Manuel
Carvalho da Silva* – Jornal de Notícias, opinião
Esta
semana, o ministro das finanças alemão, Wolfgang Schäuble, uma vez mais se
pronunciou sobre a política portuguesa e o rumo da nossa democracia, de forma
particularmente violenta. Declarações deste tipo feitas por responsáveis
políticos europeus são, no mínimo, indecorosas. Mas, tratando-se de um alto
responsável do mais poderoso Governo europeu, tais declarações configuram uma
clara ingerência política de caráter imperialista sobre um país com quase nove
séculos de história, maltratando um povo reconhecidamente trabalhador,
respeitador e solidário que, ao longo dos séculos, algumas vezes se levantou,
exemplarmente, contra tiranias e ditaduras. Os órgãos de soberania, utilizando
fundamentos, formas e vias próprias da ação diplomática, têm de ser ativos no
protesto junto do Estado alemão.
Por
certo, o senhor Schäuble teve em conta o facto de ter surgido em Espanha uma
solução governativa que conta com a participação dos representantes históricos
da social-democracia em posição de cócoras. Na sua perspetiva, Portugal ficou
mais enfraquecido no rumo que procura seguir e, vai daí, toca a atacar. Mas as
duas razões principais para, neste caso, fazer de nós saco de boxe são outras.
Primeira,
todos sabemos e o ministro alemão também, que a trajetória económica e financeira
seguida pelo atual Governo de Portugal, se bem que com importantes inflexões em
comparação com o Governo anterior, continua a obedecer aos constrangimentos do
Tratado Orçamental de forma mais acrítica do que o desejável. Dados recentes do
INE mostram as monumentais perdas de poupança que a população mais pobre
sofreu, ao mesmo tempo que os ricos ganharam com a crise. É essa receita que
ele quer continuar a aplicar em Portugal. Em junho, Schäuble, quando
questionado sobre a delicada situação do Deutsche Bank, dizia-se mais
preocupado com Portugal, para assim desviar as atenções dos problemas da
economia alemã. Agora, a motivação é outra, politicamente bem mais pesada para
ele. Para Schäuble, alianças à esquerda construídas em torno de um discurso e
programa antiausteritário e mais solidário, têm de pura e simplesmente ser
destruídas. O perigo de contágio assusta-o. É que hoje, na própria Alemanha, a
perspetiva de uma coligação entre o SPD, Verdes e Die Linke (A Esquerda) tem
vindo a ser debatida, à imagem do que já aconteceu para o Governo de Berlim.
A
segunda motivação do senhor Schäuble diz respeito a outro forte combate
político, mas fora de portas. O primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi,
anunciou que o défice orçamental italiano para 2017 não será de 1,8% do PIB,
inicialmente previsto, mas sim de 2,3%. Renzi não é um "radical" de
esquerda, e parte da política orçamental expansionista que defende serve para
financiar reformas "estruturais" de cariz marcadamente neoliberal.
Contudo, essa orientação está em colisão com as imposições de Bruxelas,
patrocinadas pelo Governo alemão. Portugal servirá a Schäuble como ameaça, mais
ou menos velada, à orientação italiana, país cujo tamanho e peso não lhe
permitem dirigir os insultos que dirige a Portugal. O ministro alemão quer à
viva força os portugueses subjugados e peados pelo medo, para com esse exemplo
amedrontar alemães, italianos e europeus em geral.
Schäuble
joga tudo numa UE dicotómica e neoliberal, submetida aos mercados e seus
grandes interesses económicos e financeiros, em particular os da Alemanha. A instabilização
da vida dos mais pobres, por forma a que estes não possam organizar-se e
encontrarem rumo de desenvolvimento mais autónomo, é uma das armas da sua
loucura, que poderá chegar à desestabilização de toda da UE.
É
claro que um Governo submetido a um contexto de guerrilha tende a concentrar a
sua ação política nos problemas de curto prazo. Mas Portugal não deve ser mero
espectador a tentar passar pelos pingos da chuva das políticas europeias e de
um Tratado Orçamental cada vez mais obsoleto. O Governo tem a obrigação de se
engajar ativamente na definição de políticas estratégicas e no debate sobre a
reforma dos tratados europeus, sob pena de perder legitimidade interna e
externa.
*
Investigador e professor universitário
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