domingo, 6 de março de 2016

Registos contradizem Vice-Presidente de Angola no caso de corrupção a procurador



Lisboa - Ao contrário do que afirma o Vice-Presidente de Angola, no comunciado em que clama a sua inocência no caso do suposto suborno do procurador Orlando Figueira, há referências de que a Primagest, empresa que terá transferido cerca de €300 mil para uma conta daquele magistrado, integra o universo da petrolífera estatal angolana, que Manuel Vicente dirigiu.

Evidências contrariam as alegações de Manuel Vicente

Menção à Primagest como "uma subsidiária da companhia nacional angolana de petróleo, Sonangol", numa reportagem da revista britânica Legal Business sobre negócios em África, edição de novembro de 2011. Para a Bloomberg, a Primagest "é uma companhia que opera como subsidiária da Sonangol".

A 28 de junho de 2012, o Centro Cultural de Belém vestiu-se de gala para acolher a comemoração dos 50 anos de vida do grupo Coba, a mais antiga organização empresarial portuguesa de consultores para obras, barragens, e planeamento. Na presença da então ministra Assunção Cristas, o patriarca do grupo, Ricardo Oliveira, aludiria à nova etapa da sua empresa, iniciada com o "interesse" manifestado por "um prestigiado grupo angolano, liderado pela Sonangol, em tomar uma posição de referência no capital da Coba". O grupo tinha nome: Primagest, a empresa agora envolvida no escândalo com um alegado suborno ao magistrado português.

Essa parceria tinha sido formalizada em junho de 2011, quando Manuel Vicente ainda era presidente da Sonangol. Ricardo Oliveira, o patrão da Coba, numa entrevista ao jornal Público, anunciara que o grupo decidira alienar metade do capital a uma empresa angolana, a Primagest, encabeçada pela Sonangol. Explicou a mudança nestes termos: "O líder [da Primagest] é a Sonangol, e o líder da Sonangol é o engenheiro Manuel Vicente. Outra pessoa fundamental para nós é o doutor Lopo do Nascimento [que foi primeiro-ministro no tempo do Presidente Agostinho Neto], (...) que já é nosso parceiro em Angola. Há também um banco angolano", que Ricardo Oliveira preferiu não identificar naquela entrevista ao Público.

Na edição de novembro de 2011 da revista britânica Legal Business, numa reportagem sobre negócios em África, a Primagest também é mencionada como uma subsidiária da Sonangol, a propósito da parceria com a Coba. João Caiado Guerreiro, managing partner da sociedade portuguesa de advogados Caiado Guerreiro & Associados, contou à repórter Maria Jackson que o seu escritório tinha "recentemente aconselhado a Primagest (uma subsidiária da companhia nacional angolana de petróleo, Sonangol) na compra da Coba, a mais importante e antiga companhia de engenharia de Portugal, num negócio a rondar €45 milhões".

No site da agência de informação financeira Bloomberg, a Primagest está igualmente registada enquanto "companhia que opera como subsidiária da Sonangol".

Este elenco de factos parece contradizer o atual Vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, quando, no comunicado que tornou público esta quarta-feira, dia 2, afirmou que não teve "nenhuma espécie de relação" com a sociedade que tem surgido em "relatos da comunicação social", sem nunca mencionar o nome da Primagest. Recorde- se que a sociedade é suspeita de ter depositado, em duas tranches, cerca de €300 mil numa conta aberta pelo procurador Orlando Figueira na filial lisboeta do angolano Banco Privado Atlântico, liderado por Carlos Silva, também vice-presidente do BCP. Manuel Vicente vai mais longe: escreve que a empresa "não era nem nunca foi subsidiária da Sonangol". Note-se que a única empresa referida foi a Primagest.

No comunicado, o Vice-Presidente angolano clama a sua inocência no caso do suposto suborno do procurador Orlando Figueira (que se encontra, desde o passado dia 25, em prisão preventiva na cadeia de Évora), para que arquivasse, em 16 de janeiro de 2012, um processo no qual Manuel Vicente era suspeito de branqueamento de capitais. O dirigente angolano diz ser "completamente alheio à contratação" de Orlando Figueira, para trabalhar no setor privado, assim como a "qualquer pagamento" de que aquele magistrado tenha beneficiado.

Na nota distribuída, Manuel Vicente refere ainda que "quanto ao processo arquivado, ao que sei uma simples averiguação de origem de fundos relativos à compra de um imóvel, confiei a minha representação a um advogado, o qual apresentou comprovação cabal da origem lícita dos fundos, com o que o processo não poderia deixar de ter sido arquivado - comprovação essa que, se necessário, poderá ser renovada".

Orlando Figueira pediu à Procuradoria Geral da República uma licença sem vencimento de longa duração, que o Conselho Superior do Ministério Público lhe concederia, para entrar em vigor a partir de setembro de 2012. Foi depois trabalhar para o departamento de compliance (prevenção do branqueamento de capitais) do BCP, cujo maior acionista é a Sonangol.

Visão, em Club K

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Angola. A Alteração da Lei da Nacionalidade está em conformidade com a nossa Constituição?




A alteração à Lei da Nacionalidade, e depois de três adiamentos, foi aprovada a em sessão plenária da Assembleia Nacional, no passado dia 24 de Fevereiro, com os votos favoráveis dos 142 deputados da bancada do MPLA, contra os votos desfavoráveis de 34 deputados das bancadas da UNITA e da CASA-CE, e a abstenção dos deputados da FNLA e do PRS (4), num total de 180 representantes da Nação.

A mesma já tinha sido inicialmente aprovada, em 18 de Junho de 2015, na XI Reunião Plenária Ordinária, da III Sessão Legislativa da Assembleia Nacional, então, na altura, com 141 votos a favor, nenhum voto contra e 24 abstenções, num total de 165 votantes.

Tal como agora verifica-se que dos 220 assentos que constituem o Hemiciclo se tem verificado a falta, sistemática de deputados em actos considerados relevantes para a vida política e social do País. Recorde-se que do acto eleitoral de Setembro de 2012, a Assembleia Nacional ficou representada por 175 deputados de MPLA, 32 da UNITA, 8 da CASA-CE, 3 do PRS e 2 da FNLA…

A nova lei, – a inicialmente apresentada, em 2014, foi da iniciativa do Senhor Presidente da República, José Eduardo dos Santos, a Lei nº 1/05, de 1 de Julho, – é um documento da iniciativa do Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Rui Jorge Carneiro Mangueira, prevê que os angolanos nascidos antes de 11 de Novembro de 1975, data da independência nacional, e filhos de não-nacionais, que, até ao presente, não tenham solicitado a confirmação da sua nacionalidade angolana, deixam de o poder fazer; bem como os seus descendentes!

