Martinho Júnior, Luanda
1
– Está-se ainda longe de perceber em toda a sua amplitude, a composição de
meios e de forças que integraram os projectos de luta contra insurreição por
parte do Estado Novo, do regime de Ian Smith na Rodésia e
do “apartheid” (desde antes da sua deriva de “border war”), tal
como ainda falta fazer um inventário mais amplo da Operação Condor na América
Latina, por que houve um manancial de inteligência de origem nazi e fascista
que foi aproveitado após a IIª Guerra Mundial na Europa, na América Latina e em
África, acerca do qual há imensas dificuldades em obter informação histórica e
analítica, particularmente no seu fulcro na Europa e nos Estados Unidos (algo
que o Pentágono e a NATO fecham “a sete chaves”).
Para
compreender as potencialidades amplas dos núcleos duros onde se deu morada aos
restos nazis e fascistas na Europa e nos Estados Unidos, núcleos duros mentores
das doutrinas cristãs democráticas de contra insurreição, é extremamente
sensível perceber os processos de inteligência, de contra inteligência, assim
como de seus suportes económicos sócio-políticos, financeiros, de propaganda e
de contra propaganda e, nesses aspectos há muita coisa ainda por esclarecer.
O
investigador Daniele Ganser conseguiu fazer uma das poucas abordagens sérias
sobre o assunto (Operação Gládio, Loja P-2, “Aginter Press”…), chamando a
atenção para a guerra secreta que, alimentando a Guerra Fria, se desencadeava
ideológica e operativamente “contra o comunismo”, a partir de
redes “stay behind”, arregimentando algumas das mais retrógradas entidades
no poder na Europa e nos Estados Unidos, que atraíram operacionais que antes
haviam feito parte das hordas derrotadas de nazis e de fascistas, no rescaldo
da IIª Guerra Mundial e os colocavam à disposição dos serviços de inteligência
da hegemonia unipolar, na Europa, na América Latina e em África, (neste caso
aproveitando desde logo os processos traumáticos da descolonização).
Para
Portugal a “primavera Marcelista” ampliou o espaço de manobra nas
colónias: Portugal saía da época em que o domínio correspondia aos interesses e
conveniências duma burguesia agrária ainda meio feudal, para a gestação duma
burguesia industrial (os Abecassis, os Mello, os Champalimaud…) que refinava os
processos do exercício do poder, da inteligência e da diplomacia.
2
– O “Le Cercle” foi um desses núcleos duros e dele chegaram a fazer
parte entidades africanas ao nível de Mobutu, de Savimbi, de Ian Smith, dos
Botha, dos Oppenheimer, ou dos Tiny Rowlands, dos Jorge Jardim, dos António
Monteiro, todos eles mais ou menos absorvidos pelas casas aristocráticas dos
Rothschields e dos Rockefeller, da inteligência portuguesa que se iria suceder
ao 25 de Novembro de 1975 e pelas filtragens do MI6, da CIA…
O “Le
Cercle” era uma iniciativa ao nível dos escalões das aristocracias e dos
poderes mais proeminentes na Europa e Estados Unidos, que faziam a ponte
privada entre um Vaticano pan europeu, ultra conservador e a inteligência anglo
americana, onde não só coube o Estado Novo fascista da Concordata com a Santa
Sé (e do que dele derivou), mas também os elementos mais conservadores das alas
da Igreja Católica e Apostólica Romana, com alguns similares das igrejas
protestantes anglo-saxónicas, incluindo alguns ramos que se espalharam pela
África Austral.
Nessa
iniciativa privada, entre muitos grupos integrantes, faziam-se sentir a Opus
Dei e os Cavaleiros de Malta (a propósito: há notícias que Marcelo Rebelo de
Sousa responde além do mais à Opus Dei)!
O
imenso campo das contradições, obrigava a essas correntes à cultura da
ambiguidade e da ingerência manipuladora e clandestina, com base em interesses
e conveniências do capital injetado em África pelas oligarquias dominantes.
