas visitas do então ministro
dos Negócios Estrangeiros ao México, em Junho de 2014, quando a empresa terá
assinado um memorando de entendimento com a Galp. A metáfora ideal para os dias
de verão é um enorme déjà-vu.
*Músico e advogado - O
autor escreve segundo a antiga ortografia
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