Até aqui, parece nada haver razão que possa suscitar alguma dúvida ou eventual espanto. Só que…

E aqui residem as minhas dúvidas!

Primeiro ressaltar dois factos importantes: falo enquanto nacional angolano e enquanto não especialista em questões jurídicas mas com alguma especialização em questões Constitucionais derivadas da minha actividade académica e das minhas licenciatura e mestrado onde aparecia como cadeira importante e objecto de amplo estudo.

Ora, na minha interpretação, todos os cidadãos nascidos em território angolano antes da independência eram – ou têm de ser – considerados estrangeiros dado que o território era, oficialmente, ainda que, natural e politicamente, contestado por todos os que desejávamos a independência de Angola, tal como pelos países contrários aos actos coloniais ainda em vigor, era, escrevia, território colonial português e considerados como portugueses; ou seja, por extensão, todos os residentes, eram estrangeiros à face na nova legislação aprovada.

Acresce que a nossa Constituição – e não sei se esta Lei, agora aprovada, não entra em claro conflito com a nossa Magna Carta, e se não deve ser objecto de análise constitucional – no art.º 9 (Nacionalidade), nº 3 diz que «Presume-se cidadão angolano de origem o recém-nascido achado em território angolano» e no nº 4 «Nenhum cidadão angolano de origem pode ser privado da nacionalidade originária».

Ainda que no nº 5 do mesmo artigo diga que «A lei estabelece os requisitos de aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade angolana» ela não diz que o Parlamento esteja legalmente autorizado a retirar um normativo já constitucionalmente adquirido.

Ou seja, todos os nascidos em Angola – e a Lei Constitucional dá claramente, relevância ao “jus soli” – são angolanos, apesar do nº 2 do artigo 9, dizer que «É cidadão angolano de origem o filho de pai ou de mãe de nacionalidade angolana, nascido em Angola ou no estrangeiro».

Ora, não podemos esquecer que, oficialmente, só passámos a ser considerados nacionais Angolanos após a independência.

Face a estas dúvidas, creio que seria interessante que a Lei desse um período de delonga, antes de entrar em vigor. Não esqueçamos que muitos angolanos, devido às guerras fratricidas tiveram de se ausentar do país, como refugiados, e alguns ainda estão a regressar ao território pátrio e, muitos deles, nunca tiveram oportunidade de regularizar a sua situação nacional.

Parece-me conveniente que esta matéria deveria ter sido objecto de um verdadeiro e amplo debate nacional, quer a nível dos cidadãos, quer a nível de especialistas nacionais e estrangeiros em questões de Nacionalidade e Direitos Humanos, não restrito a nível das cúpulas partidárias e com assento na Assembleia Nacional, e, principalmente, deve ser analisado, quanto à sua constitucionalidade, pelo Tribunal Constitucional.

Só assim se poderá considerar a Lei em conformidade e, dessa forma, entrar em vigor!

Deixo a matéria para os verdadeiros especialistas debaterem esta questão!

©Artigo de Opinião publicado no semanário angolano Novo Jornal, ed. 421 de 4-Março-2016, secção “1º Caderno”, página 20

*Eugénio Costa Almeida – Pululu - Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais -; nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.

Angola. A SAÚDE E O SANEAMENTO BÁSICO



José Ribeiro - Jornal de Angola, opinião

O estranho surto de febre-amarela na cidade de Luanda e as doenças “desconhecidas” que estão a aparecer pelo país – e um pouco por todo o mundo – são reveladores dos graves problemas sanitários que a capital do país atravessa, esta imensa megalópole, e da importância que têm os sistemas de saúde.

Para reverter os níveis de degradação que atingiram a cidade de Luanda em termos de falta de saneamento básico e manutenção e conservação dos equipamentos sociais que são instalados pelo Estado, não basta que as empresas de limpeza procedam a uma recolha regular dos detritos sólidos, processo que tem sido levado a cabo, aliás, de forma pouco profissional e eficiente.

Aparentemente, os trabalhadores das empresas de saneamento e limpeza da cidade têm instruções para se limitarem apenas a recolher o lixo de contentores de rua. Mas o que acontece frequentemente é que vão deixando atrás de si um rasto de detritos e restos de dejectos. No pior momento da sua actividade, entre o final do ano passado e o princípio deste ano, quando se queixavam da falta de pagamento pelo GPL, os operadores do lixo chegavam a abandonar animais mortos no asfalto. Se a acumulação diária sobre um mesmo local dos bairros de grandes quantidades de lixo mal acondicionadas já é, em si, perigosa, por ser um potencial foco de doenças e epidemias, mais se torna quando elas se espalham de forma intencional ou sob a força das águas das chuvas ou do vento. 

Enquanto o trabalho das empresas de limpeza e saneamento for menosprezado e deixar de ser entendido como um serviço urbano integrado de grande seriedade, associado a práticas avançadas de protecção ambiental e com a participação obrigatória e responsabilização dos diferentes segmentos da sociedade utilizadores desses serviços, a qualidade da higiene pública estará comprometida. O resultado imediato e quotidiano da actividade das operadoras de limpeza tem de ser visível em termos de uma evidente purificação do meio, o que não se tem verificado. Muita coisa há a fazer nesse campo.

O modelo de serviço em escala, preconizado pelo governador provincial cessante, e a filosofia de colocar o habitante e utente da cidade e produtor permanente de lixo a suportar e partilhar os custos do lixo que produz, defendida pelo governador em funções Higino Carneiro, parecem caminhar já para a definição de uma solução eficaz, técnica e abrangente para o complexo problema do saneamento público. 

As características dos bens de consumo actuais, em que o volume de material descartável é superior à matéria aproveitável, por causa da tendência para a plastificação e empacotamento dos artigos comercializados, explicam o motivo por que a produção de detritos sólidos tem vindo a aumentar no país. No entanto, na gestão desse resultado, está longe de ser justo que os contentores colocados nos bairros para a utilização pelas famílias de moradores fiquem a transbordar de lixo produzido por unidades comerciais e industriais, cantinas, lanchonetes ou quiosques  cuja finalidade é a obtenção de lucro. Há que diferenciar um e outro produtor de lixo.

