Aline
Frazão – Rede Angola, opinião
A
fotografia de família da 21º Cimeira da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP) deixa muito a desejar. Ver Michel Temer sentado ao lado de
Teodoro Obiang, no centro da mesa, é logo uma decepção política tão grande que
nos faz questionar-nos sobre qual deve ser, realmente, a responsabilidade da
organização, num contexto que há muito deixou de ser estritamente linguístico.
Enquanto isso, a diplomacia e a cooperação internacional continuam a definir-se
como um decepcionante jogo de oportunidades, sem lugar para interesses
extra-económicos e outros valores prioritários.
A
língua, a cultura, a educação e o debate histórico parecem ocupar o fim da
lista das prioridades de uma comunidade que tem origem exactamente nisso. Mas
não é mais uma questão de língua. Se fosse uma questão de língua, veríamos a
Galiza sentada à mesa. Como sabemos, a Galiza não é só o lugar onde nasceu esta
língua em que escrevo. É também uma nação que reivindica o seu lugar no painel
de países onde se fala português, com vários movimentos linguísticos e
culturais organizados e preparados para isso.
A
legitimidade da presença da Galiza nessa mesa nem deveria ser questionada. Já a
Guiné Equatorial é um daqueles precedentes absolutamente embaraçosos para a
CPLP, a todos os níveis, não fossem os interesses económicos a grande atenuante
para que o país africano ocupe confortavelmente a sua cadeira.
Vale
sempre a pena lembrar que a Guiné Equatorial é um desses países onde os
direitos humanos são desrespeitados a olho nu, pela mão do magnânimo ditador,
Teodoro Obiang, um dos políticos que envergonha o continente e compromete o
nosso afã de democracia, liberdade e igualdade.
Lembre-se
que na Guiné Equatorial ainda se pratica a pena de morte, uma pratica
assumidamente condenada pelos estatutos da CPLP e contra a Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Lembre-se ainda que na Guiné Equatorial, para além de um
dialecto crioulo falado na pequeníssima Ilha de Ano-Bom, nunca se falou
português, nem se ensina o português, até mesmo dois anos depois do país entrar
para a CPLP. Nem sequer o site oficial do país está traduzido para o português.
Já nem as aparências importam.
Podemos
até colocar a língua de parte, que essa estória de Lusofonia tem muito que se
lhe diga e muito mais que não se diz. Mas se a CPLP não ambiciona ser um espaço
de integridade política e democrática, para que serve realmente? Quais são os
interesses do povo angolano que são ali defendidos? Qual a posição da CPLP em
relação às violações dos direitos humanos na Guiné, em Angola, no Brasil?
Acreditando
na cooperação entre países, muito mais entre os que falam a mesma língua,
alguma credibilidade terá que ser fomentada dentro da CPLP para que lhe
possamos reconhecer a importância e o potencial que tem. Louve-se a proposta de
António Costa, para a livre circulação e fixação de residência, entre cidadãos
da CPLP – iniciativa esta que, diga-se de passagem, dificilmente será aprovada.
A
verdade é que a política da “Boa Muxima” não pode estar à frente de valores tão
básicos como a democracia. Por mais que existam questões de foro interno dos
países, há limites para a encenação.
A
CPLP, e tudo o que envolve o conceito de Lusofonia, deveria começar por ser um
espaço de honestidade histórica, sobre o passado colonial, as guerras e os
traumas – uma conversa por acontecer. Em segundo lugar, um espaço de
horizontalidade e amizade entre povos, respeitando os afectos que existem e
combatendo os preconceitos que também existem. Por fim, seria bom que a
cooperação ao nível da educação, saúde e cultura estivesse ao nível da que se
move numa esfera puramente económica.
E
já agora, ajudaria que os líderes dos nossos países inspirassem confiança. No
fundo, o problema nem é a CPLP. No fundo, o jogo está tão viciado que até
assusta. Cansativo mesmo é ouvir os seus discursos vazios, onde o significado
de palavras como “justiça”, “democracia”, “liberdade” e “igualdade” há muito
que se descaracterizou.
Afinal,
a mesma língua não garante o entendimento. Muito menos a verdade.
Talvez
não nos devêssemos preocupar tanto com essa história de CPLP. Talvez seja mais
sensato continuar a tecer as nossas redes culturais alternativas, mas eficazes,
de menor escala, mas honestas. Que a língua seja o pretexto para um debate
crítico e não para uma troca de elogios balofos, nem para o perigoso e infértil
jogo dos silêncios cúmplices. Pois as reais vítimas desse jogo nunca se
sentarão àquela mesa.
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