De
entre as personalidades europeias mais influentes desse núcleo duro, contam-se
os alemães da CDU, Konrad Adenauer e Franz Joseph Strauss, o italiano Giulio
Andreotti, o francês Jean Monet, a britânica Margareth Thatcher… e por parte
dos Estados Unidos evidenciou-se Ronald Reagan, que deu abertura
aos “cristãos” mais conservadores como o “Conservative Caucus”,
um dos maiores apoios norte americanos ao “freedom fighter” Savimbi
(conforme assim considerava Ronald Reagan), que tinha à frente Howard Phillips,
ele próprio também motivado no apoio a John Garang, do Sudan People Liberation
Front, cuja luta deu oportunidade à separação e independência do Sudão do Sul…
Foi
com o resguardo desse núcleo duro que Ronald Reagan e Margarth Thatcher
inauguraram a época de capitalismo neoliberal nos seus próprios países, algo
que chega a nossos dias... Foi também assim que o choque e a terapia
neoliberais haveriam de sacudir os alvos da hegemonia unipolar, na sequência
imediata do fim da Guerra Fria!
3
– Os grupos de operacionais foram utilizados na Europa, onde tiveram bases
importantes em especial nos países do sul (Grécia, Itália, França, Espanha e
Portugal), havendo rastos de suas acções em África (a favor do colonialismo e
do “apartheid”), como na América Latina (por dentro do miolo das ditaduras
que se disseminaram de forma tão sangrenta como no Chile, na Argentina, na
Bolívia, no Brasil, no Uruguai e no Paraguai, no âmbito da vasta Operação Condor).
Uma
aptidão a esse nível, só poderia ser suportada na sua superestrutura ideológica
e operacional, pelos Serviços de Inteligência de potências como os Estados
Unidos, ou a Grã-Bretanha, tendo em conta os interesses e estratégias que
advinham do seu aproveitamento, unindo os ideólogos e os interesses
consubstanciados no “Le Cercle” às redes “stay behind”, como as
da Operalão Gladio e sua ramificação Aginter Press.
Os
traços doutrinários e ideológicos apareciam sempre nas iniciativas mercenárias,
por que até os mercenários precisam de justificar os seus actos, para além do
dinheiro que ganham com seus crimes-providência, sob encomenda!
Na
Europa, a NATO dava garantias à amplitude da operacionalidade desses meios,
pelo que muitos entendem que eles eram redes “stay behind” que
operavam ao seu dispor…
As
ideologias que serviam de cobertura era a dos democratas cristãos, que
facilmente podiam operar em Portugal e Espanha por dentro das estruturas
fascistas, tendo em conta os laços especiais com as alas mais conservadoras da
Igreja Católica e Apostólica Romana e as igrejas protestantes que se
contrapunham em África (ligadas quase sempre à cartilha de descolonização
norte-americana).
Esse
manancial não foi também desperdiçado quando chegou a hora do choque e da
terapia neoliberal, por via de redes que foram implantando caos e terrorismo,
pois os “freedom fighters”podiam ter aproveitamentos mais testados,
formatados e refinados, a fim de estabelecer a antítese subserviente que servia
tal como a tese ao domínio de 1% sobre o resto da humanidade!
4
– Em Portugal e colónias, a Concordata dava ampla cobertura e os laços entre
Salazar e o Cardeal Cerejeira garantiam a sublimação das conexões ao nível
portanto da superestrutura ideológica do Estado Novo, como de eventuais redes
especiais por dentro dos instrumentos de poder de estado, ou no seu reforço
(caso da “Aginter Press”).