A questão da saúde está intrinsecamente ligada à necessidade do saneamento do meio. Uma vez mais estamos perante um problema com o qual as nossas autoridades sabem que temos de lidar aplicando soluções integradas, estruturantes e privilegiando a concertação com todos os sectores intervenientes. Esta tem sido a marca de gestão que o Executivo tem imprimido à sua administração e a que habituou as populações e esse aspecto foi reafirmado pelo novo governador provincial de Luanda. 

O Executivo desenvolveu na cidade de Luanda um enorme trabalho de recuperação. Ao abrir as grandes estradas de entrada e saída da capital, evitou que o trânsito seja hoje um sufoco. Ao construir as enormes valas de drenagem, melhorou a rede de escoamento das águas pluviais. Ao construir novas centralidades, provou que é possível dar qualidade de vida aos angolanos. Mas é preciso que as estruturas provinciais e municipais e as empresas se apliquem em identificar e solucionar os problemas de cada província, bairro e comunidade. Um desses problemas tem a ver com o lixo e o saneamento básico.

Angola. PRESIDENTE REMODELA O GOVERNO



O Presidente da República, José Eduardo dos Santos, nomeou sexta-feira novos titulares para os Ministérios da Saúde, Comércio, Cultura, Hotelaria e Turismo e Urbanismo e Habitação. Também foi nomeado um novo governador do Banco Nacional de Angola.

O jurista Valter Filipe Duarte da Silva é o novo homem forte do Banco Central, em substituição de José Pedro de Morais Júnior, que foi exonerado a seu pedido. Paulino Domingos Baptista foi nomeado para o cargo de ministro da Hotelaria e Turismo, Luís Gomes Sambo substitui José Vieira Dias Van-Dúnem no Ministério da Saúde, e Fiel Domingos Constantino rende Rosa Escórcio Pacavira de Matos, no Ministério do Comércio. 

Branca Manuel da Costa Neto do Espírito Santo substitui José António Maria da Conceição e Silva, no Ministério do Urbanismo e Habitação, e Carolina Cerqueira assume o cargo de ministra da Cultura, substituindo Rosa Maria Martins da Cruz e Silva.

O Presidente da República nomeou ainda José Maria Ferraz dos Santos para o cargo de governador da província do Cuanza Norte, em substituição de Henrique André Júnior. Para a província de Luanda, o Presidente da República nomeou os vice-governadores para o Sector Económico, para os Serviços Comunitários e Serviços Técnicos e Infra-estruturas, respectivamente, José Manuel Cerqueira, Rui Celso Dias Fernandes da Silva e Joaquim Dumba Malichi.

Este último deixa o cargo de vice-governador da província do Cuando Cubango para os Serviços Técnicos e Infra-estruturas e passa a exercer as mesmas funções em Luanda, substituindo Ngila Liberte Pires da Conceição Carvalho.  

O Presidente da República também exonerou Zacarias Sambeny, do cargo de secretário de Estado das Pescas para Aquacultura.

Jornal de Angola – Foto: JAimagens

Conselho de Segurança das Nações Unidas visita Bissau em busca de diálogo político



Uma missão do Conselho de Segurança das Nações Unidas visita a Guiné-Bissau na segunda-feira depois de aprovada uma resolução, em fevereiro, que apela ao diálogo para resolver as divergências políticas que estão a travar o desenvolvimento do país.

"A última missão do Conselho de Segurança à Guiné-Bissau foi em 2004. Esta nova visita tem como objetivo recolher informações em primeira mão das instituições-chave e da liderança do Governo", referiu fonte da organização à Lusa.

A presidência do conselho está entregue durante o mês de março a Angola.

A delegação que chega a Bissau durante a manhã é liderada por Ismael Martins, representante angolano, e inclui outras 14 pessoas.

O programa de visita inclui encontros com o Presidente da República, o primeiro-ministro, o presidente do parlamento, chefes de partidos políticos, organizações da sociedade civil e parceiros internacionais.

O chefe de Estado e o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), partido no Governo, estão em confronto político desde o verão de 2015, num diferendo que extravasou para o Parlamento e o tem impedido de funcionar.

Na sua última resolução sobre a Guiné-Bissau, adotada por unanimidade a 26 de fevereiro, "o Conselho de Segurança sublinhou que todos os intervenientes devem trabalhar para assegurar a estabilidade" por forma a implementar "reformas importantes e o fortalecimento das instituições do Estado".

LFO // VM - Lusa

ONG portuguesa de ajuda humanitária pondera deixar Guiné-Bissau devido à burocracia



Uma organização não-governamental portuguesa que opera desde 2009 na Guiné-Bissau está a ponderar abandonar as operações nesse país devido à "cada vez maior burocracia" para desalfandegar a ajuda humanitária, disse hoje à agência Lusa a responsável da ONG.

Natália Rocha, diretora da Viver 100 Fronteiras, ONG que já enviou 44 contentores de ajuda humanitária para a Guiné-Bissau, num valor estimado em 52 milhões de euros, indicou serem agora necessárias pelo menos sete autorizações para retirar a carga da alfândega.

Com um contentor "preso" há três meses com vários produtos perecíveis - queimou uma tonelada de medicamentos que entretanto ficaram fora de prazo após demasiado tempo na alfândega - Natália Rocha explicou serem necessárias autorizações dos ministérios do Plano, Economia e Finanças, Saúde, Educação e Solidariedade Social, da Secretaria de Estado dos Transportes e Comunicações e da Alfândega.

"Há outras ONG que retiram a carga dos contentores com rapidez. Há aqui filhos e enteados. Recuso-me a dar dinheiro para desbloquear os sucessivos impedimentos. É ajuda humanitária a um país e parece que não a querem receber", explicou, indignada.

Por outro lado, os pedidos de autorização nos diversos departamentos governamentais estão sucessivamente a "desaparecer misteriosamente", pelo que a missão médica realizada em fevereiro, com a deslocação de pessoal médico e paramédico a Bissau para montar o "contentor-hospital", acabou sem efeitos práticos por a carga, na Alfândega desde dezembro, não ter sido desbloqueada.

O mesmo se passa com o "contentor-escola", que se encontra nas mesmas circunstâncias, inviabilizando a missão prevista para abril.

"Não se pode trabalhar assim. Não se consegue planear nada", acrescentou.

Natália Rocha sublinhou que estes dois projetos deverão ser "desviados" para Dacar, no vizinho Senegal, onde os contactos nesse sentido estão já bem avançados.

Paralelamente, a Viver 100 Fronteiras está também já a "desviar" projetos para São Tomé e Príncipe e para Cabo Verde, onde a ajuda humanitária "é bem tratada e bem recebida".

Criada em 2009, a Viver 100 Fronteiras tem sede em Fiães, no concelho de Santa Maria da Feira (norte de Portugal), desenvolve desde então operações de cariz humanitário com vários hospitais e escolas guineenses.

A organização não-governamental portuguesa tem trabalhado com os hospitais e centros de saúde de Bor, Comura, Simão Mendes (os três em Bissau), Mansoa (centro), Bafatá, Geba e Gabu (leste) e Catió (sul), bem como com orfanatos e associações de deficientes e de cegos e ainda com instituições muçulmanas.
JSD // VM - Lusa

Cabo Verde. Eleições. Dois maiores partidos pedem maiorias absolutas, terceiro quer acabar com elas



Os líderes dos dois maiores partidos cabo-verdianos arrancaram a campanha a pedir maioria absoluta ao eleitores para as eleições de 20 de março, enquanto a terceira força política assume como objetivo maior acabar com essas maiorias

Nos três dias que já levam de campanha, Janira Hopffer Almada (PAICV, no poder) e Ulisses Correia e Silva (MpD) repetem pedidos de maioria absoluta e afirmações de confiança na vitória.

Os dois líderes têm medido forças e testado a mobilização de apoiantes na ilha de Santiago, onde desde quinta-feira, mantêm contactos com a população, encontros setoriais e comícios.

Janira Hopffer Almada, que deu o pontapé de saída da campanha com uma marcha da "onda amarela" (cor escolhida para a campanha), assumiu estar a trabalhar para a maioria absoluta e pediu o empenhamento de todos os militantes e amigos do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) para conseguir esse objetivo.

A líder, que tem podido contar nas ações de campanha com várias personalidades do PAICV e elementos do atual Governo, como a ministra da Saúde e sua adversária nas eleições internas do partido, Cristina Fontes Lima.

No sábado, durante uma caminhada com mulheres na cidade da Praia, a líder disse sentir-se "imbatível" com o apoio das "melhores mulheres do mundo", as cabo-verdianas.

A questão do género tinha já entrado na campanha na sexta-feira, no primeiro grande comício-festa, no bairro de Ponta D' Água, onde aquela que é a primeira mulher a liderar um partido cabo-verdiano e a primeira candidata a primeira-ministra pediu a confiança das mulheres.

"A minha luta é a vossa. Estou a candidatar-me para mostrar que as mulheres cabo-verdianas têm capacidade de fazer um bom trabalho", disse.

Sempre a puxar pelo trabalho de 15 anos do Governo do PAICV que, defendeu, preparou o país para uma nova fase de crescimento da economia e criação de emprego, pediu maioria absoluta para dar continuidade a esse trabalho.

Também o presidente do Movimento para a Democracia (MpD), Ulisses Correia e Silva, quer maioria absoluta para "formar Governo com tranquilidade".

O pedido foi feito logo no primeiro comício do partido, na sexta-feira, no bairro Achada de Santo António.

O partido, que adotou como cor de campanha o vermelho, quer contrapor à "onda amarela" do PAICV, uma "onda de mudança" e mostra-se convencido de que a vitória é garantida.

Ulisses contesta os 15 anos de governação do PAICV, que, entende, se baseou na partidarização da administração pública e criou "situações extremas", por exemplo, em matéria de segurança, que assume como prioridade da sua governação.

Os dois líderes fizeram, no sábado, incursões ao interior da ilha de Santiago, ao município de Santa Catarina, o segundo mais importante em termos de votos na ilha, de onde é natural o atual primeiro-ministro, José Maria Neves.

Hoje, Janira Hopffer Almada continua em Santiago e participa ao final do dia em dois comícios na Praia, enquanto Ulisses Correia e Silva fará campanha em S. Vicente, onde o líder da União Cabo-Verdiana Independente e Democrática (UCID), António Monteiro, está já no terreno desde sexta-feira.

O líder da UCID, que acredita ser possível acabar com o ciclo de maiorias absolutas no parlamento, elevou a fasquia, num comício, no sábado, em Fonte Inglês, São Vicente, e pediu "uma oportunidade" para ser o próximo primeiro-ministro.

Acusando o toque de Janira Hopffer Almada, que no debate televisivo a dois questionou a sua preparação para liderar um eventual Governo, António Monteiro diz que "nada deve em competência" aos candidatos dos outros dois partidos.

"Não fazem melhor política, nem colocam mais coração na política", disse Monteiro, para quem, no dia 20 de março, "não há outra escolha que não seja a UCID".

"Se querem continuar na mesma, então escolham os outros partidos, mas não venham reclamar depois", disse.

No primeiro comício em São Vicente, na sexta-feira, no Chapim, António Monteiro tinha já mandado um recado à líder do PAICV, que no debate, o acusou de não falar português corretamente.

"Aqui não é terra de Camões, a nossa língua é o crioulo e se ela quer que todos falemos o português de Camões então agora é que são elas", disse Monteiro.

A resposta do PAICV à UCID chegou pela boca do cabeça-de-lista por São Vicente, Manuel Inocêncio Sousa, para quem a UCID mais não é que um "pequeno partido", limitado à ilha de São Vicente, que quer uma "boleia para chegar ao Governo" e para abrir caminho à instabilidade governativa.

As eleições legislativas em Cabo Verde realizam-se a 20 de março e concorrem seis partidos.

CFF // VM - Lusa

Brasil. PARABÉNS PORTO ALEGRE: 244 ANOS



“Cidadezinha cheia de graça....” Mário Quintana (1906-1994)

Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite*

Em seus primórdios, em 1752, a capital dos gaúchos foi denominada de Porto dos Casais graças a chegada de imigrantes açorianos. No ano de 1772, transformou-se em Freguesia. Passados vários anos, em 1810, elevou-se à condição Vila. Finalmente, no ano da Independência do Brasil, em 1822, ganhou foros de cidade pelo imperador D. Pedro I.