Na
Itália, como na Alemanha, os democratas cristãos foram a opção, durante muitos
anos, (na Itália com Alcide de Gasperi, na Alemanha com Konrad Adenauer), para
fazerem o aproveitamento daqueles que estavam implicados no funcionamento dos
aparelhos de estado dos fascistas e dos nazis, respetivamente, as
redes “stay behind” da NATO e da CIA, como de suas similares
europeias (da Alemanha Ocidental, da Itália, da Grã Bretanha, da Grécia, da
Espanha, do Estado Novo de Portugal…).
Isso
explica em parte o facto de Portugal ser um membro fundador da NATO e seu
beneficiário nas guerras que o Estado Novo levou a cabo nas colónias.
O
Estado Novo aproveitou pois essa superestrutura e fez acrescer os seus próprios
operacionais, introduzidos uns na PIDE/DGS (a Gestapo alemã formou os primeiros
quadros da PIDE/DGS), outros na Legião Portuguesa, outros ainda nas Forças
Armadas Portuguesas (em especial aqueles que integraram a nível de cúpula, ou a
nível operacional, os dispositivos principais de contra insurgência), outros
aparentemente mais soltos na diplomacia (casos de Jorge Jardim e António
Monteiro, com maior ou menor cobertura diplomática), tendo em conta a resposta
ao Movimento de Libertação em África.
O
Estado Novo deu portanto espaço à criação da “Aginter Press” que iria
fazer trabalho sujo ali onde a PIDE/DGS tinha muita dificuldade em chegar: nas
capitais africanas circunvizinhas à Guiné Bissau (Dakar e especialmente
Conacry), a Angola (especialmente em Lusaka, já que em Kinshasa com a presença
de Mobutu isso estava facilitado) e a Moçambique (Dar es Salam, Blantyre e
Salisbúria, hoje Harare).
Em
Kinshasa, a sede da FNLA ficava muito próximo da estrutura diplomática
portuguesa acreditada no Zaíre de Mobutu (com cobertura da embaixada de
Espanha), algo que teve o seu peso no sistema de informações da PIDE/DGS (uma
excepção no exterior graça a Mobutu), assim como na trajectória de diplomatas próximos
dos democratas cristãos, como António Monteiro!...
A “Aginter
Press” utilizava o disfarce duma modesta Agência de Informação, mas era
constituída por operacionais provenientes das redes “stay behind” da
NATO, com o objectivo de realizar missões onde a PIDE/DGS raramente podia
chegar e com capacidades de contra propaganda raramente utilizados por aquela
polícia política repressiva do Estado Novo.
O
seu papel na luta contra insurgente, não foi negligenciável, como não o foi em
termos de capacidade operativa de inteligência, tendo em conta a sua aptidão
para confundir o inimigo em termos de contra-propaganda, uma imagem de marca do
seu “modus operandi”.
O
assassinato do general Humberto Delgado enquadra-se na planificação e acção
da “Aginter Press” e terá sido um ensaio que potenciou outros voos em
África e na América Latina.
Os
assassinatos de Eduardo Mondlane, como de Amlcar Cabral, indiciam processos
especiais que a“Aginter Press” cultivava e a revolta do leste do MPLA, com
Daniel Chipenda à cabeça, terá resultado dum aturado trabalho de inteligência
em Lusaka na Zâmbia, envolvendo o próprio Kenneth Kajunda.
5
– Abaixo desse patamar e em África, “plataformas” como Portugal, a
Rodésia, ou a África do Sul, tornaram-se parte interessada nesse tipo de
instrumentos, dada a sua versatilidade operativa, as características do
seu “modus operandi” e o grau de segredo de suas possibilidades, algo
que funcionou também por via de “vasos comunicantes”, quando
o “apartheid” se aproximou das ditaduras Latino Americanas do lado
ocidental do Atlântico Sul.
A
cidade do Cabo foi (e é ainda) providencial para esse tipo de núcleos duros,
como o havia sido para Cecil John Rhodes.