Durante a Revolução Farroupilha (1835 -1845), devido a sua resistência às tentativas de invasão por parte dos revolucionários, após tê-la conquistado, em setembro 1835, e serem expulsos, pelos imperiais, em junho de 1836, Porto Alegre recebeu de D. Pedro II, em 1841, o título de "Leal e Valerosa Cidade", que está presente no Brasão da Cidade, criado, pela lei nº 1.030, em 22/01/1953. A lei foi assinada pelo prefeito Ildo Meneghetti (1895-1980), sendo o responsável pelo desenho do brasão o artista plástico Francisco Bellanca (1895-1974).

 Ao passar dos anos, Porto Alegre seguiu crescendo… Amada pelos gaúchos de todas as querências, ela se tornou cosmopolita sem perder a referência de suas origens açorianas.  São 244 anos de hospitalidade que se comemoram neste mês de março de 2016.  A “57ª Semana de Porto Alegre”, também, conhecida pelo epíteto “Cidade Sorriso”, é um momento de festa que nos possibilita uma reflexão sobre a sua história e importância que esta representa em nossas vidas.

Após a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, Porto Alegre procura modernizar-se, buscando se inserir no conceito de “Ordem e Progresso”; dístico este que está presente na bandeira brasileira. Grandes transformações urbanas ocorreram na gestão do intendente José Montaury (1858-1939) e durante o governo de Borges de Medeiros (1863-1961). Com a ampliação da rede elétrica, da rede hidráulica e das linhas de bonde, nossa cidade passou a equiparar-se aos modernos centros urbanos do mundo. No ano de 1900, o censo  registrou uma população de 73.474 habitantes na capital gaúcha.
      
O conceito de modernidade, no início do século 20, de acordo com a doutrina positivista, era associado à implantação de indústrias.  De acordo com essa visão, surgiram na capital gaúcha nossas primeiras empresas: a Neugebauer (1891) - maior e mais antiga fábrica de chocolates do Brasil - a Gerdau (1901) e a Wallig (1904).

No ano de 1909, alguns bairros já usufruíam de iluminação elétrica e no centro da cidade, paulatinamente, desativaram-se os antigos combustores a gás. O jornalista e escritor Aquiles Porto Alegre (1848-1926), em seu livro “Através do Passado” (1920), pp. 45-6,  narra as transformações do dia-a-dia da urbe de maneira quase poética, como registra este trecho de uma das suas crônicas:

“Ao invés da iluminação azeite de peixe – a luz elétrica, ao invés da maxambomba, que não matava ninguém – o elétrico e o auto, que como epidemia, estão sempre fazendo vítimas – eis o que o progresso nos trouxe.  É doloroso – mas é bonito. Não temos mais frades de pau à porta de casa, nem, de pedra às esquinas. Temos postes telefônicos e de luz elétrica, que nos trazem a casa, de longe, num relâmpago, a palavra e a luz.”.

Um conjunto de transformações passou a fazer parte da rotina dos porto-alegrenses: o trem diminuiu as distâncias; os navios a vapor eram mais seguros e rápidos; o telefone aproximou as pessoas, assim como o telégrafo.  A eletricidade trouxe rapidez nos transportes (bonde) e iluminou as ruas e as moradias, trazendo conforto e segurança. De acordo com o relato, em 1905, do viajante Vittorio Buccelli em Transformações Urbanas: Porto Alegre de Montaury a Loureiro. Catálogo / Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, p.25:

“A iluminação é boa e digna de uma cidade europeia e é feita de todos os sistemas: a gás, a lâmpadas elétricas e a acetileno”. 

No cotidiano da cidade, o cinema (1896) o automóvel (1906)  e o bonde elétrico (1908) se constituíram em novidades que instigaram a curiosidade e o fascínio dos porto-alegrenses, ao final do século 19, e durante o primeiro decênio do século 20. 
 
No campo da Educação, durante os primeiros anos do século 20, surgiram tradicionais estabelecimentos de ensino, como Sevigné (1900), Rosário (1904), Bom Conselho (1905), Nossa Senhora das Dores (1908) e  Parobé (1906). Este último se tornou famoso por seu perfil técnico e profissionalizante.  Criada de acordo com a doutrina positivista, inspirada em Augusto Comte (1798-1857), no governo de Borges de Medeiros, a Escola Parobé visava a preparar e a inserir os jovens oriundos de famílias de baixa renda no mercado de trabalho.  Já no campo da educação superior, fundaram-se as primeiras faculdades: Engenharia (1896), Medicina (1898) e Direito (1900), dando início à vida acadêmica em Porto Alegre.

Diante do vertiginoso progresso, principalmente, quanto à criação de indústrias e estabelecimentos comerciais, o operariado gaúcho começou a organizar-se politicamente, enquanto classe, buscando melhores condições de vida. O anarquismo e o socialismo, por meio da pregação ideológica, disputavam, entre si, a liderança nas lutas sociais para construir uma sociedade mais justa e igualitária.

Propagador das ideias marxistas entre os operários locais e criador do jornal socialista “A Democracia” (1905), Francisco Xavier da Costa (1871-1934) foi primeiro negro vereador na Câmara da cidade e liderou, com Carlos Cavaco (1878-1961), a primeira greve geral do Estado, em 1906, fundando a Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS) no mesmo período. 

Contando com mais de 5000 operários, a paralisação durou 21 dias e reivindicava a jornada de oito horas com melhores condições de trabalho.  Conforme o jornalista e pesquisador João Batista Marçal, a figura de Francisco Xavier da Costa se tornou pioneira na difusão do socialismo nos pampas, ao fundar, em 1897, o Partido Socialista Rio-grandense.

Transcorria o ano de 1908, quando chegou a Porto Alegre o arquiteto alemão Theo Wiederspahn (1878-1952) num momento que a economia crescia e nosso Estado era considerado o terceiro mais importante do Brasil. Com o apoio das classes dominantes, Theo Wiederspahn (1878-1952) foi o responsável por inúmeras construções que modificaram a urbe. De 1908 a 1930, ele apresentou 554 projetos documentados, entre os quais o prédio, hoje, ocupado pelo Museu de Arte Ado Malagoli (MARGS), e o prédio onde se encontra instalada, desde 1983, a Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ). No ano de 1909, chegou a Porto Alegre, vindo da França, o arquiteto, Maurice Gras, que assinou o contrato para a construção do Palácio Piratini.

No dia 12 de outubro de 1909, ocorreu um marco de modernidade, em Porto Alegre. O fato aconteceu no antigo Prado do Menino Deus, quando o primeiro avião em Porto Alegre fez um pouso e, depois, uma decolagem.  No tradicional bairro Menino Deus havia teatro e hipódromo. Considerado um comportamento elegante, o porto-alegrense tinha o hábito de passear aos domingos, utilizando como transporte o bonde elétrico. Lá chegando, no Menino Deus, bebia um refresco, cumprimentava os conhecidos e retornava ao centro da cidade.

Transcorria o mês de maio, em 1910, quando um fato atraiu a atenção dos porto-alegrenses: ao olharem para o céu, observaram o cometa Halley em sua trajetória, trazendo medo às mentes mais incautas e ingênuas quanto a um possível “fim do mundo”.  No “Ano do Cometa”, quem governava o Rio Grande do Sul era o médico e político Carlos Barbosa Gonçalves (1851-1933), que foi responsável por importantes obras, como o Palácio Piratini, Instituto de Belas Artes e o destacado monumento positivista, que homenageia o líder Julio Prates de Castilhos (1860-1903) e a propaganda republicana na capital.

Ao encerrar o primeiro decênio do século 20, foi criada a Escola de Agronomia e Veterinária, e o Censo Municipal indicava que Porto Alegre tinha 120.227 habitantes e havia 2.294 casas de comércio, 154 fábricas e 149 oficinas.

O cotidiano da nossa cidade, desde o surgimento do primeiro jornal "O Diário de Porto Alegre", em 1º de junho de 1827, está impresso nas páginas de diversos periódicos que o sucederam, fazendo parte da história da nossa Imprensa local. No livro “Tendências do Jornalismo”, do professor Francisco Rüdiger, encontra-se a informação de que, no início do século XX, havia 142 periódicos circulando em nosso Estado.

Durante o Império e também no período republicano, circulavam em Porto Alegre jornais bastante representativos, como o Jornal do Comércio (1865-1911), A Federação (1884-1937), A Reforma (1869-1912), Deutsche Zeitung (1861-1917) Correio do Povo (1895), A Gazetinha (1897-1900) Corymbo (1883- 1943), O Independente (1900-1923), Petit Journal (1898-1903), Stella d’ Itália (1902-1925), O Exemplo (1892-1930) – jornal de resistência e luta contra o racismo na capital – e a Gazeta do Comércio (1901 -1906), entre outros periódicos.

Segundo o historiador Sérgio da Costa Franco, no seu livro ”Gente e Espaços em Porto Alegre”, quando finalizou o século 19, o Jornal do Comércio disputava, com seu rival o Correio do Povo, o título de ser o periódico de maior tiragem e circulação no Rio Grande do Sul. O mais antigo jornal a circular, na capital gaúcha, é o Correio do Povo, fundado pelo sergipano Caldas Júnior (1868-1913), em 1º/10/1895. No interior do Estado, a primazia é da Gazeta do Alegrete, fundada por Luiz de Freitas Valle, circulando desde 1º/10/1882.

Atualmente, há um consenso no campo da historiografia de que os registros jornalísticos de época são imprescindíveis a quem quiser dissecar a cidade em seus diferentes aspectos, pela diversidade de temas que os jornais abordam. O valor histórico da Imprensa, como fonte de pesquisa, foi defendido pelo sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) que introduziu, em seus estudos, a pesquisa em periódicos, visando a levantar dados acerca do contexto social e histórico da sociedade brasileira. O pioneirismo, dessa forma científica de trabalho, remete-nos à sua figura que registrou em seu livro ”O Escravo nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX” (1963) na p. 224 :

(...) ”mais do que nos livros de história, nos romances, a história do Brasil do séc. XIX está nos jornais”.

A antiga Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre, de origem açoriana, cresceu, desenvolveu-se e segue se reinventando neste mundo globalizado. Ao lermos o poema “O Mapa” de Mário Quintana (1906-1994), ficamos hipnotizados  diante da forma onírica e apaixonada que o nosso poeta, nascido na cidade de Alegrete (RS), escreveu sobre a capital de todos os gaúchos.

*Pesquisador Coordenador do setor de imprensa do Musecom *    Porto Alegre / RS / Brasil

Bibliografia
CONSTANTINO, Núncia Santoro de.  A Conquista do Tempo Noturno: Porto Alegre "Moderna".Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. XX, n.2, p. 65-84, 1994.
FRANCO, Sérgio da Costa, ROZANO Mário (org.) Porto Alegre Ano a Ano/ Uma cronologia histórica 1732/ 1950. Porto Alegre: Letra & Vida, 2012.
----------------------- Gente e espaços de Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000.
------------------------ Porto Alegre / Guia Histórico. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1988.
FLORES, Hilda A. Hübner (org). RS / Século XX em retrospectiva. Porto Alegre: CIPEL, 2001.
GUIMARAENS Rafael. Rua da Praia / Um passeio no tempo. Porto Alegre: Libretos, 2010.
MARÇAL João Batista. A Imprensa Operária do Rio Grande do Sul. (1873-1974). Porto Alegre: [s.n.], 2004.

Imagens:
1-  José Montaury
2- Borges de Medeiros
3 - Fábrica da Neugebauer
4 - Francisco Xavier da Costa ( primeiro negro vereador na cidade)
5 Jornal " A Democracia "
6 - Porto Alegre /  O Guaíba
7 Porto Alegre ( bico de pena) em 1900
8 Diário de Porto Alegre ( Primeiro jornal / 1827)
9- Mário Quintana 
10-. Brasão da cidade de POA

Brasil. Lula contra-ataca: “ESTOU VIVO E SOU MAIS HONESTO QUE VOCÊS”



Horas após a sua detenção para averiguações, o ex-Presidente do Brasil, Lula da Silva, garantiu aos seus simpatizantes que estará presente se o Partido dos Trabalhadores precisar “de alguém para comandar a tropa”

Cristina Pombo – Expresso, ontem

la da Silva contra-atacou ao final de sexta-feira, horas depois de ter sido detido em sua casa e ouvido durante três horas no âmbito da Operação Lava Jato, por suspeitas de envolvimento no esquema de corrupção relacionado com a petrolífera estatal Petrobras.