Se
a NATO era o maior fornecedor do armamento de que se serviu o Estado Novo de Portugal
para levar por diante as guerras coloniais nas três frentes que foram impostas
pelo Movimento de Libertação em África (Guiné Bissau, Angola e Moçambique), o
emprego desses meios humanos instrumentalizados pelos vínculos mais
retrógrados, supria uma parte importante das dificuldades das inteligências de
Portugal, da Rodésia do Sul de Ian Smith e da África do Sul
do “apartheid”, em especial em países como por exemplo a Guiné Conacry, a
Zâmbia, ou o Malawi.
6
– A PIDE/DGS teve sempre dificuldades directas em operar em muitas capitais
africanas de países independentes, como Brazzaville, Dar es Salam, ou Lusaka.
A
capital do Zaíre, Kinshasa, dava-lhe com o regime de Mobutu outro tipo de
garantias, (essa foi a“tarimba” de alguns diplomatas portugueses,
inclusive de António Monteiro, nascido em Angola ou do jovem Durão Barroso)…
mas Brazzaville, Dar es Salam e Lusaka eram mais difíceis.
Em
Kinshasa o cartel de diamantes jogou sempre muito forte, em suporte da clique
de Mobutu (de que Holden Roberto fazia parte) e um dos seus “homens de
mão”, Maurice Tempelsman, conotado por outro lado com a CIA, garantia aos
portugueses um suplemento de capacidades por via do tráfico de diamantes
proveniente de rios comuns aos dois países, como o Cassai e o Cuango.
Uma
rede importante de comerciantes portugueses espalhados pelo Bas Zaíre, Kinshasa
e Kassai Ocidental, permitia imensas potencialidades de recrutamento, até por
que uma parte do círculo próximo de Mobutu era de luso-descendentes (entre ele
João Nunes Setti Yale)…
Apesar
da majestática companhia que era a Diamang, muitos traficantes portugueses de
então foram recrutados pela PIDE/DGS e suas actividades tiveram um espectro
importante dentro de Angola, como no exterior (por exemplo na Bélgica, por via
das Bolsas de Antuérpia), interligando-se com as redes disponíveis a Mobutu, no
outro lado da fronteira de Angola.
Desse
modo a PIDE/DGS recorria aos nexos com os serviços de inteligência da Rodésia
de Ian Smith e do “apartheid”, com a inteligência de várias componentes
africanas do “lobby” dos minerais (entre eles os que compunham o
cartel de diamantes formado a partir do génio de Cecil John Rhodes, o nó de
Kinshasa, mas também as redes sustentadas pelos interesses mineiros no estanho
e no cobre, com os Rockfeller e Oppenheimer à cabeça) e por fim do
instrumento “Aginter Press”, que só se veio a conhecer depois do 25 de
Abril de 1974…
A
Bélgica também utilizava essas bases de sustentação colonial e neo colonial,
por exemplo: quando o Primeiro-Ministro congolês Patrice Lumumba foi
assassinado, o jovem conde Étienne d’Avignon (um homem-de-mão do clã Rockfeler
na Europa), ocupava um posto diplomático justamente em Brazzaville…
Quando
o poder do Estado Novo ruiu por via do golpe do Movimento das Forças Armadas Portuguesas,
a “Aginter Press” desapareceu de Lisboa, onde tinha sede e
instalou-se em Madrid, o que não impediu que muitos dos seus operacionais em
África se viessem a instalar na África do Sul e Rodésia, ao serviço dos Botha e
de Ian Smith, sem prejuízo de fazerem parte das acções operacionais para dentro
de Angola, de Moçambique e do Zimbabwe…
Além
do mais elas poderiam conotar-se com a CIA, com o MI6 e com o Mossad!
Ilustrações:
-
Os exércitos secretos da NATO – Daniele Ganser (capa do livro, edição em
espanhol);
-
Aginter Press;
-
A guerra secreta de Salazar em África – Aginter Press – Luis da Costa Correia
(capa do livro, edição portuguesa);
-
Jorge Jardim, agente secreto – José Feire Antunes (capa do livro).
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