O ex-Presidente e fundador do Partido dos Trabalhadores brasileiro (PT) assegurou aos cerca de cinco mil militantes do PT que se reuniram em São Paulo que está “vivo” e preparado para disputar a Presidência em 2018. “A partir de hoje, a resposta que posso dar é ir para as ruas e dizer: 'estou vivo e sou mais honesto do que vocês'”, garantiu.

Lula, que foi recebido com uma grande ovação, chorou várias vezes e garantiu que se o quiserem derrotar vão ter de o “enfrentar nas ruas do país”.

“Se vocês estão precisando de alguém para comandar a tropa, está aqui”, afirmou, ao mesmo tempo que classificou a ação de sexta-feira como uma “provocação banal e imbecil”, queixando-se de ter sido vítima de “sequestro”.

No final do seu discurso, que durou perto de uma hora, Lula defendeu-se das acusações que o envolvem a ele e a membros da sua família no escândalo de corrupção que tem abalado o Brasil.

“Se alguém pensa que me vai calar com perseguição e denúncia, vou falar que sobrevivi à fome. Não sou vingativo e não carrego ódio na minha alma, mas quero dizer que tenho consciência do que posso fazer por esse povo e tenho consciência do que eles querem comigo”, afirmou numa clara alusão à disputa presidencial de 2018.

O Ministério Público revelou ontem, em comunicado, que na origem das suspeitas sobre o ex-dirigente estão doações e pagamentos que o beneficiam a ele e familiares. Em causa está o dinheiro usado em obras num apartamento triplex e noutro local do estado de São Paulo, e montantes recebidos por Lula nas suas palestras, que podem ter sido pagos por empresas de construção investigadas no processo Lava Jato.

DILMA DEFENDE-SE

Pouco antes do encontro de Lula com apoiantes, já a Presidente em exercício, Dilma Rousseff, se tinha manifestado “inconformada” com o facto de o antigo Presidente ter sido “submetido a uma desnecessária coação coerctiva”, acrescentado que Lula prestou várias vezes esclarecimentos às autoridades de maneira voluntária.

Dilma dedicou menos de dois minutos à defesa do seu antecessor na Presidência, escreve a “Folha” na sua edição online, e preferiu defender-se das acuações de que foi alvo na véspera, por parte do senador Delcídio do Amaral, e que estão também relacionadas com o caso Lava Jato.

Foto: Lula da Silva recebido em apoteose por apoiantes, em São Paulo / Paulo Whitaker - Reuters

Lula: advogados rebatem nota de procuradores e criticam condução coercitiva



Ainda de acordo com os advogados, a defesa de Lula não deu procuração ao MPF e o citado habeas corpus foi impetrado com o argumento principal da condução coercitiva do ex-presidente e de sua esposa

Correio do Brasil, com ABr – de Brasília

Os advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins divulgaram neste domingo nota na qual repudiam as declarações dos procuradores da República integrantes da força-tarefa Lava Jato feitas no sábado. Para os advogados do ex-presidente, as declarações dos procuradores são uma “desesperada tentativa de legitimar a arbitrária condução coercitiva do ex-presidente na sexta-feira”.

De acordo com a nota, publicada no site do Instituto Lula, a condução coercitiva é uma medida que cerceia a liberdade de ir e vir e jamais poderia ter sido requerida ou autorizada nos termos em que se deu. “O fato de a Operação Lava Jato já ter emitido 117 mandados de condução coercitiva não tem o condão de legitimar a ilegalidade agora praticada contra o ex-presidente Lula, mas, ao contrário, serve de alerta para tantas outras arbitrariedades que poderão já ter sido praticadas nessa operação”, defendem os advogados.

Segundo eles, a tentativa de vincular Lula a esquema de formação de cartel e corrupção da Petrobrás “apenas atende anseio pessoal das autoridades envolvidas na operação”, além de configurar infração de dever funcional. “O MPF aposta na força das palavras em detrimento dos fatos. Lula jamais participou ou foi beneficiado, direta ou indiretamente, de qualquer ato ilegal”, diz a nota.

Ainda de acordo com os advogados, a defesa de Lula não deu procuração ao MPF e o citado habeas corpus foi impetrado com o argumento principal de que a condução coercitiva do ex-presidente e de sua esposa, Marisa Letícia Lula da Silva, cogitada pelo Promotor de Justiça Cássio Roberto Conserino, do Ministério Público do Estado de São Paulo, não poderia ser admitida pois afrontaria a ordem jurídica.

– Lula já prestou três depoimentos, dois à Polícia Federal e um ao Ministério Público Federal. Em nenhum destes houve qualquer confronto ou risco à ordem pública, porque marcados e realizados de forma adequada pelas autoridades envolvidas – diz a nota.

Na última sexta-feira, Lula foi conduzido coercitivamente para depor na sala da Polícia Federal no Aeroporto de Congonhas, zona sul paulistana. Durante as três horas de depoimento, o ex-presidente foi questionado sobre a ligação com um sítio em Atibaia, interior paulista, e com um apartamento tríplex no Guarujá, no litoral de São Paulo, além de bens que recebeu durante os dois mandatos na presidência do país, que devem ser mantidos por ele como acervo histórico. Depois do depoimento, Lula fez um discurso na sede do PT.

Força-tarefa Lava Jato

Na noite de sábado, a força-tarefa da Procuradoria da República em Curitiba divulgou nota na qual diz que no âmbito das 24 fases da operação Lava Jato, foram expedidos 117 mandados de condução coercitiva e que nos demais 116, “não houve tal clamor”.

Eles alegam que a condução coercitiva foi necessária, neste caso, para a segurança pública, das próprias equipes de agentes públicos e para a segurança do próprio ex-presidente, além da necessidade de serem realizadas as oitivas simultaneamente, a fim de evitar a coordenação de versões. A nota cita o episódio da intimação de Lula para ser ouvido pelo Ministério Público de São Paulo em investigação sobre desvios ocorridos na Bancoop. “Após ser intimado e ter tentado diversas medidas para protelar esse depoimento, incluindo inclusive um habeas corpusperante o TJSP, o senhor Luiz Inácio Lula da Silva manifestou sua recusa em comparecer”.

– Assim, apesar de todo respeito que o senhor Luiz Inácio Lula da Silva merece, esse respeito é-lhe devido na exata medida do respeito que se deve a qualquer outro cidadão brasileiro, pois hoje não é ele titular de nenhuma prerrogativa que o torne imune a ser investigado na operação Lava Jato – dizem os procuradores.

Para os procuradores, essa discussão “nada mais é que uma cortina de fumaça sobre os fatos investigados”. Eles dizem ainda que é preciso investigar os fatos indicativos de enriquecimento de Lula, “por despesas pessoais e vantagens patrimoniais de grande vulto pagas pelas mesmas empreiteiras que foram beneficiadas com o esquema de formação de cartel e corrupção na Petrobras, durante os governos presididos por ele e por seu partido”.

Brasil. PESQUISA EXPLICA A SOFREGUIDÃO PARA DETER LULA JÁ



O golpe está na rua. Lula preso é a resposta do conservadorismo ao povo que, no Datafolha desta semana, apontou-o como 'o melhor presidente da história'

Saul Leblon - Carta Maior, editoril

O espectro de um Lula eleitoralmente competitivo, que assombra os dias e atormenta as noites do conservadorismo, ganhou números sugestivos esta semana.

E são eles que explicam a sofreguidão conservadora nas últimas horas, a uivar pela única forma segura de afastar o perigo de vez: deter Lula de uma vez por todas.

A pesquisa mais recente do Datafolha, divulgada esta semana, espeta em torno do ex-presidente e de sua liderança três percentuais cuja sedimentação definirá o futuro eleitoral do ex-presidente e o do projeto de restauração neoliberal no Brasil.


Desde 2005/2006 sob fogo cerrado do conservadorismo e, a partir de outubro de 2014, diuturnamente caçado pela República de Curitiba  --que abastece a mídia de suposições e ilações para transformá-lo em símbolo máximo da corrupção no Brasil, Lula foi desfigurado politicamente no imaginário popular.

Dois terços dos eleitores forcam tocados pelo jogral Moro & mídia.

Com teor de consistência desconhecido, eles acreditam que os governos e o partido do líder operário consagrados como sinônimo de justiça social enredaram-se em práticas ilícitas. E que Lula concedeu e auferiu vantagens a empresas associadas a grandes obras públicas.

É uma mutação devastadora.

Mas inconclusa.

Ela colide com duas mensagens opostas espetadas pelo eleitor nas planilhas do Datafolha.

Cerca de 1/5 do eleitorado brasileiro mantém-se perfilado ao lado de Lula, solidamente.

Isso o credencia de forma quase incontornável ao segundo turno da corrida presidencial de 2018, qualquer que seja a composição do plantel adversário.

Esse piso granítico encontra-se indisponível do lado oposto em que as menções espontâneas de voto se esfarelam e se dispersam.

Mais que isso, porém.

Quando a referência escrutinada passa a ser a vida real dos cidadãos, não a porção volúvel de um discernimento induzida pelo alto-falante midiático  --ao qual o ex-presidente não tem acesso-- o chão firme aos seus pés amplia-se significativamente.

Como se fora a bruxa da fábula infantil a Folha, depois de esfalfar-se nesse labor sem trégua indaga ao cristal da memória popular:

‘Espelho, espelho meu, quem foi o melhor Presidente da história deste país?’

E 37% respondem espontaneamente, juntando as quatro letras malditas: ‘Lula’.

Fecha-se o círculo de ferro a explicar a sofreguidão nas horas que correm, dos uivos e ganidos a pedir que esse jogo perigoso seja zerado de uma vez por todas.

A disjuntiva de um Lula meio morto, meio vivo afoga o conservadorismo em dúvidas e temores dilacerantes.

É possível enfrentar e vencer o espectro numa disputa na qual ele passa a dispor do que não tem hoje –e que eles fingem não considerar um dado decisivo na disputa?

Ou seja, voz, espaço e tempo isonômico para se defender e dialogar com a população brasileira?

Se o espectro se arrastar até 2018 em liberdade,  um jornalismo caricato, de viés obscenamente antipopular, perderá momentaneamente monopólio da mediação com a sociedade .

A sorte do país e o destino do seu desenvolvimento ganham uma janela de debate ecumênico.

E será preciso, então, ouvir a voz através da qual reverbera a seta do tempo da luta secular por um Brasil mais justo com seu povo, mais soberano no desfrute de suas riquezas, mais democrático na ampliação dos canais de manifestação daqueles que nunca tiveram vez na sua história.

O risco é a voz tornar devastadoramente explícito o projeto de Brasil inscrito na lâmina dos grandes interesses que esfaquearam, esquartejaram, picaram e salgaram a sua reputação, a do seu governo, a de sua família e a do seu partido, em praça pública, durante dias, semanas, meses e anos seguidos.

A recente entrega do pré-sal, iniciativa de um presidenciável tucano fartamente festejada pelo conservadorismo, poderá figurar então como um tiro no pé.

Na voz de Lula emergiria como a  prefiguração explícita, palpável, escandalosa daquilo que a restauração neoliberal pretende, de fato,  com  o simulacro de sua cruzada anticorrupção.

Ou seja, completar o serviço iniciado nos anos 90, a exemplo do que já faz Macri, com virulência igualmente pedagógica –e custos sociais sabidos—na Argentina.

Os dados trazidos à mesa pelo Datafolha da última 2ª feira  injetaram o desassossego dessas antevisões no diretório conservador.

Podem exigir de Moro & Cia aquilo que a sofreguidão murmura por entre perdigotos incontroláveis nas horas que correm.

A prisão cinematográfica de Lula, a fornecer o fotograma com o qual –uiva-se do fundo das redações ‘isentas’—será possível reduzir a ameaça a um zumbi de punhal no peito, abatido em sua caminhada histórica.

Podem os números do Datafolha, ao contrário, impor cautela redobrada aos que, a exemplo do impoluto FHC, temem a reação popular.

Mas, sobretudo, deveriam , antes que tarde demais, suscitar no PT e em todo o campo progressista uma agenda de mergulho urgente e sem volta às periferias e bases populares, de modo a nutrir a hesitação golpista de razões concretas para temer a rua.

O jogo está semiaberto. Ainda. A ver.

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